A emergência de um
pensar complexo em tempos para uma educação complexa
The emergency of a complex thinking in times for a complex education
La emergencia de
un pensamiento complejo en tiempos de una educación compleja
Marlene Zwierewicz[1]
Beatriz Alves de Oliveira[2]
Kely Tereza de Moura[3]
Resumo
As
emergências para mudanças em todas as dimensões da sociedade ampliaram-se com a
pandemia causada pelo Sars-CoV-2. No âmbito educacional, essa condição
fortaleceu a necessidade de transitar da abordagem de ensino tradicional a uma
perspectiva compatível às demandas contextuais e planetárias, além de atenta às
incertezas em relação ao futuro da humanidade. Tendo como condição mobilizadora
tal conjuntura, este artigo objetiva discutir a emergência de um pensar
complexo em tempos que suscitam uma educação complexa, situando a metodologia
dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE) como uma das vias para a transição
teórico-prática. Referenciando as contribuições de autores como Morin (2011,
2015, 2018, 2019), Nóvoa (2017, 2019), Petraglia (2008, 2013) e Torre e
Zwierewicz (2009), teceu-se o presente documento tomando por base uma pesquisa
bibliográfica apoiada pela abordagem qualitativa. Entre os resultados,
destaca-se a relevância da tríade conceitual ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’
voltada à metamorfose da educação e ao uso da metodologia do PCE com intuito de
apoiar esse processo, podendo-se utilizá-la para diferentes finalidades, dentre
as quais, a formação inicial e a formação continuada dos docentes.
Palavras-chave: Educação Básica; Pensamento
complexo; Educação complexa; Projetos Criativos Ecoformadores.
Abstract
The
emergencies to changes in all dimensions of society have gotten higher during
the pandemics caused by the Sarr-Cov-2. In the educational area, this condition
strengthened the necessity of crossing from a traditional approach to teaching
towards a compatible perspective to the contextual and planetary demands,
besides of paying attention to the uncertainties in relation to the future of
humanity. Having this situation as a mobilizing condition, this article aims to
discuss the emergency of a complex thinking in times that require a complex
education, placing the methodology of Ecoforming Creative Projects (ECP)
[Projetos Criativos Ecoformadores (PCE)], as one of the ways to a theoretic and
practical transition. As references, the contribution of authors such as Morin
(2011, 2015, 2018, 2019), Nóvoa (2017, 2019), Petraglia (2008, 2013) e Torre
and Zwierewicz (2009), the present document has been done by having
bibliographical research supported by the qualitative approach as basis. Among
the results, the relevance of the conceptual triad of
‘complexity-transdisciplinarity-ecoformation’ was highlighted, focused on the
metamorphosis of the education and on the use of the ECP methodology aiming to
support this process, which can be used to different purposes, among them, the
initial formation, and the continuing training of the teachers.
Keywords: Elementary
Education; Complex thinking; Complex Education; Ecoforming Creative Projects.
Resumen
Las emergencias para cambios en todas las dimensiones
de la sociedad se ampliaron con la pandemia causada por Sars-CoV-2. En el
ámbito educativo, esa condición fortaleció la necesidad de pasar del enfoque
pedagógico tradicional a una perspectiva compatible a las demandas contextuales
y planetarias, además de atentarse a las incertidumbres relacionadas al futuro
de la humanidad. Considerando tal situación como condición movilizadora, este
artículo tiene como objetivo discutir la emergencia de un pensamiento complejo
en tiempos que dan lugar a una educación compleja, ubicando la metodología de
los Proyectos Creativos Ecoformadores (PCE) como uno de los caminos para la
transición teórico-práctica. Haciendo referencias a los aportes de los autores
como Morin (2011, 2015, 2018, 2019), Nóvoa (2017, 2019), Petraglia (2008, 2013)
y Torre y Zwierewicz (2009), este documento se tejió a partir de una
investigación bibliográfica apoyada por el enfoque cualitativo. Entre los
resultados, se destaca la relevancia de la tríade conceptual
‘complejidad-transdisciplinariedad-ecoformación’ orientada hacia la
metamorfosis de la educación y al uso de la metodología del PCE para apoyar ese
proceso, que se puede utilizar para diferentes fines, dentro de los cuales, la
formación inicial y continua de los profesores.
Palabras-clave: Educación Básica;
Pensamiento complejo; Educación compleja; Proyectos Creativos Ecoformadores.
Introdução
Transitar da abordagem tradicional para uma perspectiva
articulada às demandas atuais e atenta às incertezas em relação ao futuro da
humanidade se transformou em um desafio ampliado com o início da pandemia
causada pelo SARS-CoV-2. E, ainda que entre as demandas tenha se destacado a
necessidade de ampliar o uso de recursos tecnológicos, o desafio implica outras
condições, ou melhor, desde as concepções paradigmáticas norteadoras da
educação às metodologias utilizadas e às alternativas de avaliação
selecionadas.
Entre as possíveis vias a fim de a educação assumir seu
potencial transformador, situa-se a educação complexa. Trata-se de uma
perspectiva discutida por Petraglia (2008) e que se diferencia das outras
abordagens pelo seu potencial para religação dos conhecimentos e desses em
relação à vida.
Como a educação complexa dinamiza-se mediante um pensar
complexo, valorizado quando as práticas pedagógicas se constituem em
alternativas transdisciplinares e ecoformadoras, este artigo prioriza
possibilidades para superação de uma visão fragmentada do mundo e da vida. Para
tanto, recuperam-se alertas de Morin (2011) e Morin e Kern (2011) lançados
antes mesmo da transição do século XX para o XXI sobre a necessidade de saberes
emergenciais e também sobre a necessidade de tomada de decisão diante da insegurança
em relação aos rumos da humanidade.
Tendo como objetivo discutir a emergência de um pensar
complexo em tempos que suscitam uma educação complexa, situando a metodologia do
PCE como uma das vias para transição teórico-prática, o presente estudo resulta
de uma pesquisa bibliográfica apoiada pela abordagem qualitativa. Essas
alternativas possibilitaram discutir a tríade conceitual
‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’, contextualizando seu vínculo
com a educação complexa.
Por ter como princípios a referida tríade, a
apresentação da metodologia do PCE busca elucidar uma possível via para a
educação complexa. Para tanto, analisaram-se duas publicações que tomaram tal
metodologia por base, tendo em vista a formação docente.
É a análise dessas duas publicações que possibilita
observar o quanto a metodologia do PCE pode colaborar para minimizar o
distanciamento entre o Ensino Superior e as escolas de Educação Básica. Essa
condição, contudo, potencializa-se porque a metodologia em questão tem por
compromisso um pensar complexo com desenvolvimento de iniciativas de ensino e
de aprendizagem pautadas na transdisciplinaridade e na ecoformação.
Espera-se que o artigo e seus resultados colaborem para
evidenciar a emergência de mudanças profundas no âmbito educacional. Além
disso, almeja-se ilustrar a possibilidade de criar, na Educação Básica,
iniciativas nas quais a articulação entre teoria e prática sejam a condição mobilizadora
dos docentes na religação dos conhecimentos, e desses com o contexto e com o
global.
Por
uma nova abordagem de ensino: superar a fragmentação para pensar complexo
Diante do contexto atual, observa-se a relevância
de transitar de uma educação tradicional, centrada na abordagem tradicional e
favorável ao ensino fragmentado e descontextualizado, para uma perspectiva que
considere a vida em toda sua complexidade. Essa necessidade já se observava no
final do século XX quando Edgar Morin (2011) publicou o livro Os setes saberes necessários para a educação
do futuro. Essa obra mostra que há
duas décadas o autor anunciava saberes emergenciais, mas que, ainda, não se
viabilizaram no contexto escolar de forma contundente.
Vinte anos depois, a obra é expressivamente atual. Sua
composição indica saberes fundamentais que a educação não pode se furtar de
promover. São eles: “As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; Os
princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana; Ensinar a
identidade terrena; Enfrentar as incertezas; Ensinar a compreensão e, A ética
do gênero humano”. Uma fina percepção revela que tais saberes não representam
conteúdos disciplinares; antes, sugerem problemas essenciais (PETRAGLIA;
FURLIN, 2020, p. 1).
Em um
período próximo à publicação da obra de Morin (2011), Mota (1998, p. 68)
denunciava os limites da visão fragmentada, exaltando que “[...] o racional
desvinculado de outras dimensões do humano, não nos convém mais. Apesar de
todos os avanços ‘científicos’ que esta forma de pensar tem proporcionado ao
mundo, as consequências sociais são desastrosas [...]”.
Passadas
quase duas décadas da publicação a obra Os
setes saberes necessários para a educação do futuro, Morin (2015) reitera
sua preocupação em relação à educação ao apontar para:
[...] uma inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave
entre os saberes separados,
fragmentados, compartimentados entre
disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais [...] transversais, multidimensionais e
transnacionais, globais, planetários”
(p. 13).
Especificamente
nos anos de 2020 e 2021, a pandemia provocada pelo Sars-CoV-2 acentuou a
necessidade de transformações no contexto educacional. Por um lado, acelerou
algumas mudanças e, por outro, ampliou a visão sobre a emergência da mudança
paradigmática.
E, ainda
que a situação se estabilize, existem etapas da pandemia que requisitam
mudanças nas diferentes dimensões da sociedade. Werneck e Carvalho (2020) são autores que elucidam
essa necessidade quando afirmam que o período da pandemia corresponde a quatro
etapas: contenção, mitigação, supressão e recuperação.
A etapa da recuperação compreende o
momento em que a população confinada volta gradativamente às suas atividades, e
os estudantes, às aulas presenciais. Para Werneck e Carvalho (2020), é nesse
momento que se mostram sinais claros de involução epidêmica com números
residuais de casos, requisitando uma organização da sociedade para que os
países se reestruturem diante das demandas surgidas.
Com isso, às demandas observadas no século
XX agrupam-se necessidades do novo século, incluindo as que se vinculam ao
âmbito educacional. Diante desse conjunto avolumado de demandas, observa-se o
quanto “[...] A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado
conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar
[...]” (MORIN, 2011, p. 39), levando a uma inteligência “[...] incapaz de
considerar o contexto e o complexo planetário (p. 40).
[...]
Tal ótica está defasada e limitada, visto que não se consegue compreender as
necessidades contemporâneas da sociedade estudantil em suas diversidades. Em
contrapartida, a escola atual tem a possibilidade de atender à realidade
complexa, com um olhar global e criativo [...] (PINHO; PASSOS, 2018, p. 438).
Essa possibilidade depende de seu
potencial para dinamizar o pensamento complexo, ou seja, “[…] um tipo de
pensamento que não separa, mas une e busca as relações existentes entre os
diversos aspectos da vida […] opondo-se a qualquer mecanismo disjuntivo”
(PETRAGLIA, 2013, p. 16). Salles e Matos (2017, p. 117) alegam que, ao discutir
o pensamento complexo, Morin pode construir uma perspectiva que considera a
complexidade do mundo e da vida e que rejeita “[...] respostas simples aos
problemas multifatoriais do planeta”.
Sá (2019, p. 24) reitera que o pensamento
complexo “[...] tenta, efetivamente, perceber o que liga as coisas umas às
outras e não apenas a presença das partes no todo, mas também a presença do
todo nas partes”. Essa perspectiva converge com as reflexões de Petraglia
(2013, p. 16) quando a mesma indica o pensamento complexo como “[...] um tipo
de pensamento que não separa, mas une e busca as relações existentes entre os
diversos aspectos da vida. Trata-se de um pensamento que integra os diferentes
modos de pensar, opondo-se a qualquer mecanismo disjuntivo”.
Para ser estimulado, Morin (2018) defende
a necessidade de haver outro tipo de educação e, portanto, outras formas de
propor e de desenvolver a prática pedagógica. Essa nova educação é um desafio,
pois, como afirma o autor, para mudar as instituições mostra-se necessário
mudar, concomitantemente, o pensamento das pessoas que nela atuam.
Nesse sentido, Petraglia (2008, p. 35)
lembra o quanto tem sido indispensável “[…] propiciar a reflexão e a ação de
resgatar a nossa essência e a nossa humanidade, acenando com novas perspectivas
de resistência, emancipação e felicidade”. Por isso, compreender as exigências
atuais, tanto local quanto globalmente, implica não apenas refletir sobre suas
causas e consequências, mas também em se posicionar diante delas e de agir sem
ter como base um pensamento mutilador.
O pensamento complexo “[...] se diferencia
de uma concepção holística de conhecimento porque esta evidencia o todo em detrimento
das partes [...]” (SÁ, 2019, p. 24). Para este autor “[...] Na concepção do
holismo, não há um circuito relacional, ou seja, uma articulação
interdependente entre as propriedades singulares das partes com as propriedades
do todo e vice-versa [...]”.
Em contrapartida, o pensamento complexo
implica a multidimensionalidade dos fenômenos observados a partir de uma
perspectiva de abertura na análise da relação entre as partes e o todo. Ele
converge, portanto, para “[…] outras formas de pensar os problemas
contemporâneos” (SANTOS, 2009, p. 15), estimulando a superação da atomização
dos processos educacionais ao oferecer possibilidades àquilo que González
Velasco (2017) define como religação dos saberes. Da mesma forma, colabora para
religar os diferentes saberes ao contexto e ao global.
“A tese da religação é a pedra de toque do
pensar complexo, porque procura, aspira, investe em um conhecimento não
fragmentado, num conhecimento que não fraciona a realidade, a vida, o ser
humano, a sociedade [...]” (SÁ, 2019, p. 24), ou melhor, um pensamento religado
capaz de “[...] relacionar o mundo, a natureza, a realidade; essa realidade que
se ensina na sala de aula e que, muitas vezes, no converge com aquilo que está
forma dela, com o que vivemos e necessitamos saber e conhecer” (GONZÁLEZ
VELASCO, 2018, p. 32).
Portanto, o pensamento complexo, que para
González Velasco (2018) é a base do pensamento religado, ampara a superação de
práticas pedagógicas nutridas por perspectivas paradigmáticas que se assentam
nos “[…] princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das
dualidades […]” (SANTOS, 2009, p. 15). Nesse processo, colabora para enfrentar
a incerteza e a contradição e conviver com a solidariedade dos fenômenos,
enfatizando o problema e não a questão cuja solução é linear (PETRAGLIA, 2013).
Vale lembrar que o pensamento complexo
contribui para a inserção no currículo escolar de “[...] questões relacionadas
ao meio ambiente, aos valores humanos, à solidariedade e tantos outros aspectos
esquecidos pela escola desconectada da vida [...]” (ZWIEREWICZ, 2014, p. 9).
Esse pensamento, de modo semelhante, colabora para consolidar uma prática
pedagógica comprometida com a superação de processos que “[...] ensinam a
isolar os objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de
reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e
integrar [...]” (MORIN, 2018, p. 15).
Para
Dantas e Almeida (2020, p. 3), ao discutir a necessidade de superar a
fragmentação, a descontextualização e a falta de conexão planetária, posiciona
Morin como o “[...] formulador de uma epistemologia da complexidade, artífice
do pensamento complexo, da reforma do pensamento e um dos propositores da
reforma da educação em bases transdisciplinares”. Existe, portanto, uma conexão
fundamental entre pensamento complexo e as premissas da transdisciplinaridade.
O
objetivo da transdisciplinaridade “[...] é a compreensão do mundo presente,
para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento [...]” (NICOLESCU,
2018, p. 53). Para tanto, é “[...] resolutamente aberta na medida em que
ultrapassa o campo das ciências exatas, devido ao seu diálogo e a sua
reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a
literatura, a poesia e a experiência interior” (FREITAS; MORIN; NICOLESCU,
1994, p. 2).
Além
de colaborar para a religação dos conhecimentos de diferentes áreas, a
transdisciplinaridade possibilita a religação desses conhecimentos à realidade
seja ela local ou global (ZWIEREWICZ, 2017). Dessa forma, supera a educação
pautada no acúmulo “[…] conhecimentos que nada dizem sobre a realidade que
vivem os estudantes e os docentes […]” (BATALLOSO; MORAES, 2020, p. 75).
Nicolescu
(2018, p. 131) afirma que a transdisciplinaridade é, ao mesmo tempo, “[...] um
corpus de pensamento e uma experiência vivida, sendo esses dois aspectos
inseparáveis. A linguagem transdisciplinar deve traduzir em palavras e em ato a
simultaneidade destes dois aspectos [...]”. Reitera-se, portanto, o
posicionamento de Arnt (2020, p. 313) de que “Transdisciplinaridade [...] é uma
atitude perante a vida, perante o conhecimento, que nos faz articular saberes,
para além da compartimentação de disciplinas, reconhecendo que a aprendizagem
acontece na inteireza do ser [...]”.
É nessa
ênfase da inteireza do ser, fortalecida pela transdisciplinaridade, que a
educação se tangencia por valores como a solidariedade e a responsabilidade.
Nesse sentido, Batalloso e Moraes (2020, p. 75) alertam para a fragilidade de
modelos “[...] curriculares especializados e descontextualizados submetidos a
tempos limitados por critérios alheios às necessidades humanas [...]. Para
eles, a solidariedade e a responsabilidade diante das demandas sociais atuais e
futuras não podem ser trabalhadas mediante “[...] aulas magistrais, leituras de
textos, atividades de papel e lápis e muito menos por métodos competitivos, nos
quais se promove a rivalidade e o individualismo”.
Em contrapartida, a transdisciplinaridade
“[...] diz respeito à dinâmica dos diferentes níveis de realidade” (SANTOS,
2004, p. 111), implicando uma maneira complexa de pensar a realidade, nutrida
por “[...] uma atitude que envolve curiosidade, reciprocidade, intuição de
possíveis relações existentes entre fenômenos, eventos, coisas, processos e que
normalmente escapam à observação comum” (MORAES, 2010, p. 11).
O
pensamento complexo e a transdisciplinaridade “[…] aparecem como duas formas de
pensamento atual, agrupados à busca de uma perspectiva integradora do
conhecimento e da realidade como reação a uma visão atomizante e fragmentada”
(ESPINOSA MARTINEZ, 2014, p. 46). Nesse
sentido, a transdisciplinaridade colabora para uma educação pautada na
complexidade já que essa se assenta em “[...] princípios epistemológicos e
meta-temas capazes de se desdobrar em saberes que religam a tríade
indivíduo-sociedade-espécie” (DANTAS; ALMEIDA, 2020, p. 3).
É nesse processo que reside o potencial da
ecoformação, pois ela se caracteriza pelo compromisso com o bem viver destacado
por Morin (2015) tanto no âmbito individual quanto no âmbito social e/ou ambiental. Silva (2008, p. 102) reverbera a relevância
da ecoformação para esse processo ao afirmar que o contato formador com as
coisas, com os objetos e com a natureza pode ser “[…] formador de outras
ligações, em especial das ligações humanas”.
“A ecoformação traz como complementaridade
às outras concepções uma maior ênfase nas relações recíprocas pessoa-ambiente
[...]” (PINEAU, 2004, p. 522). Em decorrência disso, no contexto escolar,
estimula-se que os estudantes acessem, aprofundem, construam e difundam
conhecimentos e soluções em conexão com a sua realidade, condição a qual,
necessariamente, caracteriza o conhecimento pertinente, sendo, para Sá (2019), aquele
produzido pela racionalidade aberta e que contextualiza e concebe a
multidimensionalidade humana, social e da natureza.
Considerando as demandas da realidade do
final do século XX e o agrupamento daquelas surgidas no século atual, a tríade
conceitual aqui anunciada constitui a base para a uma educação complexa.
Considerada por Zwierewicz et al.
(2019) uma nova abordagem do ensino, complementando a classificação realizada
por Mizukami (2016), a educação complexa se diferencia das outras abordagens
pelo seu potencial para religação dos conhecimentos e desses em relação à vida.
Para Petraglia (2008, p. 35), a educação
complexa tem como papel “[…] propiciar a reflexão e a ação de resgatar a nossa
essência e a nossa humanidade, acenando com novas perspectivas de resistência,
emancipação e felicidade”. Ela converge para as reflexões de Morin (2018) sobre
a necessidade de oferecer atenção às relações entre o humano e o universo,
orientando as áreas de conhecimento pela condição humana, pois suas implicações
envolvem, como afirma Zwierewicz (2017), a superação da crença de que os
conhecimentos científicos, por si mesmos, são capazes de solucionar os
problemas da realidade atual e enfrentar as incertezas em relação ao futuro.
Os Projetos Criativos
Ecoformadores como uma possível via à educação complexa
Antes
mesmo do lançamento da obra Os sete
saberes para a educação do futuro, Edgar Morin publicou com Anne Brigitte
Kern o livro Terra-Pátria. Nele,
registraram que “As advertências e os alertas se multiplicam sem sucesso e só
demasiado tarde conseguem vencer as inércias e as cegueiras, sendo preciso
chegar ao desastre para que uma resposta se reorganize” (2011, p. 154).
A
constatação dos autores era um prenúncio para a atual crise, ampliada, neste
momento, pela pandemia causada pelo Sars-CoV-2. Diante desse quadro, Zwierewicz
et al. (2020) afirmam que:
As demandas da realidade atual e as
incertezas em relação ao futuro posicionam docentes da Educação Básica e do
Ensino Superior diante de uma bifurcação epistemológica e metodológica: ou
seguem os itinerários de sua atuação docente marcada pelo ensino colonizado e
descontextualizado ou optam por uma atuação docente pautada pela religação dos
saberes e desses em relação à realidade local e global (p. 283).
Morin e Kern (2011, p. 152) reiteraram
essa demanda quando afirmaram que “A era planetária requer que tudo seja
situado no contexto planetário”.
Contudo, como “[...] o conhecimento do mundo enquanto mundo torna-se
necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital [...]”, o problema vital para
todo cidadão é o “[...] como ter acesso às informações sobre o mundo, e como
adquirir a possibilidade de articulá-los e organizá-los”.
Esse desafio não é superado por
meio da abordagem tradicional de ensino e por metodologias que a dinamizam no
contexto escolar. Como opção, coloca-se a da tríade ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’,
como conceitos fulcrais de uma educação complexa. Nesse sentido, vale lembrar
que
Para
transitar do currículo colonizado e fragmentado à educação complexa, faz-se
necessário utilizar metodologias compatíveis com a tríade conceitual aqui
abordada. Uma das possibilidades para esse processo se constitui pelos Projetos
Criativos Ecoformadores, abreviadamente nomeada como metodologia do PCE
(ZWIEREIWCZ et al., 2020, p. 289).
Essa
metodologia representa um referencial de ensino e de aprendizagem baseado na
autonomia, na transformação, na colaboração e na busca por desenvolvimento
integral. Por isso, vincula os processos de ensino e de aprendizagem às
realidades local e global, transcendendo o conhecimento curricular impulsionado
por atitudes colaborativas, solidárias e conectadas à vida (TORRE; ZWIEREWICZ,
2009).
Constitui,
portanto, uma alternativa metodológica ancorada “[...] na vida, estimulando que
os docentes e estudantes possam ir ‘além da reprodução’ de conhecimentos e
‘além da análise crítica da realidade’ [...]” (ZWIEREWICZ, 2013, p. 166). Essa
alternativa vem sendo utilizada em diferentes contextos educacionais, entre
eles, em escolas vinculadas às Redes Municipais de Ensino de União da Vitória e
Marquinho (Paraná) e de cidades catarinenses, tais como as de
[...]
Massaranduba, Paulo Lopes, São Ludgero e Timbó Grande. Também tem sido
utilizada no Instituto Federal de Santa Catarina - IFSC, Campus São José,
especialmente no Estágio Supervisionado do Curso de Química, no Instituto
Crescer, de Itajaí, e no Mestrado Profissional em Educação Básica - PPGEB da
Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - UNIARP, de Caçador (ZWIEREWICZ et al., 2020, p. 290).
A estrutura do PCE é formada por
dez organizadores conceituais (Figura 1), constituindo uma sequência didática
que tem no epítome a etapa de abertura da prática pedagógica e na polinização o
seu encerramento (ZWIEREWICZ, 2017). Ao dinamizar iniciativas planejadas a
partir da articulação entre esses dez organizadores conceituais, a metodologia
do PCE reitera um pensar complexo “[...]
que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e
que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes” (MORIN, 2018, p.
88),
Figura 1 - Organizadores conceituais dos
Projetos Criativos Ecoformadores (PCE)
Fonte: Adaptado de Torre e Zwierewicz (2009).
Torre e Zwierewicz (2009) indicam que a definição
dos organizadores conceituais tem como compromisso o desenvolvimento de uma
educação cujo ponto de partida e de chegada tenham em comum a vida. Nesse
processo, cada iniciativa parte de uma situação-problema e se vincula a um
pensamento organizador, articulando o currículo, o contexto e o complexo
planetário para “[...] que, durante o desenvolvimento do projeto, algo seja
realizado ou proposto para assegurar tanto uma transformação de relevância para
os envolvidos como para inspirar outras pessoas e instituições que tiverem
acesso à iniciativa” (ZWIEREWICZ, 2017, p. 222-223).
A utilização dos dez organizadores conceituais
colabora para a efetivação da pedagogia complexa e, como destaca Pukall (2017),
articula cognição, emoção e ação: a) a cognição haja vista se comprometer com o
acesso, a construção e a difusão de conhecimentos; b) a emoção em razão do
envolvimento dos participantes, estimulando o sentido de pertencimento; c) e a
ação pela capacidade oferecida para a transformação da realidade já que
estimula uma consciência planetária mobilizada por iniciativas locais.
Ao priorizar as
perspectivas da educação complexa quando valoriza a tríade conceitual
‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’, a metodologia do PCE procura
colaborar para superar aquilo que Morin (2019) define como pensamento
mutilante. Nesse processo, converge,
segundo o pensamento do mesmo autor (2018, p. 20), para uma “[...] reforma
paradigmática [...]”, o que reitera a relevância de um ensino transdisciplinar
que se potencializa ao articular-se às perspectivas da ecoformação.
Metodologia
da pesquisa
Para posicionar a
metodologia do PCE como uma das vias para a transição da abordagem tradicional
de ensino, visando a uma educação complexa, optou-se pela pesquisa bibliográfica. “[...] Embora
em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho desta natureza,
há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas
[...]” (GIL, 2020, p. 65) a exemplo deste estudo.
Em relação à abordagem, a
opção pela qualitativa se deve ao seu potencial de responder a questões mais
particulares, possibilitando a análise de “[...] um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2010, p. 23). Portanto, difere-se da
quantitativa “[...] à medida que não emprega um instrumento estatístico como
base do processo de análise de um problema [...]” (RICHARDSON, 2007, p. 79).
Para a seleção das
publicações, recorreu-se ao Google Acadêmico e também às dissertações
vinculadas ao Mestrado Profissional em Educação Básica – PPGEB da Universidade
Alto Vale do Rio do Peixe – UNIARP. Ao utilizar como descritor ‘Projetos
Criativos Ecoformadores – PCE’, localizaram-se 99 ocorrências no Google
Acadêmico, enquanto no PPGEB (UNIARP) encontraram-se várias dissertações que
utilizaram o PCE como objetivo de estudo, entre elas, as pesquisas de Almeida
(2018), Hoffmann (2019), Telegen (2019), Oliveira (2020) e Horn (2021).
Essa necessidade reitera a posição de
Morin e Kern (2011, p. 152) quando afirmaram que “A era planetária requer que
tudo seja situado no contexto planetário”.
Promovem-se, dessa forma, possibilidades para um pensar complexo
justamente pelas possibilidades de o PCE colaborar a fim de a formação inicial pautar-se
em iniciativas pedagógicas comprometidas com a superação de processos que isolam os objetos de seu ambiente, separam
disciplinas e dissociam problema (MORIN,
2018).
As possiblidades destacadas pelas autoras
caracterizam a implicação de um pensar complexo, potencializado pelas
perspectivas da transdisciplinaridade e da ecoformação: da
transdisciplinaridade porque, de acordo com Santos (2004), implica uma dinâmica
dos diferentes níveis de realidade; da ecoformação, pela seu potencial para
estimular o protagonismo na resolução de situações-problemas, justamente porque
a perspectiva prioriza “[...] relações recíprocas pessoa-ambiente [...]”
(PINEAU, 2004, p. 522).
A pesquisa realizada por Horn (2021) envolveu a formação continuada de docentes, tendo como base da
intervenção realizada, durante o seu
desenvolvimento, a estrutura do Programa de
Formação-Ação em Escolas Criativas,
ofertado nos últimos anos em diferentes municípios de Santa Catarina, entre eles o de Paulo Lopes e o de Timbó Grande.
De acordo com a pesquisadora, o
referido programa “[...] tem,
entre seus objetivos, o intuito de contribuir para uma educação atenta às demandas
da realidade atual e às incertezas em relação ao futuro da humanidade,
acentuando o comprometimento das práticas pedagógicas com o bem viver
individual, social e ambiental” (HORN,
2021, p. 6).
Diante das
potencialidades do programa, o estudo de Horn (2021) buscou desenvolver uma proposta formativa transdisciplinar
e ecoformadora com base no Programa de Formação em Escolas Criativas, ajustando-a à realidade dos docentes de União da Vitória,
Paraná, verificando suas contribuições à
prática pedagógica para o planejamento do ensino e à transformação do entorno escolar. Ao vincular formação
docente e prática pedagógica, a pesquisa converge para os anseios de Nóvoa
(2019) sobre a necessidade de a formação
continuada no cenário atual ter como
objeto a metamorfose do ambiente escolar. Para
ele, a metamorfose ocorre quando “[...] os professores se juntam em
coletivo para pensarem o trabalho, para construírem práticas pedagógicas
diferentes, para responderem aos desafios colocados pelo fim do modelo escolar
[...]” (p. 3), tradicionalmente
adotado.
Essa articulação é
fundamental para o pensar complexo e se dinamizada por meio de práticas
transdisciplinares e ecoformadoras. É dessa forma que o conhecimento
se dinamiza por meio de racionalidade
aberta e que contextualiza e concebe a multidimensionalidade humana, social e
da natureza conforme defende Sá (2019).
Para coletar dados
no início, durante e ao final da pesquisa, Horn (2021) utilizou diferentes instrumentos:
um questionário
sobre necessidades e potencialidades formativas aplicado no início da
intervenção formativa elaborado
com base no instrumento criado por Almeida (2018); um questionário para
conhecer a percepção dos docentes sobre os impactos da formação na prática
pedagógica no
planejamento do ensino e na transformação do entorno escolar.
Quanto aos
principais resultados, Horn (2021) registrou percepções dos participantes sobre
as contribuições da intervenção formativa. Em linhas gerais, indicaram, como
contribuições mais expressivas para a metamorfose da prática pedagógica, as
seguintes condições oferecidas tanto pela dinamização do Programa de
Formação-Ação em Escolas Criativas como pela adoção da metodologia do PCE: a flexibilidade no planejamento, possibilitando a
participação dos estudantes na elaboração do PCE, inclusive enquanto já estava
em andamento; o trabalho colaborativo, que implicou profissionais da escola,
estudantes e a comunidade; a ampliação de conhecimentos em relação às questões
conceituais e metodológicas, bem como sobre a própria realidade local e global;
a interligação entre os conteúdos dos diferentes componentes curriculares e
desses em relação à realidade; o aprofundamento da relação entre a escola e a
comunidade; o sentimento de pertencimento; a valorização dos implicados na
formação e na aplicação do PCE; o comprometimento ecoformador; a valorização do
PCE como uma metodologia que conecta e compromete as práticas pedagógicas com a
vida.
Considerando que a pesquisa vinculou
Ensino Superior e Educação Básica, a iniciativa pode se constituir em um
referencial para superar o sentimento de insatisfação que, para Nóvoa (2017),
vem sendo observado nos últimos anos devido à falta de conexão entre a formação
e as reais demandas dos docentes e das escolas em que atuam. Nesse processo,
ampliaram-se possibilidades para um pensar complexo e que, para Santos (2009,
p. 15), é crucial para superar práticas pedagógicas assentadas nos “[…]
princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das
dualidades […]”.
Considerações finais
Ao
discutir a emergência de um pensar complexo em tempos que suscitam uma educação
complexa, situando a metodologia dos Projetos Criativos Ecoformadores (PCE)
como uma das vias para transição teórico-prática, este estudo referenciou
princípios pedagógicos fundamentais para uma transição paradigmática. Nesse
sentido, evidenciou a necessidade de superar uma educação pautada na abordagem
tradicional e a emergência da abordagem da educação complexa.
Em suas especificidades, os conceitos da
tríade ‘complexidade-trandisciplinaridade-ecoformação’ representam o que de
mais inovador pode ser considerado na definição de princípios pedagógicas
comprometidos com essa transição. Contudo, é na interação deles que a educação
amplia condições para sua própria metamorfose
A metamorfose, por sua vez, caracteriza a implicação da
abordagem da educação complexa. Uma alternativa que se diferencia dos outros
tipos pelo seu potencial para a religação dos conhecimentos e desses em relação
à vida.
Ao se dinamizar mediante um pensar complexo, a educação
complexa se sedimenta em práticas pedagógicas transdisciplinares e
ecoformadoras. São essas práticas que oferecem
condições à superação de uma visão fragmentada do mundo e da vida.
A sugestão do PCE, como uma via metodológica para essa
superação, respalda-se nos resultados constatados em diferentes cenários
educacionais que vêm sendo utilizados. Além disso, ao ser utilizada para várias
finalidades, indica sua versatilidade diante das adversidades e das potencialidades
da realidade atual.
No caso específico deste estudo, a opção por analisar
seu potencial nos processos formativos reafirma a relevância de vincular
formação docente e prática pedagógica, ou melhor, se a intenção é colaborar na
metamorfose da prática pedagógica, é preciso investir, concomitantemente, na
metamorfose da formação docente, reafirmando a indicação de Morin (2018, p. 20)
de que “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do
pensamento deve levar à reforma do ensino”.
Ao confrontar os resultados da análise de ambas
as pesquisas sobre formação docente selecionadas neste estudo, observa-se esse
compromisso ao priorizar uma educação complexa. Tal compromisso reside tanto na
vinculação das propostas formativas à tríade conceitual ‘complexidade-transdisciplinaridade-ecoformação’
como ao seu potencial transformador multidimensional, beneficiando o
planejamento, a relação entre teoria-prática, o trabalho colaborativo e outros
aspectos fundamentais, entre os quais, o compromisso consigo, com os outros e
com o meio ambiente.
São iniciativas como essas que podem
colaborar para aquilo que Petraglia (2008, p. 35) registra como possibilidade
de uma educação complexa por propiciar a reflexão e o resgate tanto da essência
como da humanidade de cada pessoa implicada, o que, para a autora, acena para
“[...] novas perspectivas de resistência, emancipação e felicidade”. E isso
ocorre quando, na educação, existe flexibilidade, colaboração, aprofundamento
teórico, contextualização, compromisso com o complexo planetário, pertencimento
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