Chamada para Dossiê: Pibid como política pública e direito social: outros cenários, desafios e experiências.
Organizadores
Rubens Antonio Gurgel Vieira – UFLA
Fábio Pinto Gonçalves dos Reis – UFLA
Kleber Tüxen Carneiro – UFLA
Marcos Garcia Neira – USP
Mario Luis Ferrari Nunes – UNICAMP
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), instituído em 2007 sob a coordenação da CAPES, consolidou-se enquanto política pública estratégica no Brasil ao articular experiências formativas e ações pedagógicas, inserindo licenciandos em escolas públicas sob supervisão de professores atuantes. Trata-se de promover uma formação docente cuja perspectiva sobrepuje a fragmentação histórica entre saberes científicos e os produzidos pela cultura escolar no chamado ‘chão da escola’, ou mesmo, entre as instâncias/instituições formadoras (Carneiro et al., 2023).
O programa, ao longo de quase duas décadas, facultou aos aspirantes à docência confrontar constructos teóricos com a complexidade do sistema educacional brasileiro, marcado por heterogeneidades socioculturais e déficits estruturais, fomentando, via de regra, um perfil reflexivo e crítico na iminência de oportunizar, com isso, iniciativas/intervenções que pudessem ensejar transformações sociais a partir da(s) escola(s) (Freitas, 2014). Ao propiciar vivências intensas com o cotidiano escolar, também contribui para a constituição da identidade docente dos licenciandos, promovendo o pertencimento ao campo educacional e o engajamento com a escola pública desde as primeiras etapas da formação inicial. Além disso, reconfigura a relação entre universidade e instituições educativas por intermédio de uma colaboração dialógica alvissareira, cujos efeitos colocam em suspeição e desafiam hierarquias tradicionais. Além de democratizar saberes pedagógico, experienciais (Tardif, 2000) e impulsionar a qualidade da educação básica com a presença de estudantes em formação atuando conjuntamente com docentes em exercício profissional nas escolas públicas (Carneiro et al., 2024).
Soma-se a isso, o fato de o PIBID enfrentar, de alguma maneira, a desvalorização histórica do magistério ao oferecer suporte financeiro e simbólico às distintas esferas de trabalho na formação inicial e continuada, fato que pode atenuar os ciclos de reprodução cultural cujo objetivo é desmantelar (ainda mais) a profissão docente. Ademais, tal programa pode operar enquanto fomentador da manutenção e engajamento discente nos cursos de licenciatura, fortalecendo a identidade docente (Marcelo, 2009) e o pertencimento ao campo profissional, especialmente, assegurar a formação de novos professores em um contexto de precariedades diversas. Desde sua gênese, tal programa de ensino se inscreve como um projeto multidimensional de (re)elaboração e resistência às desigualdades almejando buscar mais equidade social. Em outras palavras, o PIBID representa uma promessa de renovação em um país cuja educação é simultaneamente desafio e esperança (Freire, 1992; 2001; 2015; 2019).
Contudo, ao longo de seu decurso histórico, o PIBID resistiu às investidas de desmantelamento e precarização tanto de ordem interna quanto no enfrentamento dos vetores de força exógenos (leia-se políticos). No âmbito da produção científica, a literatura especializada igualmente retratou críticas ao programa assinalando a parcial suficiência do trabalho pedagógico desenvolvido e sua relação com a formação discente, cuja práxis mobiliza pouco os aprendizes em contextos escolares em que as experiências acontecem. Isso decorre, em grande medida, em meio às lacunas resultantes da fragilidade epistemológica inerente à formação pedagógica de supervisores e coordenadores envolvidos (em muitos casos, com formação bacharelesca), comprometendo a produção de sentidos e as conexões entre o trabalho discente/docente idealizado e o realizado (Silva, Carneiro, Barreto, 2017; Pachalski, Nornberg, 2019). Outra situação na qual se constata críticas recorrentes, diz respeito à desigualdade na distribuição de bolsas, pois se concentra em certas regiões e instituições com maior projeção simbólica, o que acaba contribuindo para negligenciar determinadas áreas do conhecimento e restringir o alcance nacional do programa (Gimenes, 2016).
No plano político, a partir de 2015, sob o governo Temer, cortes orçamentários reduziram drasticamente o número de bolsas – de um pico de 90 mil em 2013, chegou a uma queda progressiva –, agravada em 2018 pelo Edital CAPES nº 07, que alterou o foco do programa e gerou questionamentos sobre sua finalidade. Mais recentemente, no governo Bolsonaro, o desmonte financeiro da CAPES produziu cortes de até 93,8% em 2021. Consequentemente, isso resultou em atrasos no pagamento de bolsas, afetou cerca de 60 mil bolsistas e desencadeou mobilizações, a exemplo do movimento: #CapesPagueAsBolsasPibideRP, expondo o descaso e a eminente ameaça à sustentabilidade do PIBID enquanto política de Estado. Esses desafios vividos à época – entre fragilidades acadêmicas e instabilidades políticas – colocam-nos em constante vigilância na direção de assegurar a finalidade última do programa em fortalecer o magistério, razão pela qual torna-se imprescindível um exercício perene e acurado de reflexão crítica e ações efetivas para a sua conservação.
Diante desse cenário, o PIBID se revela um campo fértil para novas investigações cujos resultados lancem rebento e possibilidades de aprimoramento formativo, considerando sua inserção num sistema educacional atravessado por tensões diversas. Inclusive, iniciativas científicas que possam averiguar seu impacto à carreira professoral a partir de estudos longitudinais. O que implica avaliar a permanência, o desempenho e a resiliência de egressos, supervisores e coordenadores, evitando, assim, prospecções açodadas e/ou incipientes em termos epistemológicos (Carneiro et al., 2024).
Torna-se igualmente premente verificar os efeitos das propostas desenvolvidas ou compartilhadas pelos aspirantes à docência em relação às aprendizagens de crianças, jovens e pessoas adultas no interior das instituições colaboradoras, combinando abordagens quantitativas e qualitativas na direção de compreender os acrescentamentos (in)diretos na qualidade educacional. De igual modo, as desigualdades regionais e institucionais implicadas na inserção do programa demandam análises comparativas que desvelem fatores explícitos ou subjacentes e proponham experiências de equidade ou resistência, ampliando o alcance a contextos vulneráveis. Nesse conjunto de propostas, é fundamental considerar a experiência como aquilo que deixa marcas nos sujeitos, os transforma e os constitui — especialmente quando os licenciandos se colocam diante do imprevisível da escola pública. Também cabe encetarmos estudos acerca das relações e dinâmicas formativas entre supervisores, coordenadores, licenciandos, gestores e estudantes, identificando experiências dissidentes, transgressoras e até anárquicas, que produzam interpretações na direção de repensarmos o currículo, o corpo e as propostas didáticas à luz das demandas de quem realmente habitam a escola. Tais apontamentos se somam a uma infinidade possível de perspectivas científicas criadas ou por se criar, todas alinhadas no fortalecimento do PIBID enquanto política de Estado.
Em tempos de restrições orçamentárias e vicissitudes políticas, parece-nos oportuno pôr em evidência prospecções que explorem alternativas de financiamento e analisem os efeitos do programa em termos socioeconômicos, a fim de fornecerem indicadores e subsídios epistemológicos para sua defesa, aprimoramento e ressignificação. Em última análise, os domínios investigativos supracitados configuram-se enquanto uma agenda de pesquisa para o PIBID, de modo que potencialize (trans)formações para os diferentes segmentos e sujeitos envolvidos. Trata-se, portanto, de almejar uma educação pública mais justa e reflexiva, pari passu, (re)colocar o referido programa na qualidade de vetor para tais mudanças, considerando se tratar de um espaço de disputas históricas e aspirações porvindouras.
À vista do exposto, conclamamos pesquisadores a submeterem estudos que versem sobre tais perspectivas, contribuindo para um dossiê que celebre o legado do PIBID, ajude a enfrentar os desafios identificados e projete (ainda mais) seu futuro no horizonte educacional brasileiro.
Referências
BRASIL. Edital Capes n.º 07, de 01 de março de 2018 – Retificado em 27 de março de 2018. Chamada Pública para Apresentação de Propostas para o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Brasília, DF: [s. n.], 2018.
CARNEIRO, Kleber Tüxen; SILVA, REIS, Fábio Pinto Gonçalves dos; BRUZI, Alessandro Teodoro; VIEIRA, Rubens Antonio Gurgel; SILVA, Bruno Adriano Rodrigues. Implicações (científicas) dos programas PIBID e PRP à formação docente em Educação Física. Conexões, Campinas, SP, v. 21, n. 00, p. e023014, 2023. DOI: 10.20396/conex.v21i00.8675752. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conexoes/article/view/8675752. Acesso em: 10 abr. 2025.
CARNEIRO, Kleber Tüxen; REIS, Fábio Pinto Gonçalves dos; BRONZATTO, Maurício; RIBEIRO, James Dean Prando. Repercussões formativas decorrentes do Residência Pedagógica para o desenvolvimento profissional docente em Educação Física. Cadernos de Pesquisa, p. 1–29, 17 Set 2024. Disponível em: https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/23542. Acesso em: 3 abr 2025.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
FREIRE, Paulo. “Política e educação”. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 62. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019.
FREITAS, Helena Costa Lopes de. O Pibid e as políticas de formação e valorização profissional do magistério. In: AYOUB, Eliana; PRADO, Guilherme do Val Toledo. (Orgs.). Construindo parcerias entre a universidade e a escola pública. Campinas: Edições Leitura Crítica, 2014. (Coleção Formação docente em diálogo; v. 2).
GIMENES, Camila Itikawa. O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e a formação de professores de ciências naturais: possibilidade para a práxis na formação inicial? 2016. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. doi:10.11606/T.48.2017.tde-22122016-110603. Acesso em: 2025-04-04.
MARCELO, Carlos. O conhecimento profissional do professor: formação e desenvolvimento profissional. 6ª ed. Porto: Porto Editora, 2009.
PACHALSKI, L.; NORNBERG, M. Teoria e prática na docência nos anos iniciais: dimensões (in)dissociáveis?. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 21, n. 4, p. 994–1012, 2019.
SILVA, Bruno Rodrigues Silva; CARNEIRO, Kleber Tüxen; BARRETO, Thamires Aparecida Gonçalves. O PIBID NA ÓTICA DOS COORDENADORES DE ÁREA NO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA UFLA: IMPRESSÕES SOBRE A FORMAÇÃO INICIAL. Corpoconsciência, Cuiabá-MT, vol. 21, n. 03, p. 66-81, set./dez., 2017. Disponível em: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/corpoconsciencia/article/view/5674/3803. Acesso em: 25 fev. 2025.
Cronograma
Lançamento da chamada em maio.
Submissão até 30/09/2025.
Avaliação pelos pares de setembro até dezembro.
Previsão de publicação em fevereiro/26.