História oral: consequências do
ensino remoto na atuação de professores
Oral history: consequences of remote
teaching on teachers performance
Historia oral: consecuencias de la
enseñanza a distancia en el desempeño docente
Gleyton de Moura Ferreira Silva[1]
Jocyleia
Santana Dos Santos[2]
Damião Rocha[3]
Resumo
O objetivo deste trabalho é compreender, a
partir do método da História Oral, como o ensino remoto emergencial impactou a
vida docente nos anos de 2020 e 2021 no município Guaraí - TO. A pesquisa está
estruturada em duas etapas: a primeira, de revisão bibliográfica e a segunda,
na qual foram conduzidas as entrevistas temáticas com quatro entrevistados a
partir de questões semiestruturadas que foram elaboradas pensando em incentivar
a fala e a subjetividade, bem como servindo como um guia para o desenvolvimento
e condução das entrevistas. Na seção de revisão bibliográfica pesquisamos sobre
os conceitos de Ensino Remoto, Ensino Remoto Emergencial, além dos obstáculos e
a formação de professores em relação ao uso de tecnologias. Ao todo foram
conduzidas quatro entrevistas realizadas com profissionais da educação em
atividade. Por último realizamos reflexões a cerda das entrevistas.
Palavras chave: História Oral; Ensino Remoto;
Ensino Remoto Emergencial; Formação de Professores.
Abstract
The objective of this work is to
understand, from the method of Oral History, how emergency remote teaching
impacted the teaching life in 2020 and 2021 in city of Guaraí - TO. The
research is structured in two stages: the first, a bibliographic review and the
second, in which thematic interviews were conducted with four interviewees from
semi-structured questions that were prepared thinking about encouraging speech
and subjectivity, as well as serving as a guide for developing and conducting
the interviews. In the literature review section, we researched the concepts of
Remote Teaching, Remote Emergency Teaching, in addition to obstacles and
teacher training in relation to the use of technologies. In all, four
interviews were conducted with active education professionals. Finally, we
carry out reflections around the interviews.
Keywords: Oral History; Remote Teaching;
Emergency Remote Learning; Teacher training.
Resumen
El objetivo de este trabajo es
comprender, desde el método de Historia Oral, cómo la enseñanza remota de
emergencia impactó la vida docente en 2020 y 2021 en la ciudad de Guaraí - TO.
La investigación se estructura en dos etapas: la primera, una revisión
bibliográfica y la segunda, en la que se realizaron entrevistas temáticas a
cuatro entrevistados a partir de preguntas semiestructuradas que fueron
elaboradas pensando en fomentar el habla y la subjetividad, además de servir
como guía para desarrollo y realización de las entrevistas. En el apartado de
revisión de la literatura, se investigaron los conceptos de Enseñanza Remota,
Enseñanza de Emergencia Remota, además de obstáculos y formación docente en
relación al uso de tecnologías. En total, se realizaron cuatro entrevistas a
profesionales de la educación activa. Finalmente, realizamos reflexiones en
torno a las entrevistas.
Palabras clave: Historia oral; Enseñanza remota;
Aprendizaje remoto de emergencia; Formación de profesores.
Introdução
O desenvolvimento da História Cultural no
decorrer do século XX traz consigo a ampliação e diversificação do rol de
fontes historiográficas e as suas históricas condições de compreensão e de
produção, assim sendo, este novo modo de fazer história abre um leque maior de
possibilidades para a pesquisa com a renovação do corpo documental do
historiador e, por consequência, estas novas fontes requerem tratamentos
metodológicos específicos.
É exigida, deste modo, uma nova postura
do historiador onde este deve dispor de um esforço ao questionar a ideia de
fonte enquanto o testemunho de uma realidade, passando está a ser concebida
como um instrumento de mediação apenas. Assim, a realidade seria analisada
através das suas representações, sendo as mesmas consideradas como realidades
de múltiplos sentidos. E é neste contexto que passamos a observar o surgimento
do esboço do método que ficaria conhecido como História Oral.
A popularização da História Oral como
método de investigação teve início na década de 1970, nos Estados Unidos e
Europa. A história oral foi validada como potencial para o estudo de
acontecimentos e conjunturas a partir da insatisfação dos pesquisadores em
relação aos métodos quantitativos que eram insuficientes para o estudo da
subjetividade e complexidade dos acontecimentos pós-guerra. Assim, os métodos
qualitativos, como a História Oral, ganharam visibilidade (ALBERTI, 2013).
No
Brasil, o método de pesquisa de História Oral foi apropriado por diversas
instituições, que baseadas neste método ampliaram seus programas de estudo e
linhas de acervo, estendendo a vários temas de pesquisa. A partir da década de
1990 o declarado “movimento da História Oral” ganhou forças e em 1994 a
Associação Brasileira de História Oral (ABHO) foi criada (ALBERTI, 2013).
Internacionalmente, a International Oral
History Association (IOHA) foi fundada em 1996 em Gotemburgo, na Suécia, com
ampla participação de pesquisadores brasileiros. Desde então, acontecem
encontros bienais em congressos internacionais com expressiva participação de
estudiosos do Brasil (ALBERTI, 2013).
A História Oral é constituída por “um
conjunto sistemático, diversificado e articulado de depoimentos gravados em
torno de um tema” (ALBERTI, 2013, p. 18). Dessa forma, o tema escolhido para a
pesquisa deve ser recente, pois a memória dos entrevistados deve alcançá-lo sem
dificuldades.
Desta forma, no que se refere à História
Oral como método, entendemos que ela não documenta nada além de uma versão do
passado, ou seja, tomamos a entrevista produzida como documento, no entanto, o
objeto documentado não é “o passado como efetivamente ocorreu”, mas sim a
versão do entrevistado. Entendemos, também, que a participação do pesquisador
na produção do documento de História Oral permite uma constante avaliação deste
documento ainda durante a sua construção e, segundo Alberti (2013), esta
particularidade do documento oral permite recuperar informações que não são
possíveis de encontrar em documentos de outra natureza como, por exemplo,
experiências pessoais, acontecimentos pouco esclarecidos e impressões
particulares.
Assim, os documentos produzidos a partir
das entrevistas poderão funcionar como fontes de consulta para temas mais
“antigos”, porém com uma perspectiva recente. Alberti (2013) recomenda que o
estudo de acontecimentos e conjunturas por meio da História Oral deve acontecer
no espaço de aproximadamente 50 anos dos eventos.
Sendo assim, o tema escolhido para a
presente pesquisa é o ensino remoto e suas consequências para a atuação dos
professores, visto que este acontecimento, a utilização de ferramentas do
ensino remoto em decorrência da pandemia da COVID-19, é recente e ainda está
ocorrendo em diversos municípios e escolas brasileiras.
Para Alberti (2013), é impossível
realizar entrevistas sem um projeto de pesquisa bem estruturado, com objetivos
e orientação teórica clara. Dessa forma, para a presente pesquisa, definimos o
seguinte objetivo geral: Compreender, a partir do método da História Oral, como
o ensino remoto emergencial impactou a vida docente nos anos de 2020 e 2021 em
Guaraí - TO. Como objetivos específicos, definimos: a) Apresentar as discussões
acerca do método da História Oral; b) Discutir sobre os principais conceitos
referentes ao ensino remoto; c) Conhecer as perspectivas docentes sobre essa
forma de ensino e; d) Analisar a formação e experiência docente no ensino
remoto.
Este
breve trabalho se justifica pela necessidade de se entender melhor essa
modalidade de ensino sob a perspectiva subjetiva dos próprios docentes, quais
as potencialidades e obstáculos do ponto de vista dos entrevistados. “A
entrevista da história oral permite também recuperar aquilo que não encontramos
em documentos de outra natureza: acontecimentos pouco esclarecidos ou nunca
evocados, experiências pessoais, impressões particulares, etc.” (ALBERTI, 2013,
p. 32). Portanto, devido ao caráter repentino e pouco planejado do
estabelecimento do ensino remoto, a História Oral é adequada para estudo desse
acontecimento.
Metodologia
A
História Oral, como método, não é um fim em si mesma, mas um meio de
conhecimento. Ela só se justifica na utilização como investigação científica
quando articulada com um projeto de pesquisa preliminar.
Na história oral, a
pesquisa e a documentação estão integradas de maneira especial, uma vez que é
realizando uma pesquisa, em arquivos, bibliotecas etc., e com base em um projeto
que se produzem entrevistas, as quais se transformarão em documentos, que, por
sua vez, serão incorporados ao conjunto de fontes para novas pesquisas
(ALBERTI, 2013, p. 183).
Portanto,
o conhecimento prévio sobre o tema é requisito para a realização de
entrevistas.
Assim, antes mesmo de
se pensar em história oral, é preciso haver questões, perguntas, que
justifiquem o desenvolvimento de uma investigação. A história oral só começa a
participar dessa formulação no momento em que é preciso determinar a abordagem
do objeto em questão: como será trabalhado (ALBERTI, 2013, p. 40-41).
O emprego da História Oral deve
prescindir de consultas às fontes disponíveis sobre o tema escolhido já
existentes. Dessa forma, esta pesquisa está estruturada em duas etapas: a
primeira, de revisão bibliográfica, versará sobre os temas relevantes ao ensino
remoto, ensino remoto emergencial e formação de professores.
Uma revisão
bibliográfica bem feita não é necessariamente exaustiva, isto é, não se faz
necessário ir a todos e a cada um dos textos que tratam do problema. índices e
bibliografias comentadas e confiáveis e as próprias revisões bibliográficas
feitas, com isenção, por terceiros, são um sucedâneo parcial do trabalho de
revisão (RICHARDSON et al., 1999, p.
301).
Na segunda etapa serão conduzidas as
entrevistas temáticas “que versam prioritariamente sobre a participação do
entrevistado no tema escolhido” (ALBERTI, 2013, p. 53) com quatro entrevistados
a partir de questões semiestruturadas. Buscando-se em sua operacionalização o
que se entende pelo conceito de saturação de Daniel Bertaux (1980), conforme
recomendado por Alberti (2013). A escolha dos entrevistados
[...] não deve ser
predominantemente orientada por critérios quantitativos, por uma preocupação
com amostragens, e sim a partir da posição do entrevistado no grupo, do
significado de sua experiência. Assim, em primeiro lugar, convém selecionar os
entrevistados entre aqueles que participaram, viveram, presenciaram ou se
inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que possam fornecer
depoimentos significativos (ALBERTI, 2013, p. 44).
Por último, será feita a
sistematização e a análise das entrevistas e a redação da segunda parte da
presente pesquisa. Desta
forma, como é característico da História Cultural é imprescindível ao
historiador possuir em seu ‘arsenal’ de pesquisa um conjunto de métodos
compartilhados de outros saberes para que possa aprofundar e orientar seu olhar
e, especificamente para a fonte oral, é imprescindível que o pesquisador possua
a atenção voltada à Análise de Discurso pois, ao entender que a principal
característica do documento de história oral está na postura do pesquisador em
relação a história “que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido
por quem viveu” (ALBERTI, 1990, p. 5), é necessário compreender, como nos
alerta Foucault (1996), que existem componentes materiais e econômicos da
opinião, o que se reafirma nas palavras de Pêucheux (1997), ao reconhecer que
há a necessidade de perceber o ideológico como elemento constituinte do
discurso.
Definição de perguntas
As perguntas semi-estruturadas para as
entrevistas foram elaboradas pensando em incentivar a fala e a subjetividade,
bem como servindo como um guia para o desenvolvimento e condução das
entrevistas.
Dessa forma, as perguntas finais foram
essas: 1) Qual a sua idade, nome completo e gênero autodeclarado? 2) Conte-nos
um pouco sobre sua trajetória de docente. Formação, quanto tempo trabalha como
professor e quais séries/anos trabalha e trabalhou; 3) Como a pandemia afetou a
sua vida pessoal? 4) Como a pandemia afetou sua vida profissional? 5) Durante a
sua formação profissional, você teve contato com o ensino remoto, seja teórico
ou na prática? 6) Como a sua instituição
promoveu formação ou aconselhamento sobre a utilização do ensino remoto? 7) O
que você pensa sobre o ensino remoto? 8) Quais as principais potencialidades do
ensino remoto para você? Por que? 9) Quais os desafios e obstáculos do ensino
remoto para você? Por que? 10) Quais as lições que o uso do ensino remoto
deixará para o ensino pós-pandemia? Por que? 11) Qual prática do ensino remoto
atual deveria ser deixada de ser utilizada no ensino pós-pandemia? Por que?
Revisão bibliográfica
Nesta
seção estudaremos os conceitos de Ensino Remoto, Ensino Remoto Emergencial,
além dos obstáculos e a formação de professores em relação ao uso de
tecnologias.
Ensino remoto
“O
ensino remoto prioriza a mediação pedagógica por meio de tecnologias e
plataformas digitais para apoiar processos de ensino e aprendizagem [...]”
(OLIVEIRA et al., 2020, p. 11). O
ensino remoto, enquanto elemento estratégico de ensino, é marcado pela
característica de não necessitar a presencialidade física das relações
educacionais onde, de acordo com Todorov et
al. (2009) - enquanto discute a Educação a Distância -, as Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) são o aporte que sustentam a lógica
e constituem a organização do processo de ensino-aprendizagem no ensino remoto.
Assim,
as práticas institucionais se atentam cada vez mais para a utilização do ensino
remoto no escopo educacional, pois permite utilizar plataformas e tecnologias
digitais para, segundo Oliveira et al.
(2020), mediar pedagogicamente processos educativos de forma dinâmica, flexível
e ampla.
O
ensino remoto, portanto, exige ir além do simples transporte do fazer
pedagógico presencial de sala de aula para espaços digitais, isto é, para
garantir a efetividade do processo educacional que utiliza o ensino remoto como
estratégia é fundamental a atenção sobre planejamentos, adaptações, recursos e
metodologias particulares para o desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem sustentado na interação com as TDIC (OLIVEIRA et al., 2020).
Desse
modo, pode-se apontar que existem diferenças bastante relevantes entre o ensino
praticado em sala de aula presencialmente e o ensino pautado na mediação
tecnológica desenvolvida remotamente e, para Horn et. al. (2015), estas diferenças emergem à evidência especialmente
em dois momentos, na abordagem pedagógica do docente e no processo de
aprendizagem do estudante.
Ainda,
é importante definir que o ensino remoto é comumente confundido e tratado por
outras expressões que não condizem como sinônimos para esta estratégia de
ensino. Dentre estes, vale destacar a necessidade de pontuar a diferença entre
ensino remoto e Educação a Distância (TODOROV, 2009).
De
acordo com o parágrafo 1º do decreto nº 9057/2017, a educação a distância é a
modalidade educacional cuja mediação pedagógica se dá por meio de tecnologias
de informação e comunicação, as TICs, e permite que as atividades educativas
sejam desenvolvidas por estudantes e profissionais de educação presentes em
diversos lugares e tempos diversos (BRASIL, 2017).
Dessa
forma, a Educação a Distância (EaD) pressupõe distanciamento geográfico e
caráter definitivo. Na EaD, um modelo pedagógico específico é construído por
meio de uma
[...] arquitetura
pedagógica composta pelos aspectos organizacionais, de conteúdo, metodológicos,
tecnológicos e as estratégias pedagógicas a serem empregadas. Esse modelo é
voltado para alunos, professores, tutores e, também, gestores compreendidos
como os sujeitos da EaD (BEHAR, 2020, s.n.p.)
A
centralidade do processo é no aluno, que está diretamente ligado ao seu curso,
que é fundado num currículo, que é orientado por um tutor e o seu pilar é o uso
de tecnologias (BARROS E GUERREIRO, 2019). Alves et al. (2003) listam as características do EaD: separação
professor-aluno; utilização de meios tecnológicos; organização de apoio
(tutoria); aprendizagem independente e flexível; comunicação multidirecional e;
educação massiva.
Ensino remoto emergencial (ERE)
Em 2020 uma nova necessidade
educacional foi criada devido à pandemia do vírus SARS-CoV-2 que causa a
COVID-19: o caráter de transmissão da doença tornou recomendável o
distanciamento social, tornando a escola um espaço de risco de contaminação.
Pode-se afirmar que professores e alunos se tornam vetores de transmissão da
doença para seus familiares e demais contatos (ARRUDA, 2020). O efeito da
COVID-19 no sistema educacional levou à suspensão das aulas ou a mudança para o
ensino remoto (ALVES, 2020).
No Brasil, o Ministério da Educação
decretou em 17 de Março (BRASIL, 2020), por meio da portaria nº 343 a suspensão
das aulas presenciais e substituição por atividades não-presenciais enquanto
durasse a pandemia de COVID-19 (VIEIRA E SECO, 2020).
Nesse contexto, a reconfiguração do
processo de ensino-aprendizagem adaptado às mudanças decorridas da pandemia,
isto é, a utilização de ferramentas como o Microsoft
Teams, Google Classroom, Google Meet e Zoom
para entrega do conteúdo no lugar das aulas presenciais, foi adotada (ALVES,
2020).
A Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OECD, 2020) produziu uma série de recomendações para
o ERE: a) redefinição de objetivos curriculares, rearranjando as prioridades no
período de distanciamento social; b) clarificação do papel do professor como
suporte à aprendizagem dos alunos, misturando a instrução direta à distância e
orientações para uma aprendizagem auto-guiada; 3) a garantia de suporte às
famílias mais vulneráveis e o incentivo da participação ativa destas famílias
na construção do projeto pedagógico alternativo e; a implementação de um
sistema de comunicação adaptado a cada estudante, no sentido de acompanhamento
da aprendizagem (VIEIRA E SECO, 2020).
Muitas
instituições têm implementado respostas rápidas que envolvem tecnologias e
apresentando-as erroneamente como Ensino a Distância (EaD). Nesse sentido, as
respostas emergenciais de uso tecnológico não podem ser consideradas como EaD,
como já falado anteriormente, mas como Ensino Remoto, pois a primeira envolve
planejamento prévio, fator que não foi possível estar presente na modalidade de
ensino decorrente da pandemia (ARRUDA, 2020).
O Ensino Remoto Emergencial (ERE),
de acordo com Hodges et al. (2020) é
uma alteração de caráter temporário de entrega de conteúdos como alternativa à
situação de crise. Nesse sentido, envolve uma adaptação das aulas previamente
pensadas para o modelo presencial para serem disponibilizadas em formato
completamente remoto. O ERE pode envolver disciplinas entregues em formato
síncrono, de forma que haja maior interação entre docente e alunos ou de forma
assíncrona como espaços de discussão e aulas gravadas (ARRUDA, 2020).
Obstáculos do ERE
Um dos problemas com a adoção
repentina ao ensino remoto é o despreparo tecnológico tanto de docentes quanto
de alunos no que diz respeito ao acesso a dispositivos adequados e conexão de
Internet de qualidade. Portanto, a utilização do ensino remoto em caráter
emergencial não oferece superação de desigualdades já existentes na
distribuição e qualidade de ensino, que varia de acordo com o perfil econômico
do aluno, e ainda revela novos obstáculos (ARRUDA, 2020).
Segundo Arruda (2020), a porcentagem
de alunos de escola pública que têm acesso à internet só se mantém alta nas
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Os dados apresentados pelo autor
demonstram que o celular é o dispositivo mais comum de acesso à internet, sendo
o computador um equipamento pouco utilizado cujo uso cai conforme o
desenvolvimento econômico da região.
Benedito e Castro Filho (2020)
afirmam que a falta de infraestrutura física é um obstáculo para a
implementação do ensino remoto. Os autores relatam que já existia um problema de
inclusão digital antes da pandemia por falta de laboratórios, insuficiência de
equipamentos e limitação do uso aos docentes.
Peres
(2020) se ocupa dos novos encargos exigidos dos gestores durante a pandemia.
Agora, o autor continua, os gestores devem administrar atentos às recomendações
de saúde e também, às exigências educacionais em legislação, além das
solicitações e necessidades das famílias.
Outras
dificuldades presentes no ensino remoto envolvem a diferença geracional entre
professor e aluno, tendo em vista a natividade digital, a própria situação de
moradia dos alunos que muitas vezes não permite um local de estudos adequado e
sobrecarga de trabalho para professores e alunos.
Formação de professores
Os docentes, de modo geral, não se
sentem preparados para assumir as funções da escola mediadas por plataformas
digitais pelo nível de letramento digital ou pela questão de limitação
tecnológica de acesso aos dispositivos. Desde os anos 1980, o Ministério da
Educação e Cultura (MEC) tem incentivado programas de formação continuada
digital como o Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO) (BRASIL,
1997). No entanto, a efetividade de tais ações foi baixa por questões
políticas, tecnológicas, infra-estruturais e mais (COUTINHO, 2017).
Os docentes, em geral, não foram
preparados para as aulas virtuais em seus cursos e só tiveram alguma formação
em relação à utilização de tecnologias e recursos educacionais aplicados ao
ensino após a pandemia (MELO, 2020).
Análise das entrevistas
Buscamos
profissionais da educação em atividade na cidade de Guaraí - TO antes e durante
a pandemia sem recorte de idade, gênero ou graus de docência visando a
totalidade do macrocosmo da educação na cidade baseando-se na questão da
saturação do método. Ao todo, foram
conduzidas quatro entrevistas. Cabe ressaltar que todas as entrevistadas se
autodeclararam mulheres.
Geralmente, a educação no nível
infantil e fundamental é atribuída às mulheres (COSTA E RIBEIRO, 2011). Os
dados coletados nas presentes entrevistas reforçam tal fato. Essa feminização
do magistério aconteceu com a associação da escola à maternidade no fim do
século XIX e início do século XX (LOURO, 1997). Pela a mulher ser capaz de dar
à luz, entende-se que também seja a melhor pessoa para lidar com o cuidado de
crianças. Ainda, segundo Louro (1997), essa prerrogativa leva ao abandono da
docência nestes níveis por homens.
Daquelas que revelaram a própria
idade (25% das entrevistadas), a faixa etária ficou entre 28 e 44 anos, sendo a
pessoa com menos tempo de experiência no ensino a mais jovem (6 anos de
experiência) e a com mais experiência no ensino (30 anos de experiência) a mais
velha. As áreas de formação das entrevistadas variam entre Matemática,
Geografia, Biologia, Letras e Pedagogia. Duas das entrevistadas trabalham com
os anos finais do ensino médio e as demais, com Ensino Médio e uma delas com
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Explorar um fenômeno através da
História Oral requer do pesquisador, dentre outras coisas, entender o indivíduo
entrevistado enquanto parte de um contexto, ou seja, compreender que este
sujeito histórico age no sentido de dialogar com seu entorno para além de ser
apenas um personagem que é cooptado e influenciado por sua conjuntura. Com isto
em mente iniciamos a entrevista ouvindo como o sujeito entrevistado se percebe
no cenário pandêmico.
Duas entrevistadas afirmaram que a
pandemia não afetou em nada ou afetou pouco a vida pessoal, uma delas fala que
Pessoalmente não
mudou muito a minha rotina, tirando o fato que gosto de viajar e não tenho ido
mais [suspiro] [...] Fora isso, ainda continuo indo pra escola atuando na linha
de frente para assessorar alunos sem Internet e professores com dificuldades.
(Jacqueline)
Dentre as que falaram que a pandemia
afetou a vida pessoal, a entrevistada que demonstrou mais tristeza foi a que
afirmou um processo de luto:
Perdi pessoas
queridas, mas isso ocorre independente de pandemia [hesitação] Procuro não
pensar nela, não assisto TV e mantenho o foco no que é possível fazer, não no
que deixamos de fazer [pausa] Com a fé em Deus, me fortaleço e vivo um dia de
cada vez! (Eliane)
Mesmo as que afirmaram que a
pandemia não afetou a vida pessoal sentiram as mudanças na vida profissional.
Todas as entrevistadas, Euma, Eliane, Leticia e Jacqueline, demonstram
alterações radicais na rotina de trabalho, principalmente no que diz respeito
ao aprendizado de novas ferramentas. Uma das entrevistadas comentou sobre a
carga de trabalho: “Trabalho dobrado, além de todo serviço pedagógico, com a
pandemia acabamos tendo que assessorar estudantes que não possuem Internet”
(Leticia).
Sobre a opinião das entrevistadas,
três afirmam que haviam indícios fortes da adoção do ensino remoto antes da
pandemia e que não há dúvidas de que é uma ferramenta do futuro, além de ser
uma tendência que poderá se tornar necessária de forma permanente:
[...] atualmente já
se fazia o uso, é [rememorando] com plataformas de cursinhos, e até mesmo as
universidades, cursos de linguagens [pausa] já era possível fazer on-line.
Então o ensino remoto é mais uma ferramenta válida e útil, embora ainda não
seja alcançada por todos… [...] (Jacqueline)
Esta é a única resposta que
considera a desigualdade de acesso em relação ao ensino remoto. Outros
problemas relatados nas reflexões sobre essas questões revelam dificuldade de
acompanhar o aprendizado dos alunos e também problemas relacionados à falta de
concentração para aprender apenas com recursos tecnológicos. Outro detalhe que
vale a pena ressaltar é a adoção do termo “método” por uma das entrevistadas,
demonstrando uma falta de conhecimento em relação à estratégia.
As entrevistadas afirmam em sua
maioria que não tiveram contato com o ensino remoto, nem mesmo na teoria, nas
suas respectivas formações acadêmicas. Jacqueline afirma que na sua graduação
ainda não havia acesso à internet, “mal tínhamos acesso a e-mail”. Eliane
afirma que teve acesso ao ensino remoto apenas nas últimas especializações:
Nas últimas
especializações sim, inclusive a atual [reflexão] e para ser sincera, estou
amando! Como disse, a pandemia fez a educação avançar anos luz… [...] (Eliane)
Aqui cabe
ressaltar a diferença entre as entrevistadas no que se refere a própria
experiência em relação à pandemia. Eliane, que se destaca pelo desvio em
relação à direção dos demais discursos, é a que revela grande otimismo em todas
as respostas em relação à pandemia, que manifesta um discurso permeado por
religiosidade e que renuncia ao acesso às informações sobre a pandemia.
Apesar de não ser o objetivo deste estudo, notamos a possibilidade
de lançarmos luzes em futuras pesquisas às questões levantadas pela análise do
discurso desta entrevistada: a religiosidade
e/ou a utilização da informação e suas implicações na percepção do sujeito em
relação à sua conjuntura.
A maioria das entrevistadas afirmou
que obteve formações sobre ensino remoto online
a partir das necessidades geradas pela pandemia. Uma delas, Letícia, afirmou
que não teve nenhum tipo de formação por parte da instituição que trabalha, nem
presencial nem online, o que reforça
nossa percepção de que foi um modelo implantado às pressas, talvez um pouco
distante ainda das entrevistadas, contradizendo, de certa forma, as respostas
anteriores de que era algo iminente.
Sobre as potencialidades do ensino
remoto, obtivemos respostas que podem ser agrupadas nas seguintes categorias: a
expansão da sala de aula, saída da zona de conforto, estudar na própria casa
com apoio e interação com pessoas de outros estados, atendimento às demandas de
mercado, comodidade, economicidade, encurtamento de distâncias, complemento de
aulas, disponibilização de materiais para aulas, tirar dúvidas, versatilidade e
possibilidade de organização da vida acadêmica, novos conhecimentos e novas
ferramentas.
Quando perguntadas sobre os
obstáculos e desafios do ensino remoto, novamente o assunto da desigualdade de
acesso à internet foi citado.
Para mim... o maior desafio é a igualdade
de acesso à internet! Ainda existem muitos lugares onde não é possível o acesso
do aluno, seja por recursos financeiros ou tecnológicos... Além disso, a
maturidade do aluno sobre o aproveitamento das aulas [...] (Jacqueline)
A maior dificuldade é que nem todos têm
acesso à internet e pra acontecer o ensino remoto tem que ter uma boa
internet.(Euma)
Precisa-se desenvolver melhor as
ferramentas que se tem e também suprir as lacunas de acesso a internet
(Leticia)
A pandemia fez a desigualdade social
ficar ainda mais visível é [pensativa] entre alunos e entre professores.
(Eliane)
Entre
outros desafios citados, temos a falta de conhecimentos tecnológicos,
estrutura, poucos recursos didáticos e não ter contato mais próximo com os
alunos. Nesse sentido, percebemos que os docentes estão sobrecarregados pelas
novidades do modelo educacional e ainda não se acostumaram às novas técnicas e tecnologias.
As
lições que o ensino remoto vão deixar para o ensino pós-pandemia, de acordo com
as entrevistas, envolvem a inevitabilidade da tecnologia ser incorporada na
prática docente, a necessidade da presença do professor em sala de aula,
valorização do profissional de educação e necessidade de inovação e reinvenção
para que o profissional de educação cumpra seu papel de formador.
Perguntamos
também quais práticas do ensino remoto devem deixar de existir pós-pandemia.
Penso que todas as
práticas educativas são bem vindas... a utilização de cada uma delas vai
depender exclusivamente do professor, esse ser incrível que tem autonomia para
escolher o que é melhor para seus alunos. (Eliane)
Penso que dá pra
conciliar as práticas atuais com as antigas, uma não tem que excluir a outra,
não! (Jacqueline)
Nenhuma. [pausa] Tudo
é uma questão de ser aprimorado. (Letícia)
Desconheço. [...]
(Euma)
Neste
ponto é importante evocarmos o caráter determinante da Análise de Discurso
apontadas por Foucault
(1996) e Pêucheux
(1997), a investigação pelo pesquisador dos componentes materiais e econômicos do discurso,
buscando identificar o ideológico como elemento constituinte do discurso.
Portanto, percebemos, através das
respostas à entrevista, que existe uma concepção de que a utilização de meios
remotos para o ensino é iminente, inevitável, que “é o futuro”, que já vinha
sendo utilizada e que traz consigo um conjunto de potencialidades positivas
para docência nos próximos anos, porém, as respostas dadas aos questionamentos
para o pós-pandemia centram-se, quase sempre, no alto grau de relevância que
estes profissionais atribuem à sua própria prática na docência, ressaltando a
necessidade da presença do professor em sala, sua valorização e
autonomia. Fica inteligível que o discurso destes sujeitos destaca, sobretudo,
que, apesar das tecnologias empregadas, há aquele que é insubstituível apesar
das dificuldades, o professor.
Considerações finais
A
escolha do método adequado para conduzir uma pesquisa é essencial para o sucesso
da mesma. Dessa forma, acreditamos que quando se trata da subjetividade e
necessidade de analisar o entrecruzamento entre a trajetória do indivíduo e sua
relação com o tema escolhido, o método da História Oral é o ideal.
Percebemos
nas perguntas cujas respostas necessitavam de mais objetividade - como as
perguntas sobre formação das entrevistadas - apresentaram similaridade com o
conteúdo obtido por meio da revisão bibliográfica.
Por
outro lado, identificamos uma aproximação com o senso comum das respostas às
questões mais subjetivas, o que demonstra que as entrevistadas podem não ter
refletido anteriormente sobre a questão e não aprofundaram o diálogo. Algo
necessário de se analisar em um discurso é que a incerteza em relação à função
da própria resposta tende a levar os entrevistados ao senso comum, demonstrando
uma tentativa de falar o que o interlocutor deseja ouvir. Da forma que a
resposta se caracteriza pela falta de reflexão prévia ou pela tentativa de
autoproteção em relação aos próprios discursos. Percebemos tais comportamentos
em algumas das entrevistadas.
Nos
chamou a atenção, igualmente, as respostas que indicavam o ensino remoto como
tendência do futuro visto que, nas perguntas seguintes e anteriores, as
respostas em relação à formação dos indivíduos referente a estas ferramentas
foram próximas da nulidade.
Admitimos aqui que a condução da
entrevista foi marcada pela inexperiência com o método e incapacidade de
extrair mais subjetividade, levando à insuficiência das respostas das
entrevistadas. Dessa forma, a análise das entrevistas tornou-se igualmente
insuficiente. É evidente que o método funciona, mas o pesquisador deve estar
preparado para ele, além de desenvolver domínio sobre o processo e apoiar-se de
forma segura na condução das entrevistas através do treino.
Os
objetivos específicos foram cumpridos a partir dos diferentes métodos de estudo
utilizados. O primeiro deles, “apresentar as discussões acerca do método da
História Oral” foi realizado por meio de revisão bibliográfica sobre o próprio
método tendo como norte os escritos de Verena Alberti (1990; 2013).
O segundo objetivo, “discutir os
principais conceitos sobre Ensino Remoto” foi também executado por meio de
revisão bibliográfica dialogando com diversos autores, como Arruda (2020), Alves
(2020), Hodges et al. (2020), e
Oliveira et al. (2020).
Os
terceiro e quarto objetivos, “conhecer as perspectivas docentes sobre essa
forma de ensino” e “analisar a formação e experiência docente no ensino remoto”
foram parcialmente alcançados através do método de História Oral, ou seja,
gravação, transcrição e análise das entrevistas. No entanto, foram alcançados
parcialmente devido à inexperiência do pesquisador em conduzir as entrevistas.
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concedida a Gleyton de Moura
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concedida a Gleyton de Moura
Ferreira Silva. Guaraí, TO, 08 março. 2021.
ALVES, Jacqueline [33 anos]. Entrevista concedida a Gleyton de Moura Ferreira Silva.
Guaraí, TO, 02 abril. 2021.
MOTTA, Euma Sobreira [41 anos]. Entrevista
concedida a Gleyton de Moura
Ferreira Silva. Guaraí, TO, 02 abril. 2021.
Recebido em:
outubro/2021.
Aprovado em:
novembro/2021.
[1] Mestrando em Educação
PPGE / UFT. Graduado em Ciências Biológicas pela FABEJA. Especialista em Saúde
Pública pela FACETEG. Pesquisador do grupo de pesquisa CNPq/UFT Gepce/UFT.
Bolsista CAPES demandas sociais. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4259591257208988 e-mail:gleyton.ferreira@uft.edu.br Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5621-5137
[2] Pós-doutora
em Educação. Doutora em História. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em
Educação -PPGE/UFT. Coordenadora do Polo Tocantins do Doutorado em
Educação na Amazônia (PGEDA). Link
Lattes:http://lattes.cnpq.br/8198025782417839.E-mail:jocyleiasantana@gmail.com.
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-2335-121X
[3] Pós-Doc. pela UEPA. Doutor em educação pela UFBA.
Mestre em educação pela UFG. Docente do PGEDA/UFPA/UFT e PPGE/UFT.
Vice-Presidente Norte da rede de Pesquisa Rides. Vice coordenador do Polo
Palmas PGEDA/UFT. Coordenador do PPPGE/UFT. Líder do grupo de pesquisa
Gepce/UFT email:damiao@uft.edu.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/9799856875780031 Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5788-7517