A emergência de um pensar complexo em tempos para uma educação complexa

 

The emergency of a complex thinking in times for a complex education

 

La emergencia de un pensamiento complejo en tiempos de una educación compleja

 

 

Marlene Zwierewicz[1]

Beatriz Alves de Oliveira[2]

Kely Tereza de Moura[3]

 

 

Resumo

 

As emergências para mudanças em todas as dimensões da sociedade ampliaram-se com a pandemia causada pelo Sars-CoV-2. No âmbito educacional, essa condição fortaleceu a necessidade de transitar da abordagem de ensino tradicional a uma perspectiva compatível às demandas contextuais e planetárias, além de atenta às incertezas em relação ao futuro da humanidade. Tendo como condição mobilizadora tal conjuntura, este artigo objetiva discutir a emergência de um pensar complexo em tempos que suscitam uma educação complexa, situando a metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE) como uma das vias para a transição teórico-prática. Referenciando as contribuições de autores como Morin (2011, 2015, 2018, 2019), Nóvoa (2017, 2019), Petraglia (2008, 2013) e Torre e Zwierewicz (2009), teceu-se o presente documento tomando por base uma pesquisa bibliográfica apoiada pela abordagem qualitativa. Entre os resultados, destaca-se a relevância da tríade conceitual ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’ voltada à metamorfose da educação e ao uso da metodologia do PCE com intuito de apoiar esse processo, podendo-se utilizá-la para diferentes finalidades, dentre as quais, a formação inicial e a formação continuada dos docentes.

Palavras-chave: Educação Básica; Pensamento complexo; Educação complexa; Projetos Criativos Ecoformadores.

 

 

Abstract

The emergencies to changes in all dimensions of society have gotten higher during the pandemics caused by the Sarr-Cov-2. In the educational area, this condition strengthened the necessity of crossing from a traditional approach to teaching towards a compatible perspective to the contextual and planetary demands, besides of paying attention to the uncertainties in relation to the future of humanity. Having this situation as a mobilizing condition, this article aims to discuss the emergency of a complex thinking in times that require a complex education, placing the methodology of Ecoforming Creative Projects (ECP) [Projetos Criativos Ecoformadores (PCE)], as one of the ways to a theoretic and practical transition. As references, the contribution of authors such as Morin (2011, 2015, 2018, 2019), Nóvoa (2017, 2019), Petraglia (2008, 2013) e Torre and Zwierewicz (2009), the present document has been done by having bibliographical research supported by the qualitative approach as basis. Among the results, the relevance of the conceptual triad of ‘complexity-transdisciplinarity-ecoformation’ was highlighted, focused on the metamorphosis of the education and on the use of the ECP methodology aiming to support this process, which can be used to different purposes, among them, the initial formation, and the continuing training of the teachers.

Keywords: Elementary Education; Complex thinking; Complex Education; Ecoforming Creative Projects.

 

Resumen

 

Las emergencias para cambios en todas las dimensiones de la sociedad se ampliaron con la pandemia causada por Sars-CoV-2. En el ámbito educativo, esa condición fortaleció la necesidad de pasar del enfoque pedagógico tradicional a una perspectiva compatible a las demandas contextuales y planetarias, además de atentarse a las incertidumbres relacionadas al futuro de la humanidad. Considerando tal situación como condición movilizadora, este artículo tiene como objetivo discutir la emergencia de un pensamiento complejo en tiempos que dan lugar a una educación compleja, ubicando la metodología de los Proyectos Creativos Ecoformadores (PCE) como uno de los caminos para la transición teórico-práctica. Haciendo referencias a los aportes de los autores como Morin (2011, 2015, 2018, 2019), Nóvoa (2017, 2019), Petraglia (2008, 2013) y Torre y Zwierewicz (2009), este documento se tejió a partir de una investigación bibliográfica apoyada por el enfoque cualitativo. Entre los resultados, se destaca la relevancia de la tríade conceptual ‘complejidad-transdisciplinariedad-ecoformación’ orientada hacia la metamorfosis de la educación y al uso de la metodología del PCE para apoyar ese proceso, que se puede utilizar para diferentes fines, dentro de los cuales, la formación inicial y continua de los profesores.

Palabras-clave: Educación Básica; Pensamiento complejo; Educación compleja; Proyectos Creativos Ecoformadores.

 

 

Introdução

Transitar da abordagem tradicional para uma perspectiva articulada às demandas atuais e atenta às incertezas em relação ao futuro da humanidade se transformou em um desafio ampliado com o início da pandemia causada pelo SARS-CoV-2. E, ainda que entre as demandas tenha se destacado a necessidade de ampliar o uso de recursos tecnológicos, o desafio implica outras condições, ou melhor, desde as concepções paradigmáticas norteadoras da educação às metodologias utilizadas e às alternativas de avaliação selecionadas.

Entre as possíveis vias a fim de a educação assumir seu potencial transformador, situa-se a educação complexa. Trata-se de uma perspectiva discutida por Petraglia (2008) e que se diferencia das outras abordagens pelo seu potencial para religação dos conhecimentos e desses em relação à vida.

Como a educação complexa dinamiza-se mediante um pensar complexo, valorizado quando as práticas pedagógicas se constituem em alternativas transdisciplinares e ecoformadoras, este artigo prioriza possibilidades para superação de uma visão fragmentada do mundo e da vida. Para tanto, recuperam-se alertas de Morin (2011) e Morin e Kern (2011) lançados antes mesmo da transição do século XX para o XXI sobre a necessidade de saberes emergenciais e também sobre a necessidade de tomada de decisão diante da insegurança em relação aos rumos da humanidade.

Tendo como objetivo discutir a emergência de um pensar complexo em tempos que suscitam uma educação complexa, situando a metodologia do PCE como uma das vias para transição teórico-prática, o presente estudo resulta de uma pesquisa bibliográfica apoiada pela abordagem qualitativa. Essas alternativas possibilitaram discutir a tríade conceitual ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’, contextualizando seu vínculo com a educação complexa.

Por ter como princípios a referida tríade, a apresentação da metodologia do PCE busca elucidar uma possível via para a educação complexa. Para tanto, analisaram-se duas publicações que tomaram tal metodologia por base, tendo em vista a formação docente.

É a análise dessas duas publicações que possibilita observar o quanto a metodologia do PCE pode colaborar para minimizar o distanciamento entre o Ensino Superior e as escolas de Educação Básica. Essa condição, contudo, potencializa-se porque a metodologia em questão tem por compromisso um pensar complexo com desenvolvimento de iniciativas de ensino e de aprendizagem pautadas na transdisciplinaridade e na ecoformação.

Espera-se que o artigo e seus resultados colaborem para evidenciar a emergência de mudanças profundas no âmbito educacional. Além disso, almeja-se ilustrar a possibilidade de criar, na Educação Básica, iniciativas nas quais a articulação entre teoria e prática sejam a condição mobilizadora dos docentes na religação dos conhecimentos, e desses com o contexto e com o global.

 

Por uma nova abordagem de ensino: superar a fragmentação para pensar complexo

Diante do contexto atual, observa-se a relevância de transitar de uma educação tradicional, centrada na abordagem tradicional e favorável ao ensino fragmentado e descontextualizado, para uma perspectiva que considere a vida em toda sua complexidade. Essa necessidade já se observava no final do século XX quando Edgar Morin (2011) publicou o livro Os setes saberes necessários para a educação do futuro.  Essa obra mostra que há duas décadas o autor anunciava saberes emergenciais, mas que, ainda, não se viabilizaram no contexto escolar de forma contundente.

Vinte anos depois, a obra é expressivamente atual. Sua composição indica saberes fundamentais que a educação não pode se furtar de promover. São eles: “As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; Os princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana; Ensinar a identidade terrena; Enfrentar as incertezas; Ensinar a compreensão e, A ética do gênero humano”. Uma fina percepção revela que tais saberes não representam conteúdos disciplinares; antes, sugerem problemas essenciais (PETRAGLIA; FURLIN, 2020, p. 1).

Em um período próximo à publicação da obra de Morin (2011), Mota (1998, p. 68) denunciava os limites da visão fragmentada, exaltando que “[...] o racional desvinculado de outras dimensões do humano, não nos convém mais. Apesar de todos os avanços ‘científicos’ que esta forma de pensar tem proporcionado ao mundo, as consequências sociais são desastrosas [...]”.

Passadas quase duas décadas da publicação a obra Os setes saberes necessários para a educação do futuro, Morin (2015) reitera sua preocupação em relação à educação ao apontar para:

[...] uma inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais [...] transversais, multidimensionais e transnacionais, globais, planetários” (p. 13).   

                                                                                                 

Especificamente nos anos de 2020 e 2021, a pandemia provocada pelo Sars-CoV-2 acentuou a necessidade de transformações no contexto educacional. Por um lado, acelerou algumas mudanças e, por outro, ampliou a visão sobre a emergência da mudança paradigmática.

E, ainda que a situação se estabilize, existem etapas da pandemia que requisitam mudanças nas diferentes dimensões da sociedade. Werneck e Carvalho (2020) são autores que elucidam essa necessidade quando afirmam que o período da pandemia corresponde a quatro etapas: contenção, mitigação, supressão e recuperação.

A etapa da recuperação compreende o momento em que a população confinada volta gradativamente às suas atividades, e os estudantes, às aulas presenciais. Para Werneck e Carvalho (2020), é nesse momento que se mostram sinais claros de involução epidêmica com números residuais de casos, requisitando uma organização da sociedade para que os países se reestruturem diante das demandas surgidas.

Com isso, às demandas observadas no século XX agrupam-se necessidades do novo século, incluindo as que se vinculam ao âmbito educacional. Diante desse conjunto avolumado de demandas, observa-se o quanto “[...] A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar [...]” (MORIN, 2011, p. 39), levando a uma inteligência “[...] incapaz de considerar o contexto e o complexo planetário (p. 40).

[...] Tal ótica está defasada e limitada, visto que não se consegue compreender as necessidades contemporâneas da sociedade estudantil em suas diversidades. Em contrapartida, a escola atual tem a possibilidade de atender à realidade complexa, com um olhar global e criativo [...] (PINHO; PASSOS, 2018, p. 438).

Essa possibilidade depende de seu potencial para dinamizar o pensamento complexo, ou seja, “[…] um tipo de pensamento que não separa, mas une e busca as relações existentes entre os diversos aspectos da vida […] opondo-se a qualquer mecanismo disjuntivo” (PETRAGLIA, 2013, p. 16). Salles e Matos (2017, p. 117) alegam que, ao discutir o pensamento complexo, Morin pode construir uma perspectiva que considera a complexidade do mundo e da vida e que rejeita “[...] respostas simples aos problemas multifatoriais do planeta”.

Sá (2019, p. 24) reitera que o pensamento complexo “[...] tenta, efetivamente, perceber o que liga as coisas umas às outras e não apenas a presença das partes no todo, mas também a presença do todo nas partes”. Essa perspectiva converge com as reflexões de Petraglia (2013, p. 16) quando a mesma indica o pensamento complexo como “[...] um tipo de pensamento que não separa, mas une e busca as relações existentes entre os diversos aspectos da vida. Trata-se de um pensamento que integra os diferentes modos de pensar, opondo-se a qualquer mecanismo disjuntivo”.

Para ser estimulado, Morin (2018) defende a necessidade de haver outro tipo de educação e, portanto, outras formas de propor e de desenvolver a prática pedagógica. Essa nova educação é um desafio, pois, como afirma o autor, para mudar as instituições mostra-se necessário mudar, concomitantemente, o pensamento das pessoas que nela atuam.

Nesse sentido, Petraglia (2008, p. 35) lembra o quanto tem sido indispensável “[…] propiciar a reflexão e a ação de resgatar a nossa essência e a nossa humanidade, acenando com novas perspectivas de resistência, emancipação e felicidade”. Por isso, compreender as exigências atuais, tanto local quanto globalmente, implica não apenas refletir sobre suas causas e consequências, mas também em se posicionar diante delas e de agir sem ter como base um pensamento mutilador.

O pensamento complexo “[...] se diferencia de uma concepção holística de conhecimento porque esta evidencia o todo em detrimento das partes [...]” (SÁ, 2019, p. 24). Para este autor “[...] Na concepção do holismo, não há um circuito relacional, ou seja, uma articulação interdependente entre as propriedades singulares das partes com as propriedades do todo e vice-versa [...]”.

Em contrapartida, o pensamento complexo implica a multidimensionalidade dos fenômenos observados a partir de uma perspectiva de abertura na análise da relação entre as partes e o todo. Ele converge, portanto, para “[…] outras formas de pensar os problemas contemporâneos” (SANTOS, 2009, p. 15), estimulando a superação da atomização dos processos educacionais ao oferecer possibilidades àquilo que González Velasco (2017) define como religação dos saberes. Da mesma forma, colabora para religar os diferentes saberes ao contexto e ao global.

“A tese da religação é a pedra de toque do pensar complexo, porque procura, aspira, investe em um conhecimento não fragmentado, num conhecimento que não fraciona a realidade, a vida, o ser humano, a sociedade [...]” (SÁ, 2019, p. 24), ou melhor, um pensamento religado capaz de “[...] relacionar o mundo, a natureza, a realidade; essa realidade que se ensina na sala de aula e que, muitas vezes, no converge com aquilo que está forma dela, com o que vivemos e necessitamos saber e conhecer” (GONZÁLEZ VELASCO, 2018, p. 32).

Portanto, o pensamento complexo, que para González Velasco (2018) é a base do pensamento religado, ampara a superação de práticas pedagógicas nutridas por perspectivas paradigmáticas que se assentam nos “[…] princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das dualidades […]” (SANTOS, 2009, p. 15). Nesse processo, colabora para enfrentar a incerteza e a contradição e conviver com a solidariedade dos fenômenos, enfatizando o problema e não a questão cuja solução é linear (PETRAGLIA, 2013).

Vale lembrar que o pensamento complexo contribui para a inserção no currículo escolar de “[...] questões relacionadas ao meio ambiente, aos valores humanos, à solidariedade e tantos outros aspectos esquecidos pela escola desconectada da vida [...]” (ZWIEREWICZ, 2014, p. 9). Esse pensamento, de modo semelhante, colabora para consolidar uma prática pedagógica comprometida com a superação de processos que “[...] ensinam a isolar os objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar [...]” (MORIN, 2018, p. 15).

 Para Dantas e Almeida (2020, p. 3), ao discutir a necessidade de superar a fragmentação, a descontextualização e a falta de conexão planetária, posiciona Morin como o “[...] formulador de uma epistemologia da complexidade, artífice do pensamento complexo, da reforma do pensamento e um dos propositores da reforma da educação em bases transdisciplinares”. Existe, portanto, uma conexão fundamental entre pensamento complexo e as premissas da transdisciplinaridade. 

O objetivo da transdisciplinaridade “[...] é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento [...]” (NICOLESCU, 2018, p. 53). Para tanto, é “[...] resolutamente aberta na medida em que ultrapassa o campo das ciências exatas, devido ao seu diálogo e a sua reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior” (FREITAS; MORIN; NICOLESCU, 1994, p. 2).

Além de colaborar para a religação dos conhecimentos de diferentes áreas, a transdisciplinaridade possibilita a religação desses conhecimentos à realidade seja ela local ou global (ZWIEREWICZ, 2017). Dessa forma, supera a educação pautada no acúmulo “[…] conhecimentos que nada dizem sobre a realidade que vivem os estudantes e os docentes […]” (BATALLOSO; MORAES, 2020, p. 75).

Nicolescu (2018, p. 131) afirma que a transdisciplinaridade é, ao mesmo tempo, “[...] um corpus de pensamento e uma experiência vivida, sendo esses dois aspectos inseparáveis. A linguagem transdisciplinar deve traduzir em palavras e em ato a simultaneidade destes dois aspectos [...]”. Reitera-se, portanto, o posicionamento de Arnt (2020, p. 313) de que “Transdisciplinaridade [...] é uma atitude perante a vida, perante o conhecimento, que nos faz articular saberes, para além da compartimentação de disciplinas, reconhecendo que a aprendizagem acontece na inteireza do ser [...]”.

É nessa ênfase da inteireza do ser, fortalecida pela transdisciplinaridade, que a educação se tangencia por valores como a solidariedade e a responsabilidade. Nesse sentido, Batalloso e Moraes (2020, p. 75) alertam para a fragilidade de modelos “[...] curriculares especializados e descontextualizados submetidos a tempos limitados por critérios alheios às necessidades humanas [...]. Para eles, a solidariedade e a responsabilidade diante das demandas sociais atuais e futuras não podem ser trabalhadas mediante “[...] aulas magistrais, leituras de textos, atividades de papel e lápis e muito menos por métodos competitivos, nos quais se promove a rivalidade e o individualismo”. 

Em contrapartida, a transdisciplinaridade “[...] diz respeito à dinâmica dos diferentes níveis de realidade” (SANTOS, 2004, p. 111), implicando uma maneira complexa de pensar a realidade, nutrida por “[...] uma atitude que envolve curiosidade, reciprocidade, intuição de possíveis relações existentes entre fenômenos, eventos, coisas, processos e que normalmente escapam à observação comum” (MORAES, 2010, p. 11).

O pensamento complexo e a transdisciplinaridade “[…] aparecem como duas formas de pensamento atual, agrupados à busca de uma perspectiva integradora do conhecimento e da realidade como reação a uma visão atomizante e fragmentada” (ESPINOSA MARTINEZ, 2014, p. 46).  Nesse sentido, a transdisciplinaridade colabora para uma educação pautada na complexidade já que essa se assenta em “[...] princípios epistemológicos e meta-temas capazes de se desdobrar em saberes que religam a tríade indivíduo-sociedade-espécie” (DANTAS; ALMEIDA, 2020, p. 3).

É nesse processo que reside o potencial da ecoformação, pois ela se caracteriza pelo compromisso com o bem viver destacado por Morin (2015) tanto no âmbito individual quanto no âmbito social e/ou ambiental.  Silva (2008, p. 102) reverbera a relevância da ecoformação para esse processo ao afirmar que o contato formador com as coisas, com os objetos e com a natureza pode ser “[…] formador de outras ligações, em especial das ligações humanas”.

“A ecoformação traz como complementaridade às outras concepções uma maior ênfase nas relações recíprocas pessoa-ambiente [...]” (PINEAU, 2004, p. 522). Em decorrência disso, no contexto escolar, estimula-se que os estudantes acessem, aprofundem, construam e difundam conhecimentos e soluções em conexão com a sua realidade, condição a qual, necessariamente, caracteriza o conhecimento pertinente, sendo, para Sá (2019), aquele produzido pela racionalidade aberta e que contextualiza e concebe a multidimensionalidade humana, social e da natureza.

Considerando as demandas da realidade do final do século XX e o agrupamento daquelas surgidas no século atual, a tríade conceitual aqui anunciada constitui a base para a uma educação complexa. Considerada por Zwierewicz et al. (2019) uma nova abordagem do ensino, complementando a classificação realizada por Mizukami (2016), a educação complexa se diferencia das outras abordagens pelo seu potencial para religação dos conhecimentos e desses em relação à vida.

Para Petraglia (2008, p. 35), a educação complexa tem como papel “[…] propiciar a reflexão e a ação de resgatar a nossa essência e a nossa humanidade, acenando com novas perspectivas de resistência, emancipação e felicidade”. Ela converge para as reflexões de Morin (2018) sobre a necessidade de oferecer atenção às relações entre o humano e o universo, orientando as áreas de conhecimento pela condição humana, pois suas implicações envolvem, como afirma Zwierewicz (2017), a superação da crença de que os conhecimentos científicos, por si mesmos, são capazes de solucionar os problemas da realidade atual e enfrentar as incertezas em relação ao futuro.

 

Os Projetos Criativos Ecoformadores como uma possível via à educação complexa

Antes mesmo do lançamento da obra Os sete saberes para a educação do futuro, Edgar Morin publicou com Anne Brigitte Kern o livro Terra-Pátria. Nele, registraram que “As advertências e os alertas se multiplicam sem sucesso e só demasiado tarde conseguem vencer as inércias e as cegueiras, sendo preciso chegar ao desastre para que uma resposta se reorganize” (2011, p. 154).

A constatação dos autores era um prenúncio para a atual crise, ampliada, neste momento, pela pandemia causada pelo Sars-CoV-2. Diante desse quadro, Zwierewicz et al. (2020) afirmam que:

As demandas da realidade atual e as incertezas em relação ao futuro posicionam docentes da Educação Básica e do Ensino Superior diante de uma bifurcação epistemológica e metodológica: ou seguem os itinerários de sua atuação docente marcada pelo ensino colonizado e descontextualizado ou optam por uma atuação docente pautada pela religação dos saberes e desses em relação à realidade local e global (p. 283).

Morin e Kern (2011, p. 152) reiteraram essa demanda quando afirmaram que “A era planetária requer que tudo seja situado no contexto planetário”.  Contudo, como “[...] o conhecimento do mundo enquanto mundo torna-se necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital [...]”, o problema vital para todo cidadão é o “[...] como ter acesso às informações sobre o mundo, e como adquirir a possibilidade de articulá-los e organizá-los”.

Esse desafio não é superado por meio da abordagem tradicional de ensino e por metodologias que a dinamizam no contexto escolar. Como opção, coloca-se a da tríade ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’, como conceitos fulcrais de uma educação complexa. Nesse sentido, vale lembrar que

Para transitar do currículo colonizado e fragmentado à educação complexa, faz-se necessário utilizar metodologias compatíveis com a tríade conceitual aqui abordada. Uma das possibilidades para esse processo se constitui pelos Projetos Criativos Ecoformadores, abreviadamente nomeada como metodologia do PCE (ZWIEREIWCZ et al., 2020, p. 289).

Essa metodologia representa um referencial de ensino e de aprendizagem baseado na autonomia, na transformação, na colaboração e na busca por desenvolvimento integral. Por isso, vincula os processos de ensino e de aprendizagem às realidades local e global, transcendendo o conhecimento curricular impulsionado por atitudes colaborativas, solidárias e conectadas à vida (TORRE; ZWIEREWICZ, 2009).

Constitui, portanto, uma alternativa metodológica ancorada “[...] na vida, estimulando que os docentes e estudantes possam ir ‘além da reprodução’ de conhecimentos e ‘além da análise crítica da realidade’ [...]” (ZWIEREWICZ, 2013, p. 166). Essa alternativa vem sendo utilizada em diferentes contextos educacionais, entre eles, em escolas vinculadas às Redes Municipais de Ensino de União da Vitória e Marquinho (Paraná) e de cidades catarinenses, tais como as de

[...] Massaranduba, Paulo Lopes, São Ludgero e Timbó Grande. Também tem sido utilizada no Instituto Federal de Santa Catarina - IFSC, Campus São José, especialmente no Estágio Supervisionado do Curso de Química, no Instituto Crescer, de Itajaí, e no Mestrado Profissional em Educação Básica - PPGEB da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - UNIARP, de Caçador (ZWIEREWICZ et al., 2020, p. 290).

A estrutura do PCE é formada por dez organizadores conceituais (Figura 1), constituindo uma sequência didática que tem no epítome a etapa de abertura da prática pedagógica e na polinização o seu encerramento (ZWIEREWICZ, 2017). Ao dinamizar iniciativas planejadas a partir da articulação entre esses dez organizadores conceituais, a metodologia do PCE reitera um pensar complexo “[...] que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes” (MORIN, 2018, p. 88),

 

 

 

 

Figura 1 - Organizadores conceituais dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE)

Fonte: Adaptado de Torre e Zwierewicz (2009).

Torre e Zwierewicz (2009) indicam que a definição dos organizadores conceituais tem como compromisso o desenvolvimento de uma educação cujo ponto de partida e de chegada tenham em comum a vida. Nesse processo, cada iniciativa parte de uma situação-problema e se vincula a um pensamento organizador, articulando o currículo, o contexto e o complexo planetário para “[...] que, durante o desenvolvimento do projeto, algo seja realizado ou proposto para assegurar tanto uma transformação de relevância para os envolvidos como para inspirar outras pessoas e instituições que tiverem acesso à iniciativa” (ZWIEREWICZ, 2017, p. 222-223).

A utilização dos dez organizadores conceituais colabora para a efetivação da pedagogia complexa e, como destaca Pukall (2017), articula cognição, emoção e ação: a) a cognição haja vista se comprometer com o acesso, a construção e a difusão de conhecimentos; b) a emoção em razão do envolvimento dos participantes, estimulando o sentido de pertencimento; c) e a ação pela capacidade oferecida para a transformação da realidade já que estimula uma consciência planetária mobilizada por iniciativas locais.

Ao priorizar as perspectivas da educação complexa quando valoriza a tríade conceitual ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’, a metodologia do PCE procura colaborar para superar aquilo que Morin (2019) define como pensamento mutilante.  Nesse processo, converge, segundo o pensamento do mesmo autor (2018, p. 20), para uma “[...] reforma paradigmática [...]”, o que reitera a relevância de um ensino transdisciplinar que se potencializa ao articular-se às perspectivas da ecoformação.

 

Metodologia da pesquisa

Para posicionar a metodologia do PCE como uma das vias para a transição da abordagem tradicional de ensino, visando a uma educação complexa, optou-se pela pesquisa bibliográfica. “[...] Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas [...]” (GIL, 2020, p. 65) a exemplo deste estudo.

Em relação à abordagem, a opção pela qualitativa se deve ao seu potencial de responder a questões mais particulares, possibilitando a análise de “[...] um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2010, p. 23). Portanto, difere-se da quantitativa “[...] à medida que não emprega um instrumento estatístico como base do processo de análise de um problema [...]” (RICHARDSON, 2007, p. 79).

Para a seleção das publicações, recorreu-se ao Google Acadêmico e também às dissertações vinculadas ao Mestrado Profissional em Educação Básica – PPGEB da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe – UNIARP. Ao utilizar como descritor ‘Projetos Criativos Ecoformadores – PCE’, localizaram-se 99 ocorrências no Google Acadêmico, enquanto no PPGEB (UNIARP) encontraram-se várias dissertações que utilizaram o PCE como objetivo de estudo, entre elas, as pesquisas de Almeida (2018), Hoffmann (2019), Telegen (2019), Oliveira (2020) e Horn (2021).

Na consulta dos resumos das publicações, observou-se o uso da metodologia do PCE para diferentes finalidades, evidenciando iniciativas que envolveram o planejamento do ensino, a organização de eventos, a formação docente, entre outras. Neste artigo, a opção foi analisar as contribuições da metodologia para a formação docente, selecionando-se duas publicações: a primeiro, para a formação inicial; a segunda, para a formação continuada.

A opção pela formação docente justifica-se pelas reflexões de autores como Gatti (2014) ao mencionar a existência de uma carência de propostas formativas capazes de adequar o currículo às necessidades atuais de ensino. Essa carência se confirma por pesquisa apontando “[...] que a formação de professores é fortemente influenciada pela concepção que fundamenta o paradigma conservador [...]” (LUPPI; BEHRENS; SÁ, 2021, p. 5).

Como maior herança dessa perspectiva, Behrens (2007, p. 441) situa “[...] o distanciamento entre teoria e prática e a reprodução do conhecimento”. Nóvoa (2017, p. 1108-1109) coaduna com essa constatação ao alegar que tem crescido um sentimento de sentimento de insatisfação, resultado do distanciamento entre as ambições teóricas discutidas nas instituições formadoras “[...] e a realidade concreta das escolas e dos professores, como se houvesse um fosso intransponível entre a universidade e as escolas, como se a nossa elaboração acadêmica pouco tivesse contribuído para transformar a condição socioprofissional dos professores”.

Diante das demandas indicadas pelos autores, pensar e desenvolver iniciativas de formação docente a partir da abordagem da educação complexa pode se transformar em um marco para a superação dos desafios observados, seja na formação inicial seja na continuada. Além de ampliar a compreensão da realidade educacional, essa abordagem pode colaborar na adoção de metodologias favoráveis à conexão do conhecimento a ser trabalhado pelos docentes com as reais necessidades dos estudantes e dos entornos nos quais se inserem local e globalmente.

 

Resultados e discussões

Resultados do uso da metodologia do PCE vêm sendo publicados desde o ano de 2009. São exemplos, os projetos embrionários publicados no livro Uma escola para o século XXI: Escolas Criativas e resiliência na educação, organizada por Zwierewicz e Torre (2009).

No caso deste artigo, selecionaram-se duas publicações: um artigo publicado por Pereira, Aguiar e Rosa (2015) com resultados da utilização da metodologia do PCE na formação inicial de docentes; a dissertação de Horn (2021) com resultados da utilização da metodologia do PCE na formação continuada de docentes.

 

- A metodologia do PCE na formação inicial

 De autoria de Pereira, Aguiar e Rosa (2015), o artigo intitulado Projetos Criativos Ecoformadores nos estágios da licenciatura do IFSC - campus São José: o olhar dos professores orientadores de estágio, publicado em um periódico internacional, tangencia o PCE à formação inicial. Seu objetivo foi discutir a utilização da metodologia do PCE como referencial metodológico nos estágios do Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza com Habilitação em Química, buscando identificar a percepção dos docentes que ministraram os componentes curriculares dos estágios de regência no período de 2015 a 2017 em relação à aplicação dos projetos na perspectiva ecoformadora como uma prática de letramento acadêmico e pedagógico.

Para o levantamento de dados, as autoras alegam ter utilizado um questionário, elaborado na ferramenta Google Formulários, sendo aplicado aos docentes responsáveis pelo estágio. Também, afirmam ter realizado uma análise do Regulamento de Estágio do curso de licenciatura e dos planos de ensino dos componentes de estágio de regências em Ciências e Química.

Na utilização da metodologia, Pereira, Aguiar e Rosa (2015) destacaram como prioridade: a contextualização temática; a adoção de diferentes estratégias metodológicas e recursos didáticos; a consideração e a problematização de conhecimentos prévios dos estudantes; o posicionamento dos estudantes como construtores dos processos de ensino e de aprendizagem; uma atuação docente comprometida com mudanças na realidade dos estudantes, na medida do possível; o uso do epítome como primeira etapa do projeto; a polinização como etapa de conclusão do projeto e com o intuito de socializar e de difundir os resultados alcançados para além da sala de aula em que ocorreram as regências.

Na apresentação dos resultados da pesquisa, destacou-se, pelas autoras, que as principais diferenças da utilização do PCE no estágio residem na pesquisa motivada logo no início de seu desenvolvimento, fator que, para um dos participantes, torna o estudo mais significativo. Igualmente, salientou-se a necessidade do futuro docente pesquisar a fim de planejar suas aulas, especialmente no sentido de conhecer a turma de estágio, de aprofundar e de contextualizar os conteúdos até encontrar uma temática central relevante para trabalhar com os estudantes, o que implica não “[...]somente transmitir o conteúdo já determinado, mas trata-se de estabelecer relações entre os conteúdos e destes com a realidade” (PEREIRA, AGUIAR; ROSA, 2015, p. 95).

Essa necessidade reitera a posição de Morin e Kern (2011, p. 152) quando afirmaram que “A era planetária requer que tudo seja situado no contexto planetário”.  Promovem-se, dessa forma, possibilidades para um pensar complexo justamente pelas possibilidades de o PCE colaborar a fim de a formação inicial pautar-se em iniciativas pedagógicas comprometidas com a superação de processos que  isolam os objetos de seu ambiente, separam disciplinas e dissociam problema  (MORIN, 2018).

Em relação à construção do PCE, as autoras destacaram relatos dos participantes sobre o potencial da metodologia para aprofundar e detalhar o planejamento, estimulando os estagiários a lerem mais, bem como escreverem o projeto e reescrevê-lo várias vezes. Com isso destacam o potencial da metodologia para o letramento acadêmico por estimular que os futuros docentes leiam e produzam material escrito, o que, para as autoras, converge para a proposta do curso por valorizar a articulação entre ensino e pesquisa. 

Pereira, Aguiar e Rosa (2015), de modo semelhante, destacaram a relevância da polinização. Para um dos participantes, essa consiste em uma estratégia para divulgação do trabalho produzido que valoriza o protagonismo dos próprios estagiários, reforçando sua posição de sujeitos da aprendizagem. Além disso, as autoras afirmaram:

Os dados até aqui apresentados apontam que os professores que experienciaram a docência do componente curricular de estágio, viram aumentar a exigência de rigor na construção e desenvolvimento das aulas de estágio, após a incorporação da perspectiva criativa ecoformadora. Essa análise permite, ainda, inferir que, segundo olhar dos docentes envolvidos, os pressupostos pedagógicos, bem como o caminho metodológico das práticas do estágio articulam os referenciais defendidos às práticas realizadas (PEREIRA, AGUIAR; ROSA, 2015, p. 96-97).

As possiblidades destacadas pelas autoras caracterizam a implicação de um pensar complexo, potencializado pelas perspectivas da transdisciplinaridade e da ecoformação: da transdisciplinaridade porque, de acordo com Santos (2004), implica uma dinâmica dos diferentes níveis de realidade; da ecoformação, pela seu potencial para estimular o protagonismo na resolução de situações-problemas, justamente porque a perspectiva prioriza “[...] relações recíprocas pessoa-ambiente [...]” (PINEAU, 2004, p. 522).

 

A metodologia do PCE na formação continuada

A pesquisa realizada por Horn (2021) envolveu a formação continuada de docentes, tendo como base da intervenção realizada, durante o seu desenvolvimento, a estrutura do Programa de Formação-Ação em Escolas Criativas, ofertado nos últimos anos em diferentes municípios de Santa Catarina, entre eles o de Paulo Lopes e o de Timbó Grande. De acordo com a pesquisadora, o referido programa “[...] tem, entre seus objetivos, o intuito de contribuir para uma educação atenta às demandas da realidade atual e às incertezas em relação ao futuro da humanidade, acentuando o comprometimento das práticas pedagógicas com o bem viver individual, social e ambiental” (HORN, 2021, p. 6).

Diante das potencialidades do programa, o estudo de Horn (2021) buscou desenvolver uma proposta formativa transdisciplinar e ecoformadora com base no Programa de Formação em Escolas Criativas, ajustando-a à realidade dos docentes de União da Vitória, Paraná, verificando suas contribuições à prática pedagógica para o planejamento do ensino e à transformação do entorno escolar. Ao vincular formação docente e prática pedagógica, a pesquisa converge para os anseios de Nóvoa (2019) sobre a necessidade de a formação continuada no cenário atual ter como objeto a metamorfose do ambiente escolar. Para ele, a metamorfose ocorre quando  “[...] os professores se juntam em coletivo para pensarem o trabalho, para construírem práticas pedagógicas diferentes, para responderem aos desafios colocados pelo fim do modelo escolar [...]” (p. 3), tradicionalmente adotado. 

Essa articulação é fundamental para o pensar complexo e se dinamizada por meio de práticas transdisciplinares e ecoformadoras. É dessa forma que o conhecimento se dinamiza por meio de racionalidade aberta e que contextualiza e concebe a multidimensionalidade humana, social e da natureza conforme defende Sá (2019).

Para coletar dados no início, durante e ao final da pesquisa, Horn (2021) utilizou diferentes instrumentos:  um questionário sobre necessidades e potencialidades formativas aplicado no início da intervenção formativa elaborado com base no instrumento criado por Almeida (2018); um questionário para conhecer a percepção dos docentes sobre os impactos da formação na prática pedagógica no planejamento do ensino e na transformação do entorno escolar.

Quanto aos principais resultados, Horn (2021) registrou percepções dos participantes sobre as contribuições da intervenção formativa. Em linhas gerais, indicaram, como contribuições mais expressivas para a metamorfose da prática pedagógica, as seguintes condições oferecidas tanto pela dinamização do Programa de Formação-Ação em Escolas Criativas como pela adoção da metodologia do PCE: a flexibilidade no planejamento, possibilitando a participação dos estudantes na elaboração do PCE, inclusive enquanto já estava em andamento; o trabalho colaborativo, que implicou profissionais da escola, estudantes e a comunidade; a ampliação de conhecimentos em relação às questões conceituais e metodológicas, bem como sobre a própria realidade local e global; a interligação entre os conteúdos dos diferentes componentes curriculares e desses em relação à realidade; o aprofundamento da relação entre a escola e a comunidade; o sentimento de pertencimento; a valorização dos implicados na formação e na aplicação do PCE; o comprometimento ecoformador; a valorização do PCE como uma metodologia que conecta e compromete as práticas pedagógicas com a vida.

Considerando que a pesquisa vinculou Ensino Superior e Educação Básica, a iniciativa pode se constituir em um referencial para superar o sentimento de insatisfação que, para Nóvoa (2017), vem sendo observado nos últimos anos devido à falta de conexão entre a formação e as reais demandas dos docentes e das escolas em que atuam. Nesse processo, ampliaram-se possibilidades para um pensar complexo e que, para Santos (2009, p. 15), é crucial para superar práticas pedagógicas assentadas nos “[…] princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das dualidades […]”.

 

Considerações finais

Ao discutir a emergência de um pensar complexo em tempos que suscitam uma educação complexa, situando a metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE) como uma das vias para transição teórico-prática, este estudo referenciou princípios pedagógicos fundamentais para uma transição paradigmática. Nesse sentido, evidenciou a necessidade de superar uma educação pautada na abordagem tradicional e a emergência da abordagem da educação complexa.

Em suas especificidades, os conceitos da tríade ‘complexidade-trandisciplinaridade-ecoformação’ representam o que de mais inovador pode ser considerado na definição de princípios pedagógicas comprometidos com essa transição. Contudo, é na interação deles que a educação amplia condições para sua própria metamorfose

A metamorfose, por sua vez, caracteriza a implicação da abordagem da educação complexa. Uma alternativa que se diferencia dos outros tipos pelo seu potencial para a religação dos conhecimentos e desses em relação à vida.

Ao se dinamizar mediante um pensar complexo, a educação complexa se sedimenta em práticas pedagógicas transdisciplinares e ecoformadoras. São essas práticas que oferecem   condições à superação de uma visão fragmentada do mundo e da vida.

A sugestão do PCE, como uma via metodológica para essa superação, respalda-se nos resultados constatados em diferentes cenários educacionais que vêm sendo utilizados. Além disso, ao ser utilizada para várias finalidades, indica sua versatilidade diante das adversidades e das potencialidades da realidade atual.

No caso específico deste estudo, a opção por analisar seu potencial nos processos formativos reafirma a relevância de vincular formação docente e prática pedagógica, ou melhor, se a intenção é colaborar na metamorfose da prática pedagógica, é preciso investir, concomitantemente, na metamorfose da formação docente, reafirmando a indicação de Morin (2018, p. 20) de que “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino”.

Ao confrontar os resultados da análise de ambas as pesquisas sobre formação docente selecionadas neste estudo, observa-se esse compromisso ao priorizar uma educação complexa. Tal compromisso reside tanto na vinculação das propostas formativas à tríade conceitual ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’ como ao seu potencial transformador multidimensional, beneficiando o planejamento, a relação entre teoria-prática, o trabalho colaborativo e outros aspectos fundamentais, entre os quais, o compromisso consigo, com os outros e com o meio ambiente.

São iniciativas como essas que podem colaborar para aquilo que Petraglia (2008, p. 35) registra como possibilidade de uma educação complexa por propiciar a reflexão e o resgate tanto da essência como da humanidade de cada pessoa implicada, o que, para a autora, acena para “[...] novas perspectivas de resistência, emancipação e felicidade”. E isso ocorre quando, na educação, existe flexibilidade, colaboração, aprofundamento teórico, contextualização, compromisso com o complexo planetário, pertencimento e valorização.

 

Referências

ALMEIDA, Aline Lima da Rocha. Influência do programa de formação-ação em escolas criativas na transformação das práticas pedagógicas em uma escola do campo. 2018. 141 p. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Básica) – Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador, 2018.

ARNT, Rosamaria de Medeir os. Transdisciplinaridade e educação comunitária: rendas de bilros, rendeiras e bem viver. Educação & Linguagem, São Paulo, v. 23, n  1, p. 303-324, jan.-jun. 2020 2020. DOI: https://doi.org/1 https://doi.org/10.15603/2176-1043/el.v23n1p303-324. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/EL/article/view/10758. Acesso em: 16 out. 2020.

BATALLOSO, Juan Miguel; MORAES, Maria Candida. Contextualización Educativa: diálogo, epistemología y complejidad. Debates em Educação, Maceió, v. 12, n. 28, p. 576-595, set./dez., 2020.  DOI: https://doi.org/10.28998/2175-6600.2020v12n28p576-595. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/9943. Acesso em: 16 out. 2020.

BEHRENS, Marilda. O paradigma da complexidade na formação e no desenvolvimento profissional de professores universitários. Educação, Porto Alegre, v. XXX, n. 63, set./dez. 2007. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84806303. Acesso em: 5 mar. 2020.

DANTAS, Eugenia Maria; ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. Para uma narrativa complexa das ciências, ou a arte de reconstruir conceitos. Debates em Educação, Maceió, v. 12, n. 28, p. 740-747, set./dez., 2020.  DOI: https://doi.org/10.28998/2175-6600.2020v12n28p739-747. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/9928. Acesso em: 12 out. 2020.

ESPINOSA MARTÍNEZ, Ana Cecilia. Abrir los saberes a la complejidad de la vida: nuevas prácticas transdisciplinarias en la universidad. Puerto Vallarta: CEUArkos, 2014.

FREITAS, Lima; MORIN, Edgar; NICOLESCU, Basarab. Carta da Transdisciplinaridade. Arrábida: CETRANS,1994. Disponível em: http://cetrans.com.br/assets/docs/CARTA-DA-TRANSDISCIPLINARIDADE1.pdf. Acesso em: 20 maio 2019.

GATTI, Bernardete Angelina. A formação inicial de professores para a educação básica: as licenciaturas. Revista USP, São Paulo, n. 100, p. 33-46, 18 fev. 2014. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i100p33-46. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/76164. Acesso em: 18 dez. 2019.

GIL, Antônio Carlos. Metodologia do ensino superior.  5. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

HOFFMANN, E. A pertinência do ensino no uso da metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE) no Ensino Fundamental. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Básica) – Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador, 2019.

HORN, Marli. Programa de Formação-Ação em Escolas Criativas na prática pedagógica de docentes da Educação Básica de União da Vitória/PR. 2021. 122f. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Básica) - Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador, 2021.

LUPPI, Mônica Aparecida Rodrigues; BEHRENS, Marilda Aparecida; SÁ, Ricardo Antunes de. A formação de professores e as contribuições do pensamento complexo.  Educação, v. 46,  Jan./Dez. , 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.5902/19846444;. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/40066. Acesso em: 15 set. 2021.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

MORAES, Maria Cândida. Ambientes de aprendizagem como expressão de convivência e transformação. In: MORAES, Maria Cândida; BATALLOSO NAVAS, Juan Miguel (org.). Complexidade e transdisciplinaridade em educação: teoria e prática docente. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2010. p. 21-62.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 24. ed. Tradução de Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2018.

MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. 18 ed. Tradução de Maria D. Alexandre  e Maria Alice de Sampaio Doria. Rio de Janeiro: Bertrand, 2019.

MORIN, Edgar. Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. Porto Alegre: Sulina, 2015.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2011.

MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. 6. Ed. Tradução de Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2011.

MOTA, Maria Veranilda Soares. Mudança de paradigmas e pensamento complexo. Ensino em Revista, [s. l.]. v. 6, n. 1, p. 65-76, 1998. Disponível em: http://www.seer_anterior.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/7837. Acesso em: 13 set. 2020.

NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Tradução: Lucia Pereira de Souza. 3. ed. São Paulo: TRIOM, 2018.

NÓVOA, Antónia. Os Professores e a sua Formação num Tempo de Metamorfose da Escola. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 44, n. 3, e84910, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/2175-623684910. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edreal/a/DfM3JL685vPJryp4BSqyPZt/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 17 jan. 2021.

NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n. 166, p. 1106-1133 out./dez. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v47n166/1980-5314-cp-47-166-1106.pdf. Acesso em: 20 set. 2019.

OLIVEIRA, Beatriz Alves de.  Cenários ecoformadores e campos de experiência: contribuições de um Projeto Criativo Ecoformador para o desenvolvimento integral de bebês e crianças bem pequenas. 2020. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Básica) – Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador, 2020.

PETRAGLIA, Izabel. Educação complexa para uma nova política de civilização. Educar, Curitiba, v. 32, p. 29-41, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/er/n32/n32a04.pdf. Acesso em: 20 mar. 2020.

PETRAGLIA, Izabel. Pensamento complexo e educação. São Paulo: Livraria da Física, 2013.

PINEAU, Gaston. Écoformation: rapport du GREF. Tours: GREF, 2004.

PINHO, Maria José de; PASSOS, Vânia Maria de  Araújo. Complexidade, ecoformação e trandisciplinaridade: por uma formação docente sem fronteiras teóricas. Revista Observatório, Palmas, v. 4, n.. 4, n. 2, abr/jun, 2018.

PUKALL, Jeane Pitz. (Eco)Formação de professores na Educação Básica: uma experiência a partir de Projetos Criativos Ecoformadores. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Naturais E Matemática - PPGECIM). Universidade Regional de Blumenau, Blumenau, 2017.

RICHARDSON, Roberto J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

SÁ, Ricardo Antunes. Contribuições teórico-metodológicas do pensamento complexo para a construção de uma pedagogia complexa. In: SÁ, Ricardo Antunes; BEHRENS, Marilda Aparecida (org.). Teoria da complexidade: contribuições epistemológicas para uma pedagogia complexa. Curitiba: Appris, 2019. p. 17-64.

SANTOS, Akiko. Complexidade e transdisciplinaridade em educação: cinco princípios para resgatar o elo perdido. In: SANTOS, Akiko; SOMMERMANN Américo (Org.). Complexidade e transdisciplinaridade: em busca da totalidade perdida. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 15-38.

SANTOS, Akiko. Didática sob a ótica do pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2004.

SILVA, Ana Tereza Reis. Ecoformação: reflexões para uma pedagogia ambiental, a partir de Rousseau, Morin e Pineau. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, n. 18, p. 95-104, jul./dez. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/dma.v18i0.13428. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/made/article/view/13428. Acesso em: 20 maio 2020.

TELEGEN, Nadir Zimmer. Da decodificação ao potencial transformador da leitura: indicadores para aproximação de projetos de ensino à metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE). 2019. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Básica) – Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Caçador, 2019.

TORRE, Saturnino de la; ZWIEREWICZ, Marlene (org.) Uma escola para o século XXI: Escolas Criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009.

TORRE, Saturnino de la; ZWIEREWICZ, Marlene. Projetos Criativos Ecoformadores. In: ZWIEREWICZ, Marlene; TORRE, Saturnino de la (org.). Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009. p. 153-176.

WERNECK, Guilherme Loureiro; CARVALHO, Marilia Sá. A pandemia de COVID-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 5, p. 1-4, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311x00068820. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/41242. Acesso em: 29 set. 2020.

ZWIEREWICZ, Marlene et al. Projetos Criativos Ecoformadores em pesquisas com intervenção: contribuições para uma educação complexa. Educação & Linguagem, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 281-301, jan.-jun. 2020. Disponível em: file:///C:/Users/user/Downloads/10757-38173-2-PB%20(1).pdf. Acesso em: 13 jun 2020.

ZWIEREWICZ, Marlene. Programa de Formação-Ação em Escolas Criativas: matizes da pedagogia ecossistêmica na formação de docentes da Educação Básica. In: DITTRICH, Maria Glória et al. (org.). Políticas Públicas na contemporaneidade: olhares cartográficos temáticos. Itajaí: Univali, 2017. p. 217-231.

ZWIEREWICZ, Marlene. Seminário de pesquisa e intervenção. Florianópolis: IFSC, 2014.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 2016.

ZWIEREWICZ, Marlene et al.  Das abordagens do ensino do século XX à educação complexa e aos projetos criativos ecoformadores. Revista Querubim. Niteroi, a. 15., p. 113-123, 2019

GONZÁLEZ VELASCO, Juan Miguel. Pensamiento religado: ligar para religar. La Paz: Prisa, 2018.

SALLES, Virginia Ostroski; MATOS, Eloiza Aparecida Silva Ávila de. A Teoria da Complexidade de Edgar Morin e o Ensino de Ciência e Tecnologia. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 1-12, jan./abr. 2017. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rbect/article/view/5687. Acesso em: 20 ago. 2021.

PEREIRA, Giselia Antunes; AGUIAR, Paula Alves de; ROSA, Thayná Patrício da.   Projetos Criativos Ecoformadores nos estágios da licenciatura do IFSC campus São José: o olhar dos professores orientadores de estágio.  Revista Electrónica de Investigación y Docencia (REID), Jaén, n, 19, p. 87-108, 2015. Disponível em: https://revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/reid/article/view/3604. Acesso em: 20 ago. 2021.

 

Recebido em: outubro/2021

Aprovado em: novembro/2021.



[1] Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP), Caçador, Santa Catarina, Brasil. Contato: marlenezwie@yahoo.com.br - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5840-1136. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2338653915538065

[2] Rede Municipal de Ensino de Caçador, Santa Catarina, Brasil. Contato: beatriz.oliveira@cacador.edu.sc.gov.br  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1171-5031 - Lattes: http://lattes.cnpq.br/0635829918619643             

[3] Escola Municipal Greuza Dal Molin, Realeza, Paraná, Brasil. Contato: kely.akc@hotmail.com - ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3626-4430. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6181158471780122