ISSN: 2526-849X
Weber, educação, sociologia da educação
Weber, education, sociology of education
Weber, educación, sociología de la educación
Iael Souza1
Resumo
O presente artigo pretende construir uma aproximação, a mais adequada possível, à percepção de Max Weber sobre a educação numa sociabilidade racionalizada/burocratizada, como é o caso do mundo moderno, capitalista, selecionando alguns dos conceitos-chave desenvolvidos pelo autor que acredita-se manterem relação direta e indiretamente com a problemática educacional, visando contribuir com a elaboração de uma sistematização possível, dentre outras, para as reflexões na área de Sociologia da Educação.
Palavras-chave: racionalização; dominação (racional-legal); desencantamento; burocratização; educação.
Abstract
The present article intends to build an approximation, as adequate as possible, to Max Weber's perception of education in a rationalized/bureaucratized sociability, as is the case of the modern, capitalist world, selecting some of the key concepts developed by the author who believes maintain a direct and indirect relationship with the educational problem, aiming to contribute to the elaboration of a possible systematization, among others, for reflections in the area of Sociology of Education.
Keywords: rationalization; domination (rational-legal); disenchantment; bureaucratization; education.
Resumen
El presente artículo pretende construir una aproximación, lo más adecuada posible, a la percepción de Max Weber sobre la educación en una sociabilidad racionalizada/burocratizada, como es el caso del mundo capitalista moderno, seleccionando algunos de los conceptos clave desarrollados por el autor quien cree -mantener una relación directa e indirecta con el problema educativo, visando contribuir a la elaboración de una posible sistematización, entre otras, para reflexiones en el área de la Sociología de la Educación.
Palabras clave: racionalización; dominación (racional-legal); desencanto; burocratización; educación.
Introdução
Max Weber (1864-1920), assim como Karl Marx (1818-1883), viveu e experimentou as situações, circunstâncias e condições decorrentes da era das revoluções burguesas, culminação de todo um processo de profundas transformações estruturais e infraestruturais do modo de vida de uma época, provocando mudanças substanciais e significativas nos valores, mentalidade, na economia, política, cultura, enfim, no ethos ideosociocultural de toda a civilização humana, marcado pela germinação do modo de produção capitalista e pela relação social capital.
Weber reconhece Marx e Nietzsche como os dois grandes pensadores decisivos de seu tempo, de modo que ambos impactarão suas análises, reflexões e a totalidade de sua obra. Com Marx, Weber compartilha o interesse em apreender o capitalismo, sendo sua contribuição específica a análise do capitalismo moderno e o processo de racionalização da conduta de vida2 da qual ele é a maior expressão. Souza (2012, p. 85) também ressalva que há uma aproximação possível entre esses dois alemães devido a centralidade que a questão do poder, da dominação e do conflito têm em suas obras, embora cada um se posicione de forma substancialmente distinta, pois para Marx é não só possível, mas uma necessidade histórica, a suprassunção do capital e do capitalismo. Já para Weber, frente ao processo de racionalização do capitalismo, resta apenas a resistência dos indivíduos, que assim podem sobreviver da melhor maneira no mundo, convivendo com a angustia sem entrar em depressão. Tratar-se-á dessa questão no momento oportuno.
De Nietzche, Weber se inspira na “vontade de poder”, expressa na luta entre valores antagônicos. Essa problemática da luta pela vida, de luta permanente entre diferentes perspectivas permeia todo o pensamento e produção weberiana, sendo um componente essencial de toda a relação social. Segundo Weber (apud COHN, 1991, p. 17):
(...) é impossível eliminar a luta de qualquer vida cultural. Podem-se modificar os seus meios, o seu objetivo e mesmo a sua orientação básica e os seus portadores, mas ela própria não pode ser suprimida. (...) A luta encontra-se em toda parte e por vezes afirma-se tanto mais quanto menos é percebida ou quando adota no seu transcurso a forma de uma omissão cômoda ou de uma complacência ilusória, ou enfim quando se exerce sob a capa da “seleção”. A “paz” significa apenas um deslocamento das formas, dos adversários ou do objeto de luta, ou finalmente das chances de seleção.
Ainda que Weber não adote o pensamento dialético, ele vai colocar o “materialismo histórico-dialético” (suas versões vulgares) à prova, procurando verificar sua capacidade de explicar adequadamente a história social. De todo modo, não nega o princípio da contradição, como comprova a ideia de luta permanente entre perspectivas diversas. Contudo, não aceita a assertiva marxiana de objetividade3 da realidade, porque, na sua compreensão, quem dá sentido à ação social é o indivíduo, dado que é o seu portador, de modo que existem vários pontos de vista possíveis, variadas perspectivas (relativismo) e múltiplos fatores. O sentido da ação não trata de julgamento subjetivo da individualidade, mas daquilo que pretende, da finalidade de sua ação e de quais procedimentos, meios e condutas adota para atingir seus objetivos. Por isso é tão somente possível, efetivamente, avaliar o sentido da ação, traduzido e perceptível pelas condutas dos indivíduos.
Para Weber também não é possível a construção de “coesão”, nem de “consenso social” (como defendia Durkheim), isto porque cada um pensa de um jeito e vê o mesmo problema, objeto, questão, situação, assunto, etc. de ângulo e perspectiva distintos. Logo, a vida social é o lugar, por excelência, do conflito, do confronto de interesse e valores inconciliáveis, da dominação e do poder. Por conseguinte, no mundo moderno a vida social e as relações sociais atingiram um ponto irremediável e irreconciliável, até mesmo porque a liberdade individual (ideia força do liberalismo político, combatida de forma veemente por Durkheim) foi elevada a enésima potência de “vontade de poder”, de maneira que, difícil e invariavelmente, os indivíduos estão de acordo em alguma coisa.
Por isso, para Weber, a possibilidade da vida em sociedade só se coloca a partir do momento que surge uma regulação da vida e das relações sociais. A regulação faz a manutenção do conflito e o torna suportável. As normas, as regras ganham cada vez mais espaço e passam a regular todos os poros e instâncias da vida social. Trata-se, como dirá Weber, de uma dominação racional-legal-burocrática que torna possível aquilo que muitos chamam de “coesão social”.
Também é importante salientar que Weber é um antipositivista, assim como muitos intelectuais de seu tempo, que travam um intenso debate com essa linha de pensamento, contrapondo ao positivismo a razão histórica, como é o caso de Wilhelm Dilthey, de quem herdará
a ideia de que a compreensão do fenômeno social pressupõe a recuperação do sentido, sempre arraigado temporalmente e adscrito a uma weltanschauung (relativismo) e a um ponto de vista (perspectivismo). Obra humana, a experiência histórica é também uma realidade múltipla e inesgotável (BARBOSA; QUINTANEIRO, 2009, p. 107).
Weber se interessará pelo e focará no particular, na especificidade histórica, naquilo que não se repete e que, portanto, não tem regularidade (ainda que não negligencia esta última).
(...) sua ideia básica (é a) de que não é possível encarar um período histórico como se nele estivesse já configurada a época seguinte, seja em termos de “progresso” ou de qualquer noção similar, que pressuponha a presença das mesmas causas operando ao longo do tempo em diferentes configurações históricas. Mas isso não impede um exame comparativo entre traços de um período e traços encontrados em outros, admitindo-se a especificidade de cada um e a circunstância de que a comparação sempre incidirá sobre aspectos parciais e selecionados dos problemas em confronto. (...) A análise comparativa não opera, então, na busca do que seja comum a várias ou a todas as configurações históricas mas, pelo contrário, permitirá trazer à tona o que é peculiar a cada uma delas. Nas análises a que Weber se dedica posteriormente, essa visão comparativa ir-se-ia apurando cada vez mais, orientada pela busca daquilo que é específico ao mundo ocidental moderno – a presença de um capitalismo organizado em moldes racionais e a racionalização da conduta em todas as esferas da existência humana. (...) a pesquisa histórica pode ajudar-nos em duas coisas: apontar os traços que reputamos importantes no nosso mundo contemporâneo e que também estejam presentes em outras épocas e lugares, devido a causas específicas a serem examinadas em cada caso, e assinalar traços existentes no nosso universo histórico particular que possam ser apontados como responsáveis pelas diferenças entre eles e os demais (sendo que eles figurarão na análise como causas dessa diferença) (GOHN, 1991, p. 14 e 15).
Weber não pensa a história como um processo, mas como momentos finitos que podem se assemelhar, mas que tem especificidades e causas diversas entre si. A questão é que um processo é formado por momentos finitos que se sucedem como respostas aos desafios e problemas enfrentados por cada sociabilidade historicamente posta, herdados, na maioria das vezes, das gerações ou civilizações passadas, e não assumidos por vontade própria e seleção. Esses momentos finitos compõem a infinitude do processo em devir que são as sociabilidades humanas e, justamente por isso, há sim possibilidade de se apropriar e aproximar daquilo que reaparece como permanência e continuidade ao longo do processo histórico das mesmas. Algo que Weber não considera, mas que é constatado por Marx.
Esses apontamentos iniciais possibilitam uma aproximação e noção da visão de mundo weberiana, como também delineia alguns princípios basilares do seu raciocínio. No entanto, não tem o intuito de abarcar todos os conceitos-chave desenvolvidos pelo autor, mas apenas aqueles que se relacionam, direta ou indiretamente, com a problemática da educação. Daí a razão de não se adentrar no método das ciências sociais, no tipo ideal e outras construções weberianas.
Não se pretende, aqui, dar conta de todos os aspectos da teoria weberiana. Ela é ampla e complexa, como a própria formação do autor, passando pelo Direito, História, Economia, Filosofia e mesmo Teologia, sendo que a dedicação à Sociologia deu-se somente na fase final de sua vida (GOHN, 1991, p. 9). Nosso interesse recai em alguns conceitos que guardam relação com a educação, dentre eles: racionalização, dominação (racional-legal), desencantamento e burocratização, acompanhados de outros que se mostram centrais para desvendar sua lógica de raciocínio, como ação social, relação social e luta permanente (=conflitos, tensões).
Por fim, o preâmbulo serve para pontuar alguns elementos centrais do pensamento weberiano, permitindo que nos aproximemos e entendamos, de forma mais adequada possível, alguns dos posicionamentos do autor e sua visão sobre a educação no mundo moderno, capitalista, servindo de material para a disciplina de Sociologia da Educação.
Weber – racionalização, dominação, burocratização, desencantamento
Piletti e Praxedes (2010) destrincham aquilo que Weber entende por racionalização, assim como Rodrigues (2007), Barbosa e Quintaneiro (2009). Destarte, antes de expor o significado do conceito, vale a pena refletir acerca da “razão razoável” e sua descaracterização por aquilo que se define como processo de racionalização da razão.
A razão, quando razoável, compreende a capacidade inerente aos indivíduos sociais, conscientes de si e do mundo, de se apropriar e aproximar da realidade via pensamento, construindo as relações, as mediações entre os fenômenos, os fatos, os acontecimentos através de abstrações embasadas na objetividade do real que, assim, é desvelado em sua essência. Ela é condição para uma intervenção humana de forma consequente no mundo, ainda que não se possa controlar todos os seus desdobramentos, já que, ao serem objetivadas, as ações interagem entre si, criando novos problemas e desafios que deverão ser respondidos e enfrentados por outros ou mesmos indivíduos sociais.
Logo, a racionalidade humana permite aos seres humanos interagir com e transformar o mundo, assim como entre si, estabelecendo as finalidades dessas ações e interações. Não por outro motivo o renascimento e o iluminismo cultuavam e depositavam uma convicção científica na razão, responsável pelo advento da autonomia4 e liberdade humanas, culminando com o progresso econômico, político, sociocultural, superando “os vínculos cegos e absurdos da tradição, da ignorância, da superstição, do mito e da opressão”, como diz Zeni (2010, p. 5), produzindo e fazendo o melhor que é possível de ser produzido e feito.
A (re)valorização da razão se dá a partir do renascimento e é consubstanciada no iluminismo. Buscava a apreensão do universal, da totalidade social, como fica demonstrado pelo movimento enciclopedista. Uma razão de fato preocupada em apreender o mundo em todas as suas dimensões e complexidade a fim de atender, da melhor maneira possível, as necessidades multifacetadas dos seres humanos. Contudo, a partir da conformação do mundo moderno, capitalista, há uma alteração profunda na finalidade da própria razão. De busca pela totalidade, universalidade para melhor compreender e atender as particularidades do real, centra-se nas questões pragmáticas-utilitárias, na escolha dos meios para atingir determinados fins, reduzindo o sentido da vida ao cálculo das vantagens e desvantagens, custos e benefícios de determinadas condutas, comportamentos, ações e relações.
É assim que a razão sofre um processo de racionalização (racionalização da razão), tornando-se uma razão instrumental, sendo, com isso, deteriorada e empobrecida, servindo à normatização e regulação dos comportamentos e condutas que perfazem as ações e relações sociais, visando calcular as vantagens e desvantagens possíveis para os indivíduos. De modo que o sentido da vida se resume ao cálculo, e os indivíduos se tornam, como conclui Weber ao final de sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, insensíveis e calculistas (pragmáticos, utilitaristas).
A racionalização da razão (sua instrumentação pragmática, utilitária), como demonstram Piletti e Praxedes (2010) ao explanar o raciocínio weberiano, trata das condutas e comportamentos dos indivíduos sociais guiados pela adequação dos meios disponíveis às finalidades utilitárias visadas. Afinal, toda ação social é uma ação racional, ou seja, quem age é o indivíduo, o portador da ação, e ao agir leva em consideração os outros (o social) para poder escolher os meios mais adequados, entre aqueles postos e ao seu dispor, para atingir os seus objetivos individuais, específicos. É, sem dúvida, uma ação calculada, logo, racionalizada. Os indivíduos sociais deixam de agir motivados pelo costume, pela tradição, como também por princípios éticos, morais e religiosos, passando a se orientar quase unicamente por objetivos estabelecidos de maneira racionalizada, voltados à conquista de fins utilitários, gerando uma cisão entre eles e a sociedade, dado que perdem toda e qualquer conexão com o coletivo e o sentimento de comunidade, de unidade, passando a centrar-se em si mesmos, como mônadas (alienação).
Como para Weber não é possível consenso, já que cada um enxerga a realidade de uma maneira muito particular, relativa à perspectiva que assuma e aos valores adotados como norteadores de suas vidas, o conflito, o confronto de interesses são inerentes as relações sociais em sociedades cada vez mais complexas5, sendo a luta (disputa pela obtenção de poder para dominar) uma permanência. Por isso, a tal “coesão social” torna-se possível através da regulação estabelecida pelo regramento e normatização das condutas, atitudes e comportamentos dos indivíduos, funcionando “como uma espécie de condensação de expectativas recíprocas”, como diz Rodrigues (2007, p. 59), tornando o universo social organizado, inteligível e possível de ser calculado, porque permite prever como os outros tendem a reagir a determinadas situações e perante certas circunstâncias, dando maior margem de manobra e controle àqueles indivíduos que precisam lidar com essas situações e circunstâncias para manter a ordem social.
Por isso o processo de racionalização (regulação pelo regramento e normatização) oriunda a dominação (que mantém a “coesão social”). Os indivíduos aceitam e legitimam as regras, as normas, institucionalizadas pelo aparato de domínio por excelência, que é o Estado (de Direito) Moderno e seus órgãos/aparelhos, pois aquelas permanecem independente de quem venha a assumi-los e de qual cargo ocupem, dando previsibilidade às ações e relações sociais. Essa institucionalização também é reforçada mediante a coerção e punição, garantindo a validade/legitimidade do regulamento, resultando na dominação racional-legal. Os indivíduos se submetem e consentem com a dominação porque acabam sendo beneficiados por ela.
A dominação é, para Weber, o fundamento da organização social. Consuma um
estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta (mandato) do dominador ou dos dominadores influi sobre os atos de outros (do dominado ou dos dominados), de tal modo que, em um grau socialmente relevante, estes atos têm lugar como se os dominados tivessem adotado por si mesmos e como máxima de sua ação o conteúdo do mandato (obediência) (WEBER, 1984, p. 699 apud BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 128).
Por um lado, a obediência advém do fato de que os indivíduos acreditam ser vantajoso, conveniente e de utilidade para seus interesses a aceitação e legitimação da dominação; por outro, a estabilidade e constância da dominação é garantida pelas bases jurídicas do direito, atestando a autoridade, impondo o domínio da legalidade, sustentada pelo discurso da imparcialidade (vagas preenchidas por concursos; especialistas que cumprem as funções inerentes aos cargos), dos regulamentos, da hierarquia (especialização técnica que torna o indivíduo competente para desenvolver determinadas funções), do mérito (conjunto de certificações adquiridas).
Como explicitam Barbosa e Quintaneiro (2009, p. 129 e 130):
(...) a realidade social aparece como um complexo de estruturas de dominação. A possibilidade de dominar é a de dar aos valores, ao conteúdo das relações sociais, o sentido que interessa ao agente ou agentes em luta. (...) A luta pelo estabelecimento de uma forma de dominação legítima – isto é, de definições de conteúdos considerados válidos pelos participantes das relações sociais – marca a evolução de cada uma das esferas da vida coletiva em particular e define o conteúdo das relações sociais no seu interior. As atitudes subjetivas de cada indivíduo que é parte dessa ordem passam a orientar-se pela crença numa ordem legítima, a qual acaba por corresponder ao interesse e vontade do dominante. Desse ponto de vista, é a dominação o que mantém a coesão social, garante a permanência das relações sociais e a existência da própria sociedade. Ela se manifesta sob diversas formas: a interpretação da história de acordo com a visão do grupo dominante numa certa época, a imposição de normas de etiqueta e de convivência social consideradas adequadas, e a organização de regras para a vida política. É importante ressaltar que a dominação não é um fenômeno exclusivo da esfera política, mas um elemento essencial que percorre todas as instâncias da vida coletiva.
Aqui é possível uma aproximação com Marx e Engels na obra A Ideologia Alemã. Os dois militantes comunistas asseveram que a ideologia dominante é a da classe dominante, isto porque aqueles que controlam privadamente os meios e a produção da riqueza social (tanto material como imaterial), conformam a visão de mundo hegemônica de uma época, pois detêm o controle sobre a produção e difusão das ideias, dos valores, dos comportamentos, das habilidades, dos conhecimentos que plasmam o patrimônio socio-histórico-cultural da humanidade, selecionando e repassando, através dos órgãos e instituições sociais que direta ou indiretamente influenciam e condicionam, aquilo que é de seu interesse privado para a manutenção da ordem social, colocado e acreditado como sendo o interesse de todos, da res-pública. Deste modo, a dominação se consubstancia, e os dominados internalizam e reproduzem, em sua maioria, a forma de ser, pensar, agir, interagir dos dominantes.
Racionalização e dominação são, portanto, os lados de uma moeda: o capitalismo. Para Weber, “o mundo tende inexoravelmente à racionalização (estabelecendo uma dada forma de dominação) em todas as esferas da vida social” (BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 137. O parêntese é meu). Além do mais,
um dos meios através do qual essa tendência à racionalização se atualiza nas sociedades ocidentais é a organização burocrática. Da administração pública à gestão dos negócios privados, da máfia à polícia, dos cuidados com a saúde às práticas de lazer, escolas, clubes, partidos políticos, igrejas, todas as instituições, tenham elas fins ideais ou materiais, estruturam-se e atuam através do instrumento cada vez mais universal e eficaz de se exercer a dominação, que é a burocracia (impessoal e imparcial) (BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 138. O parêntese é meu).
Através da burocracia os indivíduos vão perdendo sua capacidade de discernimento, de autonomia (pensar e decidir por si mesmos; capacidade de determinar-se em conformidade com a lei própria, que é a da razão). Perante situações de conflito de interesses, de confrontos, ficam sem ação, incapazes de intervir caso não esteja estatuído – por resolução, estamento, norma, regra ou qualquer outro mecanismo do gênero – como devem proceder para equacionar os problemas. Concomitante à racionalização, todas as esferas e poros da vida social sofrem um processo de burocratização.
(...) As ordens passam a ser dadas de maneira previsível e estável; cuida-se da execução dos deveres e dos direitos dos que se submetem a ela; a especialização necessária para o exercício de cargos ou funções é claramente determinada; apelam-se para as normas e os registros escritos, os arquivos, “o sistema de leis, aplicadas judicial ou administrativamente de acordo com determinados princípios, válidos para todos os membros do grupo social”. (...) (A burocracia) deve eliminar dos negócios “o amor, o ódio e todos os elementos sensíveis puramente pessoais, todos os elementos irracionais que fogem ao cálculo” (BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 138).
As grandes forças racionalizadoras do mundo modernos são o Estado (burocracia) e o mercado (capitalismo), dotados de meios para impor sua dominação. O primeiro dispõe das leis, do aparato jurídico-político, das instituições sociais, da burocracia, da força/violência/coerção, dos aparelhos ideológicos; o segundo, regula e regulamenta as relações sociais por intermédio da distribuição de serviços e propriedades, dado que “nas sociedades capitalistas modernas a propriedade de certos bens e as possibilidades de usá-los no mercado estão entre os determinantes essenciais da posição de seus membros”, estabelecendo o “predomínio da esfera econômica (racionalização do ter em detrimento do ser) nas sociedades capitalistas”, tornando “a riqueza e as propriedades os principais fundamentos da posição social” (BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 121), do poder e da possibilidade de dominação.
Nota-se, assim, que a racionalização, dominação e burocratização se complementam, culminando com um processo de desencantamento do mundo, materializando as consequências negativas inevitáveis do processo de racionalização. “O mundo moderno perdeu o seu signum, não há um progresso em direção ao melhor” (CARVALHO, 2020, p. 208). Weber não acredita que a razão iluminista levará a humanidade inexoravelmente ao progresso, à felicidade, a afirmação da autonomia e liberdade. Ao contrário,
o sentido em que o processo de evolução vem ocorrendo é tal que “limita cada vez mais o alcance das escolhas efetivas abertas aos homens”. Estes não só tem poucas alternativas como vão se tornando cada vez mais medíocres. (...) A humanidade partiu de um universo habitado pelo sagrado, pelo mágico, excepcional e chegou a um mundo racionalizado, material, manipulado pela técnica e pela ciência. O mundo de deuses e mitos foi despovoado, sua magia substituída pelo conhecimento científico (atributo maior da autonomia e liberdade humanas) e pelo desenvolvimento de formas de organização racionais e burocratizadas, e “os valores últimos e mais sublimes retiraram-se da vida pública” (BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 131. O parêntese é meu).
Como sentencia Birman (2005), pela liberdade e pela ação científica o indivíduo moderno assume uma configuração prometeica, desafinando os deuses e a regulação da natureza pela ética religiosa. Entrementes, o lado perverso da racionalização do mundo, expresso pela ciência pragmática/utilitária/instrumental e esvaziamento dos deuses que encantavam o mundo, produziu um desamparo originário inevitável, e também incurável, desembocando num mal-estar crescente que precisa ser gerido de alguma maneira pelo ser humano, obrigando-o a “aprender a conviver” com a angústia e sofrimento pela ausência desse elo inquebrantável (porém quebrado) entre indivíduo e gênero humano6, indivíduo e sociedade, indivíduo e coletividade. “O mundo reificado (coisificado) produziu pessoas que se tornaram especialistas sem escrúpulos e hedonistas sem coração” (CARVALHO, 2020, p. 209).
É preciso sobreviver aos ataques perpétuos da racionalização, dominação e burocratização, que visam sufocar e suplantar a autonomia, a liberdade e o sentido da vida humana, resistindo para não se contaminar com a angústia, sofrimento e depressão, ainda que, infelizmente, não se possa vencê-los de forma derradeira, dado que a racionalização da razão é entendida como um processo inevitável por Weber. Resta-nos, apenas, infringir os ditames da racionalização exercitando nossa autonomia, utilizando do nosso carisma (conduta individual diferenciada que pode se tornar referência para outros), pautada numa ética responsável.
O indivíduo carismático é aquele capaz de uma ação ao mesmo tempo controlada e apaixonada, combinando a autonomia (autocontrole) e o ascetismo (disciplina), cujo produto é uma paixão responsável. Para Dow Jr (1978, p, 87), o homem genuíno representa para Weber uma síntese do carisma e do ascetismo, “sua alma está livre para se expressar apaixonadamente em defesa de uma ética da responsabilidade”. Consoante Weber, o carisma é a arma com a qual devemos nos munir para enfrentar a racionalização e burocratização do mundo moderno.
Há, contudo, um problema. Mesmo que o indivíduo (líder) carismático quebre a rotina da racionalização e da burocratização da vida social – o que acontece quando surgem estados de crise e as instituições sociais caem em descrença, podendo sofrer deslegitimação, ameaçando uma desintegração social, fazendo crescer, com isso, as tensões, pressões e sofrimentos –, produzindo mudanças significativas nas relações sociais, num determinado momento “o carisma é engolido pela lógica férrea das instituições e obrigatoriamente é rotinizado ou adaptado ao cotidiano, sendo retomado o caminho”7 (BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 132) da institucionalização/dominação racional-legal.
Verifica-se que embora Weber entreabra uma possibilidade de enfrentamento e resistência à racionalização, burocratização e desencantamento do mundo, procurando equilibrar o domínio racional-burocrático com o despertar do carisma e seu exercício, ainda assim, ao final, termina capitulando, pois equilibrar não significa superar, suprassumir, mas sim amenizar, aliviar, o que pode corroborar para tornar a vida mais suportável, tolerável, sem, no entanto, romper com o existente e criar algo verdadeiramente novo e também inédito. Essa ponderação é comprovada por Carvalho (2020, p. 214), ao afirmar que
contrabalançar essas duas forças não significa estar diante de um progresso da humanidade em direção a uma sociedade solidária, harmoniosa e perfeita. Na verdade, estamos apenas reconhecendo que a vida é uma permanente luta de perspectivas, tanto hoje como antigamente.
Vemos, assim, que as ideias de luta permanente, de conflitos de interesses inevitáveis e irremediáveis, de ênfase nos indivíduos e relativização dos valores e perspectivas de mundo são reafirmadas, inviabilizando qualquer possibilidade de transcendência positiva radical ao capitalismo em Weber. Resistência e enfrentamento são maneiras de amenizar e aliviar a angústia, o sofrimento e o sentimento de desamparo originário dos indivíduos no mundo moderno desencantado.
Weber, educação e sociologia da educação
O modo de organização social condiciona o modo de educar (sociologia da educação). As mudanças na maneira como são estabelecidas e produzidas as relações sociais refletem no processo de socialização, no tornar-se e fazer-se homem dos homens, pois a natureza não produz seres sociais, estes são produzidos através da socialização, da transmissão, aprendizado, seleção e sistematização (de uma forma e não de outra) do patrimônio histórico-cultural acumulado pela humanidade. Logo, nos tornamos e fazemos humanos em relação. Cada época histórica exige a formação de determinados tipos de seres humanos para atender às necessidades de seu tempo.
Segundo a compreensão weberiana, a partir do momento que as relações sociais foram racionalizadas, burocratizadas, desencantadas e a dominação racional-legal tornou-se a condição para a “coesão social” e regularidade das condutas humanas (relações sociais), permitindo a previsibilidade das reações perante determinadas situações e circunstâncias, bem como a partilha de sentido das ações sociais8 pelos agentes nelas envolvidos, criando as condições para a perpetuação da sociabilidade moderna pautada nas ações racionalizadas, que calculam os meios mais adequados para atingir os fins pretendidos pelo agente, a educação escolar sistematizada (instituições educacionais) passa a ter como papel central transmitir e inculcar determinados valores, conhecimentos, hábitos, condutas, competências e habilidades tidos como necessários por aqueles que dominam a fim de manter sua dominação, reproduzindo as relações sociais racionalizadas e preparando os indivíduos para que desempenhem as funções e tarefas administrativas-burocráticas determinadas pelos cargos que preencherão segundo a posição ocupada dentro da produção social.
Logo, a racionalização/burocratização da vida também produz a racionalização/burocratização da educação. Os indivíduos passam a ser preparados para desempenhar as funções exigidas pelos quadros burocráticos das organizações empresarias (produtivas e de serviços) modernas, em consonância com o segmento social ao qual pertencem, determinado pela propriedade ou não de certos bens que têm valor e as possibilidades de usá-los no mercado (lembrando que riqueza e propriedade são, para Weber, os principais fundamentos da posição social), o que faz com que o indivíduo esteja numa ou noutra posição estamental, tendo ou não prestígio, diferenciando-se, ou não, do restante dos mortais, adquirindo certos privilégios, tendo um determinado estilo e padrão de vida, frequentando determinados lugares, estabelecendo relações com determinados tipos de pessoas, distinguindo-se no modo de falar, comer, beber, vestir, formando um círculo restrito, um grupo seleto, extremamente seletivo e fechado.
A escolarização torna-se um dos quesitos da estratificação social (meio de obtenção de honras, prebendas, poder e dinheiro). Aqueles que acumulam certificados, diplomas que atestam suas competências e habilidades saem na frente daqueles que têm menos títulos e comprovantes, geralmente conseguindo cargos/ocupações melhor remunerados e de maior prestígio, fazendo com que se sintam superiores àqueles que estão abaixo na hierarquia, corroborando para quebrar a possibilidade de identidade e solidariedade entre os indivíduos que fazem parte da classe trabalhadora.
A procura dos títulos educacionais mais prestigiosos é que legitima a existência de exames cada vez mais rigorosos na seleção. Para o êxito em um sistema de educação baseado em testes seletivos, é necessário uma preparação lenta, de longo prazo e economicamente dispendiosa, acessível às camadas sociais privilegiadas. (...) os indivíduos se sentem impulsionados à participação em processos educativos baseados em conteúdos curriculares e exames não por valorizarem os conteúdos culturais da educação, mas sim os títulos que lhes garantirão as credenciais para as carreiras burocráticas almejadas (PILETTI; PRAXEDES, 2010, p. 40 e 41).
(...) Quando ouvimos, de todos os lados, a exigência de uma adoção de currículos regulares e exames especiais, a razão para isso é, decerto, não uma “sede de educação” surgida subitamente, mas o desejo de restringir a oferta dessas posições e de sua monopolização pelos donos dos títulos educacionais. Como a educação necessária à aquisição do título exige despesas consideráveis e um período de espera de remuneração plena, essa luta significa um recuo para o talento (carisma) em favor da riqueza, pois os custos “intelectuais” dos certificados de educação são sempre baixos, e com o crescente volume desses certificados os custos intelectuais não aumentam, mas decrescem. (...) Por trás de todas as discussões atuais sobre as bases do sistema educacional, se oculta em algum aspecto mais decisivo a luta dos “especialistas” contra o tipo mais antigo de “homem culto”. Essa luta é determinada pela expansão mais irresistível da burocratização de todas as relações públicas e privadas de autoridade e pela crescente importância dos peritos e do conhecimento especializado. Essa luta está presente em todas as questões culturais íntimas (WEBER, Burocracia apud RODRIGUES, 2007, p. 68).
A educação deixa de ser desinteressada e humanística, passando a ser especializada (de treinamento, voltada à utilidade pragmática, um pacote de conteúdos e disposições), interesseira, legitimando a ordem social e um determinado ethos de vida (paideia empresarial9), contribuindo para a reprodução do sistema de dominação10. Como assevera Souza (2012, p. 88), “uma vez constituída como sistema, a educação cumpre a tarefa fundamental de servir às estruturas de poder e dominação que caracterizam a sociedade na qual está inserida”.
Com o predomínio da racionalização/burocratização há um “recuo da educação enquanto formação do homem em favor de uma educação enquanto treinamento especializado e parcializado para habilitar o indivíduo a desempenhar certas tarefas” (RODRIGUES, 2007, p. 68), empobrecendo-a e reduzindo-a à mera busca por riqueza material (ascensão econômica) e status privado (honras, privilégios, poder, prebendas). Essa mudança de sentido da ação educativa (racionalizada/burocratizada) caracteriza “o fim da possibilidade de desenvolver o talento (carisma) do ser humano em nome da preparação para a obtenção de poder e dinheiro” (RODRIGUES, 2007, p. 69).
A educação sistemática subsumida à racionalização/burocratização alterou profundamente o status, o reconhecimento e o acesso a bens materiais por parte dos indivíduos.
Educar no sentido da racionalização passou a ser fundamental para o Estado, porque ele precisa de um direito racional e de uma burocracia montada em moldes racionais. Educar no sentido da racionalização também passou a ser fundamental para a empresa capitalista, pois ela se pauta pela lógica do lucro, do cálculo de custos e benefícios, e precisa de profissionais treinados para isso. (...) É o mundo do império da lei e da razão (racionalizada) (RODRIGUES, 2007, p. 65 e 66. O parêntese é meu).
Daí Weber diferenciar a educação em três tipos: a) humanística (pedagogia do cultivo11); b) especializada (pedagogia do treinamento12); c) carismática (busca explorar, revelar e desenvolver o talento do indivíduo). Cabem algumas ponderações sobre a educação carismática, uma vez que as demais foram sumariamente comentadas.
Anteriormente explicitou-se a importância do carisma para Weber enquanto arma de combate e resistência ao processo de racionalização/burocratização, ainda que o autor não enxergue uma forma de suprassumir tal processo, mas apenas amenizá-lo, aliviando o sofrimento dos indivíduos, permitindo que convivam de modo menos danoso possível com a angústia inerente ao mal-estar (desamparo originário, desencantamento) do mundo moderno. Assim, o professor pode auxiliar os estudantes a descobrir e explorar seus talentos (carisma), equilibrando paixão e disciplina (ascese), a fim de que se libertem das amarras da institucionalidade racionalizada (disciplinarização antilibertária dos indivíduos) que visa a produtividade e eficiência, como também da normatização que aprisiona a vontade, a autonomia e liberdade humanas.
Ao criar as condições para que o carisma dos estudantes aflore, o professor estará contribuindo para ampliar a conduta individual diferenciada, uma maneira de aventurar-se sem desconhecer as regras. Ao contrário, de posse delas pode utilizá-las contra elas mesmas, enfraquecendo-as, fragilizando-as, abrindo brechas para ações diferenciadas que possam fazer valer o livre-arbítrio e a capacidade de discernimento próprio, tendo como princípio e diretriz uma ética responsável, que seja contraponto à rigidez da regra, da norma; da frieza e do cálculo.
Enfrentar o mundo burocrático, racionalizado é a tarefa principal da educação carismática, a responsabilidade dessa ação educativa. Trata-se da tensão e luta permanente entre burocratização e carisma, embora, como visto, o carisma termine sendo rotinizado e adaptado ao cotidiano. Daí ser uma luta permanente além de, mais uma vez, evidenciar a capitulação de Weber perante a força racionalizadora e burocratizadora do capitalismo, com o triunfo da educação técnica/especializada sobre a humanística, demonstrando a força avassaladora do processo de “desencantamento” e “secularização” do mundo moderno. Para Silva e Amorim (2012, p. 108), “Weber previu o acirramento da polarização das qualificações com o desenvolvimento do capitalismo e em nenhum momento emitiu julgamento a esse respeito”, o que “leva a crer que, para ele, era racional a existência de uma educação segmentada”.
Considerações finais
O esforço aqui empreendido foi selecionar e extrair do pensamento weberiano alguns dos conceitos centrais relacionados com a problemática da educação. Outros – como o “tipo ideal”, também um conceito-chave desse autor – não foram explorados devido à estrutura dada ao texto. O conceito de “ação social” (cerne da sociologia compreensiva weberiana e do seu individualismo metodológico) e “relação social” foram tangenciados, promovendo uma noção geral para a apreensão da lógica das análises e raciocínio do autor, permitindo o vislumbre da importância dada pelo ilustre intelectual ao indivíduo e sentido (meios e fins de que se serve – calcula – para atingir suas finalidades) que ele atribui as suas ações, sendo este último a condição para a compreensão da ação social e das relações sociais na ordem social edificada sob a dominação racional-legal, racional-burocrática.
Espera-se que o intento tenha sido alcançado de modo satisfatório, propiciando um material – e tentativa de que seja o mais aproximado e adequado possível – sobre como Weber percebe a educação no mundo moderno, na sociabilidade capitalista, entendendo a sociologia da educação em Weber como a construção das relações entre a educação sistematizada sob a égide da racionalização/burocratização da vida e a reprodução da dominação racional-legal, racional burocratizada e das relações de poder dela derivada.
Referências Bibliográficas
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ZENI, Alencar Buratto. Educação e autonomia no iluminismo. V CINFE – Congresso Internacional de Filosofia e Educação. Caxias do Sul, maio 2010.
Recebido em: março/2022.
Aprovado em: maio/2022.
1 Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: iaeldeo@gmail.com
2 Talvez haja um pouco aqui da influência materna, que esmerou-se em imprimir no filho uma concepção severamente protestante do mundo, tendo um peso fundamental na formação da conduta pessoal de vida de Weber, “sempre tensa entre a reflexão e a ação e entre a repressão ascética dos impulsos em nome da autodisciplina e uma postura mais tolerante e descontraída” (GOHN, 1991, p. 9), o que nos auxilia no entendimento do papel do carisma desempenhado na teoria de Weber para resistir ao processo de racionalização/burocratização de todas as instâncias da vida social.
3 Vale a pena explicar o que é a objetividade para o marxismo. Corresponde a relação interativa existente entre diferentes seres efetivos. Com isso queremos dizer que “todo existente é objetivo e, portanto, faz parte de um complexo concreto e está em relações diversas e sempre determinadas e, portanto, históricas com outros entes” (DELLA FONTE, 2011, p. 31). De modo que, “a noção de objetividade implica a totalidade e a história. (...) a objetividade remete para a existência de objetos antepostos e na condição de inter-relacionamento” (DELLA FONTE, 2011, p. 31). A partir daí depreende-se que “todo objeto é, por sua essência, processualidade. Ser é totalidade, ser é historicidade. Cada elemento ganha existência a partir da totalidade de relações nas quais está mergulhado e que lhe constituem” (DELLA FONTE, 2011, p. 31). Logo, a base da objetividade é a construção de relações, de mediações, de tessituras entre o universal, o particular e o singular contidos em cada objeto e fenômeno social. De modo que os critérios postos pelo próprio objeto e objetividade do real, são: 1) a prática social; 2) o processo histórico-social – que condiciona, enormemente, nossas ações, e 3) a totalidade social. Perante tais ponderações, diz Lênin (1982, p. 103): “A dialética materialista de Marx e de Engels (...) reconhece a relatividade de todos os nossos conhecimentos, não no sentido da negação da verdade objetiva, mas no sentido da condicionalidade histórica dos limites da aproximação dos nossos conhecimentos em relação a esta verdade”, levando a seguinte conclusão de Della Fonte (2011, p. 30): “O caráter aproximativo não conduz a uma postura cética e relativista, mas ratifica a historicidade constitutiva de todo ser existente: o mundo natural, o ser social e suas objetivações”. Para uma compreensão mais detalhada sobre o materialismo histórico-dialético e a objetividade do real ver SOUZA, Iael de. Método Científico – a centralidade do objeto. Revista Eletrônica Arma da Crítica, Fortaleza (CE), ano 8, n.10, p. 42-59, 2018.
4 “A autonomia é definida como capacidade de dar a si mesmo normas com vistas à práxis, e assumir a própria vida em função dessa posição”. Sua raiz é kantiana, entendendo o “homem como capaz de dar a si mesmo as normas de conduta. (...) autonomia significa liberdade (direitos) e capacidades (poder efetivo de exercê-los)” (ZENI, 2010, p. 9).
5 “A complexificação gera conflito que, por sua vez, gera a necessidade de regra” (RODRIGUES, 2007, p. 63).
6 Algo que foi propositalmente desontologizado e desterrado da consciência humana e da memória social é que “(...) quanto mais desenvolvida for a socialidade, mais numerosas e intensas serão as mediações sociais que articulam a vida dos indivíduos com a trajetória humano-genérica” (LESSA, 1996, p. 71). A razão disso é que apenas assim é possível apagar das consciências que cada ser humano é parte de um todo que o transcende, que é “trans-histórico” (BARROCO, 2010, p. 75), levando-o a pensar e agir para além de si mesmo, possibilitando que tenha autocontrole e autodeteminação sobre seus impulsos e paixões egoísticos, colocando o coletivo, o social como centralidade de suas decisões e ações, porque só a partir do momento que as condições materiais e espirituais estiverem postas igualmente para todos, cada um poderá desfrutar delas individualmente e desigualmente/diferenciadamente segundo suas necessidades e capacidades individuais atuais.
7 Ilustrativa é a trajetória de Luis Inácio Lula da Silva. Figura carismática para a classe trabalhadora e as camadas populares, subalternas. A partir do momento que adentra na vida política, na disputa por cargos políticos mediante a via eleitoral, vai mudando seu discurso, estabelecendo outras relações, outros comportamentos, adotando novas condutas e se afastando, cada vez mais, das bases populares, dos movimentos sociais, dos periféricos que legitimaram seu ascenso político, ainda que estejam presentes no seu discurso e sejam contemplados com algumas políticas, afinal, “pobre custa pouco”. Ao fazer parte do sistema político e de suas instituições vai se rotinizando e adaptando ao cotidiano, reproduzindo e mantendo a dominação racional-legal, justamente por não ter a pressão organizada e consciente/programática das massas, que poderiam empurra-lo e obriga-lo a uma ruptura radical com o existente.
8 “Quando, ao agir, cada um de dois ou mais indivíduos orienta sua conduta levando em conta a probabilidade de que o outro ou os outros agirão socialmente de um modo que corresponde às expectativas do primeiro agente, estamos diante de uma relação social. (...) (Os agentes) orientam-se por referências recíprocas, cada um dos quais contando com a probabilidade de que o outro terá uma conduta dotada de sentido e sobre a qual existem socialmente expectativas correntes. (...) (Logo, as relações sociais se fundamentam) em probabilidades e expectativas do comportamento de cada um dos participantes. (...) existe nelas um caráter recíproco, embora essa reciprocidade não se encontre necessariamente no conteúdo de sentido que cada agente lhe atribui, mas na capacidade de cada um compreender o sentido da ação dos outros. (...) O caráter recíproco da relação social não significa uma atuação do mesmo tipo por parte de cada um dos agentes envolvidos. Apenas quer dizer que uns e outros partilham a compreensão do sentido das ações, todos sabem do que se trata, mesmo que não haja correspondência. (...) Cada indivíduo, ao envolver-se (...) em quaisquer relações sociais, toma por referência certas expectativas que possui da ação do outro (ou outros) aos quais sua conduta se refere. (...) As relações sociais são os conteúdos significativos atribuídos por aqueles que agem tomando outro ou outros como referência (...) e as condutas de uns e de outros orientam-se por esse sentido embora não tenham que ter reciprocidade no que diz respeito ao conteúdo. (...) Condutas podem ser regulares, seja porque as mesmas pessoas as repetem ou porque muitos o fazem dando a elas o mesmo sentido” (BARBOSA, QUINTANEIRO, 2009, p. 118, 119 e 120).
9 Ver SOUZA, Iael de; PIOLLI, Evaldo. Pedagogia da Gestão Gerencialista do Capital – a “paideia” empresarial no final do século XX e sua hegemonia ideocultural no século XXI. Cadernos Cajuína, v. 5, n. 3, setembro, 2020.
10 A educação sistematizada possibilita a legitimação da dominação racional-legal, pois a legitimidade se conquista e se constrói com base na aceitação. Esta, por seu turno, pode ser fabricada através de aparelhos privados de hegemonia, difundindo ideias, conceitos, valores que, após incorporados, orientam as condutas dos indivíduos sociais em suas ações e relações sociais, influenciando nas suas escolhas entre alternativas, legitimando certa forma de direção (dominação), e não outra, como a que deve, naturalmente, prevalecer. A educação institucionalizada é, por excelência, um dos aparelhos ideológicos mais eficiente e eficaz pela audiência obrigatória (legal) dos indivíduos aos bancos escolares entre quatro e seis anos, utilizada para inculcar, internalizar, reproduzir os valores, ideias, atitudes, comportamentos, competências, habilidades (tanto técnicas como socioemocionais) prezados pela classe dominante e pelo mercado capitalista.
11 “Procura formar um tipo de homem que seja culto, onde o ideal de cultura depende da camada social para a qual o indivíduo está sendo preparado, e que implica em prepara-lo para certos tipos de comportamento interior (ou seja, para a reflexividade) e exterior (um determinado tipo de comportamento social). (Trata-se de uma) ‘qualificação cultural’, no sentido de uma educação geral, e destinava-se, ao mesmo tempo, à composição de determinado grupo de status (sacerdotes, cavaleiros, letrados, intelectuais humanistas, etc.) e à composição do aparato administrativo típico das formas tradicionais de dominação política” (RODRIGUES, 2007, p. 66 e 67).
12 “Com a racionalização da vida social e a crescente burocratização do aparato público de dominação política e dos aparatos próprios às grandes corporações capitalistas privadas, a educação deixa paulatinamente de ter como meta a ‘qualidade da posição do homem na vida’ – e note-se que, para Weber, este é o sentido próprio do termo ‘educação’, enquanto base dos sistemas de status – e torna-se cada vez mais um preparo especializado com o objetivo de tornar o indivíduo um perito” (RODRIGUES, 2007, p. 67).
Revista Devir Educação, Lavras, vol.6, e-545, 2022.