Editorial

 

No ano de 2021 continuamos a viver um momento histórico dramático devido aos acontecimentos que afetaram a sociedade brasileira, especialmente aqueles provocados pela pandemia mundial da covid-19 e, a educação foi um dos setores tratados com maior indiferença e descaso pelo governo federal. Essa situação agravou ainda mais as condições de vida de populações que há muito vivem uma realidade de estado de exceção e barbárie, quando pensada nas perspectivas da dignidade humana e democracia social. Uma das explicações possíveis para se compreender esse cenário social advém da frieza da burguesia à brasileira e mais recentemente do “movimento” conservador de tipologia fascista que estrategicamente direciona ataques e manifestações de ódio em relação às instituições educacionais, científicas e culturais de nossa sociedade.

O dramático cenário social provocado pela morte de mais de 613 mil cidadãos vítimas da covid-19, somados às condições de pobreza extrema de uma parcela populacional que ultrapassa os 59 milhões de brasileiros (segundo os dados oficiais do governo federal de pessoas que receberam o auxílio emergencial), acrescente-se o percentual de 14% de desempregados, diminuição de renda de todos os trabalhadores provocada pela alta da inflação e, consequentemente, chegaremos aos índices inaceitáveis de miséria da população. Esta breve descrição de nossa realidade social nos leva a compreender que tudo isso são evidências ou sintomas da falta de um projeto de nação alicerçado nos princípios da democracia social e do espírito republicano.

Ao lado deste contraditório quadro social de exclusão econômica e cultural que afeta as populações marginalizadas, evidencia-se a construção do projeto conservador patrocinado pela elite rentista e privatista que apoiou e mantem a defesa do atual grupo político no poder. O congresso nacional, sintonizado com esse movimento de retrocesso democrático, legisla em causa própria e, no balcão de negócios inescrupulosos oferece sustentação política ao atual governo em troca de bilionários montantes (via orçamento secreto) e cargos em empresas públicas.  Nas palavras do filósofo Paulo Arantes, o que está em vigência é um projeto de desconstrução das instituições públicas estatais que promoviam serviços públicos, direitos sociais e garantias da ordem democrática.

Mesmo diante da desafiadora realidade que afetou de forma direta a todos os educadores e estudantes, continuamos resistindo, e além da leitura crítica desta realidade, propondo caminhos científicos para qualificar os processos educativos acreditando que a escolarização de qualidade social é o principal caminho para o esclarecimento e para a transformação das pessoas que poderão transformar a realidade, conforme o patrono da educação brasileira, Paulo Freire, acreditava. Nesse sentido, a Devir Educação publica sua terceira edição neste ano e traz uma miríade temática e de objetos de pesquisas que resultaram em artigos os quais temos o prazer de compartilhar com o leitor.

Para esta edição contamos com uma publicação do dossiê temático “Perspectivas teóricas e metodológicas da formação de professores nos contextos dos mestrados profissionais em educação” organizado pelos professores e pesquisadores Helena Maria Ferreira, Marlene Zwierewicz  e Juan Miguel González Velasco, que traz um conjunto de textos que contará com uma apresentação específica na seção destinada ao dossiê e na seção seguinte apresentamos os artigos de fluxo contínuo

Iniciamos com o texto que tem o título de “Fascismo e antissemitismo à brasileira”, o qual apresenta uma versão em língua inglesa, de autoria de Guilherme Prado Roitberg, Mariana Bergo Damaso Silva, Edson Guilherme de Souza e Luiz Roberto Gomes, abordando o tema do fascismo vinculado ao fenômeno recente das fake News, de modo a alertar para um processo que tem sido cada vez mais preocupante, tanto em termos do número significativo de pessoas, que contribuem decisivamente para sua disseminação, como em termos de composição das forças de resistência estabelecidas pela sociedade civil e que diretamente esbarram em questões que representam um sério risco à democracia e à formação da sociedade.

As autoras Franciele Aparecida Carneiro Stefanello e Susana Soares Tozetto no texto “Formação do coordenador pedagógico ante as Diretrizes Curriculares Nacionais e o Plano Nacional de Educação” tratam das políticas de formação dos coordenadores pedagógicos no Brasil tendo como principal referência a legislação federal sobre o tema. A pesquisa, de procedimento bibliográfico, aponta avanços e retrocessos na formação do coordenador pedagógico e pontua os indícios de formação acrítica e pragmática que atende aos interesses do mercado.

            Na sequência, o artigo nominado de O lugar dos espaços externos nas diretrizes nacionais para a educação infantil de 0 a 3 anos (1996–2018)” de autoria de                     Simoniely Lilian Kovalczuk e Ednéia Regina Rossi, trata da organização e utilização dos espaços escolares para a educação infantil à luz da legislação brasileira. Utilizando o método de Análise Categorial Temática de Bardin em diálogo com aportes teóricos advindos da História Cultural, as autoras concluem que as prescrições legais sensibilizam os docentes sobre a importância lúdico-pedagógica das áreas externas e apontam modos de organização e práticas consideradas ideais. O pátio é educativo, lugar de práticas emancipatórias, interativas, democráticas, de livre movimentação dos corpos e do contato com a natureza.

            A próxima produção científica intitulada “Educação Social e Infância: os jogos e brincadeiras em instituições socioeducativas de Ivaiporã-PR”, os autores Lucas Henrique da Luz, Paula Marçal Natali  e Verônica Regina Müller, analisam o tema da educação social da infância mediado por jogos e brincadeiras. O artigo tem como foco investigar uma instituição de Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFVs, da cidade de Ivaiporã-PR, e conclui que os educadores/as não têm uma formação consistente na área, o que implica na falta de  consenso em relação às  funções e objetivos de trabalho, condição que resulta em atividades as quais, em sua maioria, promovem apenas a  ocupação do tempo livre das crianças e adolescentes.

Na continuidade apresentamos o texto O papel das famílias no Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares” em que, Adriana Grabner Corrêa, Letícia Veiga Casanova e Valéria Silva Ferreira analisam e investigam uma política oficial de participação das famílias nos Conselhos escolares. Como resultados da pesquisa apontam que os cadernos propostos para orientar a participação nas escolas, enfatizam que as famílias, mesmo que de forma indefinida são responsáveis pelo sucesso na aprendizagem e, numa relação assimétrica, os documentos oficiais legitimam a força da escola em anunciar e determinar como a família deve agir e participar.

O próximo artigo trata do Aspecto formativo dos dados das avaliações diagnósticas para os trabalhadores da gestão escolar nas escolas públicas de ensino médio do Estado do Ceará”, no qual os autores Marcos Antônio Martins Lima Lima, Sandro Olímpio Silva Vasconcelos, Suzana de Andrade Gonçalves Oliveira, Francisca Camila Ciriaco da Costa abordam o tema da avaliação diagnóstica como instrumento formativo em escolas do Ensino Médio no Estado do Ceará. A pesquisa envolveu a participação dos coordenadores pedagógicos e apontou para a necessidade de compreensão do papel da gestão escolar na composição dos objetivos de aprendizagem na escola pública. A apropriação dos resultados de avaliação diagnóstica conflui para as formaçõ inicial e continuada em função das práticas cotidianas.

A “História oral: consequências do ensino remoto na atuação de professores”, de autoria dos pesquisadores Gleyton de Moura Ferreira Silva, Jocyleia Santana Dos Santos e Damião Rocha, problematiza como o ensino remoto emergencial impactou a vida docente nos anos de 2020 e 2021 no município Guaraí – TO. A pesquisa amparou-se no método da história oral como procedimento para compreender e analisar os depoimentos de docentes sobre as experiências subjetivas com esse novo regime de trabalho revelando tensões, incertezas e sentimentos dos sujeitos entrevistados a respeito da realidade que se impôs por conta da epidemia da covid-19.

O artigo intitulado Avaliação da aprendizagem no contexto do ensino remoto: desafios e possibilidades” de autoria de Erica Dantas da Silva, Maria da Conceição Costa e Adriana Moreira de Souza Corrêa, analisa a prática da avaliação da aprendizagem mediada por tecnologias no contexto pandêmico. Seguindo os fundamentos da pesquisa exploratória a investigação identifica uma dicotomia em relação aos processos avaliativos, examinando os desafios quanto à redefinição do trabalho docente, permanência da concepção da avaliação como exame, definição dos critérios avaliativos, ausência de equipamentos eletrônicos, acesso restrito à internet e aos instrumentos avaliativos no meio digital. Por outro lado, as autoras ressaltam as possibilidades de diversificação dos instrumentos de avaliação por meio da utilização da tecnologia, fortalecimento da relação professor-aluno possibilitando redirecionar os processos pedagógicos.

            Na última seção e, para finalizar o conjunto de publicações, temos uma entrevista muito interessante sobre o tema da cientometria e os impacto da produção científica”. Os autores Girlane Moura Hickmann, Adolfo Antonio Hickmann e Alexandre Pierezan entrevistaram o Me. Luís Fabiano Farias Borges, analista em ciência e tecnologia e Chefe de divisão de monitoramento de resultados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Entre outras questões o entrevistado versou sobre as métricas e a sociologia da ciência, a criação de parâmetros para avaliar a produção científica, seus impactos e a possibilidade de redirecionar investimentos para áreas científicas estratégicas para a educação, ciência, tecnologia e assim promover o desenvolvimento do país.

            Nossos agradecimentos especiais aos autores que se dispuseram a construir e socializar os conhecimentos em forma de artigos científicos e, nossa gratidão aos pareceristas que foram parceiros e contribuíram para o processo de avaliação e qualificação do debate sobre os temas e textos apresentados a nossa revista.

Desejamos que as produções que agora tornamos públicas possam motivar o diálogo sobre os diversos temas apresentados e para a formação dos estudantes e educadores.

Boa leitura!

Prof. Dr. Carlos Betlinski