Situações de uso da linguagem no ensino remoto de língua
portuguesa em contexto pandêmico
Edmilson Francisco[1]
Ilsa do Carmo Vieira Goulart[2]
Resumo: A pandemia
mundial da COVID-19 modificou as relações sociais, impondo o distanciamento
social e fazendo com que as aulas passassem a acontecer remotamente. Isso levou as instituições educativas a uma busca
constante por aprimoramento ou alfabetização digital referente à fluência
tecnológica e pedagógica, para conseguirem dar seguimento às rotinas de
estudos, de ensino e de aprendizagem. Assim, objetiva-se refletir sobre
situações de uso da linguagem no processo de ensino da Língua Portuguesa no
contexto pandêmico em escolas públicas por meio de ambientes virtuais, tendo em
vista as exigências de novos posicionamentos e estratégias pedagógicas para
assegurar o processo de ensino e aprendizagem de forma remota. O estudo classifica-se como descritivo e explicativo e se
ampara nas perspectivas teóricas de estudiosos da linguagem como Bakhtin (2003),
Ilari (2001), Fairclough (2006), Freitas (1994; 2010), Isaía (1988), Santos
(2015) e Vieira e Silvestre (2015). Espera-se que este trabalho contribua para
uma reflexão acerca do ensino de Língua portuguesa nestes novos tempos, haja
vista que, além do conhecimento básico tecnológico, é exigido dos professores e
alunos novas competências e habilidades para uso da linguagem para
estabelecerem comunicação.
Palavras-chave: Ensino Remoto;
Tecnologias digitais; Interação verbal; Língua Portuguesa.
Situations of language use in remote portuguese language teaching in
pandemic context
Abstract: The global pandemic
of COVID-19
has changed
social relations, imposing
social distancing and making
classes happen remotely.
This led
to some
crucial questions regarding
how, why
and what is taught,
leading educational institutions to a
constant search for improvement
or digital literacy related
to technological
and pedagogical
fluency, in order
to be
able to
follow up the routines
of studies,
teaching and learning.
Thus, this
article aims to
reflect on situations of language
use in
the process
of teaching
the Portuguese
language in the pandemic context
in public schools through virtual environments,
in view
of the
requirements of new
positions and pedagogical strategies to ensure
the teaching
and learning
process remotely. The
study is
classified as descriptive and
explanatory and is
based on
the theoretical
perspectives of language
scholars such as
Bakhtin (2003), Ilari
(2001), Fairclough (2006),
Freitas (1994; 2010),
Isaía (1988),
Santos (2015) and
Vieira and Silvestre
(2015). It is
expected that this
work will
contribute to a reflection on
the teaching
of Portuguese language in
these new
times, since, in addition to basic technological
knowledge, teachers and students
are required new skills
and abilities
to use
language to establish
communication.
Keywords: Remote Teaching; Digital technologies; Verbal
interaction; Portuguese Language.
Situaciones de uso de la lengua en la enseñanza remota de la lengua
portuguesa en contexto pandémico
Resumen: La pandemia global de COVID-19 ha cambiado las
relaciones sociales, imponiendo el distanciamiento social y haciendo que las
clases sucedan de forma remota. Esto llevó a las instituciones educativas a una
búsqueda constante de mejora o alfabetización digital relacionada con la
fluidez tecnológica y pedagógica, con el fin de poder dar seguimiento a las
rutinas de estudios, enseñanza y aprendizaje. Por lo tanto, el objetivo es
reflexionar sobre las situaciones de uso de la lengua en el proceso de enseñanza
de la lengua portuguesa en el contexto de pandemia en las escuelas públicas a
través de entornos virtuales, en vista de los requisitos de los nuevos puestos
y estrategias pedagógicas para garantizar el proceso de enseñanza y aprendizaje
a distancia. El estudio se clasifica como descriptivo y explicativo y se basa
en las perspectivas teóricas de estudiosos del lenguaje como Bakhtin (2003),
Ilari (2001), Fairclough (2006), Freitas (1994; 2010), Isaía (1988), Santos
(2015) y Vieira y Silvestre (2015). Se espera que este trabajo contribuya a una
reflexión sobre la enseñanza de la lengua portuguesa en estos nuevos tiempos,
ya que, además de los conocimientos tecnológicos básicos, a los profesores y
estudiantes se les requieren nuevas habilidades y destrezas para utilizar el
idioma para establecer la comunicación.
Palabras
clave: Enseñanza a distancia;
Tecnologías digitales; Interacción verbal; Idioma portugués.
1
Introdução
A Organização Mundial de Saúde
(OMS), em janeiro de 2020, reconheceu o surto da doença causada pela COVID-19,
como uma emergência de saúde pública de importância internacional e,
posteriormente, no dia 11 de março de 2020, fora caracterizada como pandemia. O
contexto de pandemia mundial modificou as nossas relações sociais,
implementando o distanciamento social como medida sanitária de prevenção de
contágio.
Em 20 de março, o Senado
aprovou o decreto de Estado de Calamidade Pública no Brasil (Decreto
legislativo nº 6). Diante disso, as instituições de ensino ficaram impedidas de
ministrar aulas presenciais. Contudo, o Ministério de Educação e Cultura (MEC)
divulgou a Nota Técnica sobre a Portaria MEC Nº 544/2020 e o Parecer CNE/CP Nº
05/2020, que orientaram a reorganização do Calendário Escolar e da
possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento
da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19, em toda as
etapas da educação básica.
Frente a tal situação, o
contexto pandêmico exigiu outras formas de pensar as práticas educativas, em
que professores e educadores desenvolvessem um processo de ensino e
aprendizagem que levasse em consideração as condições sociais, como fator
determinante para a elaboração de material didático, de modo a priorizar as
reais necessidades de aprendizagem dos alunos, tendo em vista os recursos
disponíveis e as condições viáveis da realidade de cada instituição escolar.
Com isso, percebemos que um projeto de ensino necessita considerar “a vida que
se vive” (MARX; ENGELS, 2006 p. 6), a realidade, os desejos, as emoções, as dificuldades,
os sonhos, os desafios dos alunos etc., dado que, se não adequarmos
os conteúdos ensinados ao contexto e às necessidades dos estudantes,
possivelmente não atingiremos o objetivo pretendido com o processo de ensino e
aprendizagem. Desse modo, este artigo assume como objetivo refletir sobre
situações de uso da linguagem no processo de ensino remoto da Língua Portuguesa
no contexto pandêmico.
Para
isso, apresentamos uma reflexão teórica organizada em seções. Inicialmente
trazemos uma perspectiva teórica dos estudiosos da linguagem como processo de
interação, com base nos estudos de Bakhtin (2003), Ilari (2001), Fairclough
(2006), Freitas (1994; 2010; 2017), Isaía (1988), Santos (2015) e Vieira e
Silvestre (2015), incorporando-a à cultura digital.
Em seguida nos apoiamos em Bakhtin (2003; 2009), Freitas (2010; 2017) para refletirmos sobre a linguagem como instrumento mediador no
processo de ensino e aprendizagem, que permite aos professores e alunos
interagirem e estabelecerem relações dialógicas nos ambientes virtuais.
Nesse sentido, partimos da premissa de que é, a partir da
troca de experiências, do processo de compreensão da fala, do diálogo, do
discurso, de intercambiamento de enunciados dos sujeitos envolvidos na
comunicação, que supomos dever existir em um ambiente virtual de ensino e
aprendizagem que se proponha a ser um recurso tecnológico para fins
educacionais.
2 Da linguagem como interação social à
perspectiva do letramento digital
Trazemos como mote inicial as ideias de Franchi (1992 citado
por Ilari, 2001), ao descrever que
há uma relação dialética entre linguagem e realidade, dado que “a língua
organiza o pensamento, produz ideias e compõe o quadro de referências para o
agir do homem no mundo [...] mas o que é fundamentalmente constitutivo é a
capacidade que tem de recriar constantemente essa realidade, uma vez que ela é
histórica” (FRANCHI, 1992 apud ILARI, 2001, p. 12).
Dessa perspectiva, a linguagem é entendida como trabalho social e
histórico que acontece entre sujeitos, para sujeitos e com sujeitos “a
historicidade da linguagem, ao mesmo tempo, cria uma nacionalidade cultural e,
portanto, móvel, e dá-lhe um dinamismo, que a faz ‘aberta
aos trabalhos do entendimento’ e ‘às provocações da imaginação” (grifo do autor).
Desta forma, lançamos um olhar para a questão da utilização da
linguagem nas suas instâncias vivas, considerando que o nosso trabalho com a
linguagem não pode estar desvinculado do mundo real. A exemplo disso, é
perceptível o quanto os aparatos tecnológicos têm revolucionado a comunicação
do homem pós-moderno e representado não somente um meio de se comunicar, mas
também de se instituir modos de relações e interações sociais, haja vista o que
temos vivenciado com o surgimento da pandemia.
Nos
últimos anos vimos as relações anteriormente estabelecidas, na maioria das
vezes, por meio das redes sociais, internet e/ou ambientes virtuais, tomarem um
novo impulso, assim como presenciamos uma revolução na forma como ensinamos e,
consequentemente, na maneira como se aprende, mediada por recursos
tecnológicos. Destacamos que estas mudanças provocadas pela inserção
tecnológica no contexto social e educacional não são iguais às que aconteceram
em tempos passados. Ao estudar sobre esta inserção tecnológica, Prensky (2001) descreveu-a, há 20 anos, como uma mudança radical, singular, ou
seja, sem volta, em que os alunos contemporâneos não
pensariam e processariam as informações como os das gerações passadas. Acerca
disso, advogamos que os professores não podem ignorar tais mudanças e suas
implicações para o processo educativo. Fardo (2013) afirma que os métodos tradicionais de ensino praticados pela maioria das escolas
brasileiras já não são mais capazes de atender as demandas dos alunos que
incorporam cada vez mais as características da cultura digital.
Os alunos de hoje não são os mesmos
para os quais o nosso sistema educacional foi criado. Os alunos de hoje não
mudaram apenas em termos de avanço em relação aos do passado, nem simplesmente
mudaram suas gírias, roupas, enfeites corporais, ou estilos, como aconteceu
entre as gerações anteriores. Aconteceu uma grande descontinuidade. Alguém pode
até chamá-la de apenas uma “singularidade” – um evento no qual as coisas são
tão mudadas que não há volta (PRENSKY, 2001, p. 1).
Verificamos ainda que não ocorreram apenas modificações
comportamentais nos alunos, mas também na forma como estes alunos se comunicam.
No entanto, no que tange ao uso da linguagem no ambiente escolar, nota-se que
de forma lenta e restrita a poucas instituições escolares, o processo de
comunicação sofreu alterações, interferindo na maneira como a linguagem é
utilizada, organizada e no modo como nós, professores, falamos e nos
comunicamos com nossos alunos, uma vez que parte dessa comunicação passou a ser
feita por meio de ambientes virtuais. Ou seja, algumas
instituições escolares, mesmo antes da pandemia, inseriram nas ações
administrativas uma forma de interação com a comunidade por meio do correio
eletrônico, de páginas em redes sociais ou criação de blogs ou sites com divulgação
de ações da instituição, ou, ainda, com a criação de blogs por professores como
forma de socialização de atividades, como destaca a pesquisa de Francisco
(2019). Contudo, muitas escolas só se atentaram para a urgência e necessidade
do uso das tecnologias digitais nas salas de aula com a pandemia, passando a
considerar como importante o desenvolvimento das aulas nos ambientes virtuais. Frente a essa
redefinição da expressão da linguagem mediada pelos recursos digitais, em que
as relações interpessoais alteraram-se, segundo Fairclough (2006), ocorrem
“recontextualizações da linguagem”, ligadas de modo intrínseco a aspectos como:
discurso e linguagem; poder; relações sociais; práticas sociais; instituições e
rituais; crenças; valores e desejos (VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 30).
As
“recontextualizações da linguagem” citadas por Fairclough (2006) e as teorias
desenvolvidas por Bakhtin (2009) se coadunam ao trazerem uma concepção de
linguagem fundamentada em uma perspectiva sociocultural, apontando-a não como
um sistema formal de normas, mas na sua eventicidade, nos enunciados criados e
que sempre geram uma resposta, uma tomada de “posição axiológica” (FREITAS, 2010,
p. 14).
Para
Bakhtin (2003), a linguagem é formada por enunciados, compreendidos para a unidade
da língua que se constitui de pleno sentido, porque dirige-se a alguém e
provoca neste outro uma resposta, por isso
[...]
a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos
socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este
pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence
o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa
desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou
não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada
ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.)
Não pode haver interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal
interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado” (grifo do autor).
Conforme Bakhtin (2003), são os participantes da fala,
juntamente com uma situação social bem precisa ou instituída, que determinam o
estilo e a forma da enunciação. Embora a
situação social, em contexto de pandemia causada pela COVID-19, ser indefinida
e instável, estabelece-se aos participantes da fala (BAKHTIN, 2003) uma
situação distinta, em que professores e alunos precisam assumir outra forma de
comunicação para estabelecer uma condição de ensino e aprendizagem em meio ao distanciamento
social.
Neste contexto pandêmico, fez-se necessário pensar em um
trabalho pedagógico com a linguagem concebido, fundamentado ou determinado por
uma perspectiva social, como dito por Fairclough (2006) e Bakhtin (2003),
considerando, no ensino da língua portuguesa, a eventicidade da língua (gem),
ou seja, promover um ensino da língua materna em que o uso da língua e
linguagem estejam vinculados aos contextos e situações sociais dos quais os
alunos fazem parte e da situação social vivida. Somado a isso, a que se pensar
que o diálogo a ser estabelecido entre professores e alunos, dentro das salas
de aula virtuais, necessita acontecer de uma maneira diferente da que ocorre
presencialmente, pois nesse modo, mesmo que os sujeitos ocupem lugares diferentes
na hierarquia social, a comunicação acontece baseada nos recursos que um e
outro dispõem no momento da interlocução.
Ou seja, mesmo que a bagagem linguística de cada um seja diferente,
tanto professor quanto alunos re(organizam) os enunciados criados para que
estes gerem respostas e haja entendimento. Já o uso da língua(gem) em ambientes
digitais toma uma nova forma, pois a interação verbal que se pretende
estabelecer é mediada por dispositivos digitais que exigem dos sujeitos um
conhecimento básico destes recursos tecnológicos, o que se denomina de
letramento digital (RIBEIRO; COSCARELLI, 2014).
Conforme descrevem Ribeiro e Coscarelli (2014, p.181), o letramento digital pode ser definido como “as práticas sociais de leitura e produção
de textos em ambientes digitais”, o que compreende os usos que fazemos
socialmente de textos em ambientes digitais, propiciados pelo computador ou por
dispositivos móveis, tais como celulares e tablets,
em plataformas como e-mails, redes
sociais na web, entre outras possibilidades.
A definição proposta por Ribeiro e Coscarelli (2014) nos
leva a refletir sobre a necessidade do uso dos aparatos digitais nas aulas de
língua portuguesa para que os alunos experienciem praticar leitura nos
ambientes digitais, dado que muitos destes alunos já fazem uso destes recursos, “navegam” na
internet, se deparam com diversos gêneros textuais, mas ainda não possuem
habilidades e competências para lidar com estes textos como fonte de informação
e aprendizado. Neste
sentido, Xavier (2005, p. 1) alega que:
O crescente aumento na utilização
das novas ferramentas tecnológicas (computador, Internet, cartão magnético,
caixa eletrônico etc.) na vida social tem exigido dos cidadãos a aprendizagem
de comportamentos e raciocínios específicos. Por essa razão, alguns estudiosos
começam a falar no surgimento de um novo tipo, paradigma ou modalidade de
letramento, que têm chamado de letramento digital. Esse novo letramento,
segundo eles, considera a necessidade de os indivíduos dominarem um conjunto de
informações e habilidades mentais que devem ser trabalhadas com urgência pelas
instituições de ensino, a fim de capacitar o mais rápido possível os alunos a
viverem como verdadeiros cidadãos neste novo milênio cada vez mais cercado por
máquinas eletrônicas e digitais.
O referido autor aponta a urgência de as instituições escolares
desenvolverem um processo de ensino e aprendizagem que possibilite aos alunos
dominarem um conjunto de informações e habilidades mentais que os capacite a
viverem como cidadãos neste milênio, não sendo excluídos dos avanços
tecnológicos ocorridos. E o surgimento da pandemia trouxe à tona essa urgência,
fazendo com que as Secretarias de Educação e as escolas desenvolvessem planos e
projetos educacionais para que o processo de ensino tivesse continuidade.
Nessa
direção, atendendo às novas exigências que o contexto pandêmico tem imposto,
para desenvolverem a sua prática pedagógica, os docentes passaram a executar
tarefas complexas referentes à operação dos dispositivos móveis e dos
computadores, apropriando-se dos recursos fornecidos por estas tecnologias. O
ligar e desligar o computador, o uso do mouse, do teclado, da barra de rolagem,
o acessar links e a criação de formulários de respostas on-line são alguns
exemplos de tarefas que nós, professores, passamos a utilizar frequentemente em
nossa prática cotidiana de ensino.
Ribeiro
(2016, p. 21) cita que “o letramento digital parte desse pluralismo”. A autora
afirma que, além destas tarefas já realizadas pelos professores no modo presencial,
passaram a realizar curadoria, selecionando informações relevantes e confiáveis
na web, navegando em sites de pesquisa e definindo a linguagem mais
apropriada a ser utilizada on-line. E isto, segundo a autora, “são exemplos de
competências que ultrapassam o conhecimento da técnica”. (RIBEIRO, 2016, p.
21).
Somado a isso, o
ambiente virtual tem requerido dos professores de língua materna a realização
de “práticas de leitura e escrita diferentes das formas tradicionais de
letramento e alfabetização”, assim como mudanças na forma como se lida com a
leitura, com a escrita e com a linguagem verbal e não verbal, dado que o
suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital.
O contexto
pandêmico trouxe a necessidade de se inserir no processo de ensino e
aprendizagem, como meios para se realizarem as aulas, os aparatos tecnológicos
e as tecnologias digitais. Mesmo aquelas escolas consideradas “desconectadas”
precisaram reestruturar o seu plano de ensino para conseguirem atender ao que o
contexto pandêmico exige. Nesse processo de reestruturação, as instituições
escolares e a comunidade escolar perceberam o quanto é necessário aprender a
operar os dispositivos digitais, assim como buscar formação quanto ao uso das
tecnologias e dos aparatos digitais para conseguirem levar à frente o plano
educacional. Aqui não consideramos apenas a formação técnica, mas também a
mudança de comportamentos e atitudes perante a esse contexto, que também tem
“exigido” dos professores outras posturas quanto ao seu papel de mediador de
aprendizagem. Como
parte do ensino passou a ser realizado on-line, em ambientes virtuais, o
processo de comunicação e interação entre alunos e professores mudou. No
entanto, muitos de nós, professores, não nos sentíamos preparados para fazer uso de tais interfaces nem sala de aula física quanto mais na on-line. Assim,
percebemos que, para darmos seguimento ao processo de ensino, precisávamos
aprender a operar os recursos digitais e a conhecer as tecnologias, mesmo que
de forma básica, para podermos nos comunicar com nossos alunos e instrui-los.
Percebemos ainda que, se tais mudanças e buscas não fossem consideradas,
possivelmente encontraríamos dificuldades em nossa prática pedagógica.
Desse modo, o letramento digital tornou-se uma grande
estratégia para o enfrentamento de problemas relacionados ao uso das
tecnologias e dos recursos tecnológicos e para a superação das dificuldades
surgidas com o distanciamento social, no que tange à comunicação entre
professores e alunos, uma vez que, se o professor não estiver “seguro” acerca
da operação dos recursos digitais ou não estiver “preparado” para solucionar os
possíveis problemas que vierem a surgir durante as aulas on-line, possivelmente
o objetivo traçado para a aula não será alcançado. Da mesma forma, se os alunos
não tiverem um nível básico de letramento digital para operar os dispositivos
digitais, ativando os recursos para que possam aprender por meio deles,
possivelmente terão dificuldade em apreender o conteúdo ora passado pelo
professor. Diante disso, o processo de interação verbal a ser estabelecido
entre o professor e os alunos estará comprometido, dado que ambos são parceiros
da enunciação, visto que a “[...] enunciação é o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados [...]” (BAKHTIN, 2003,
p. 114). Com
base nesta perspectiva de linguagem, Freitas (1994, p. 138) descreve que:
Foi
a partir de uma concepção dialógica da linguagem que Bakhtin afirmou sua
verdadeira substância, constituída pelo fenômeno social da interação verbal. Ignorar a natureza social e dialógica do enunciado seria
apagar a profunda ligação existente entre a linguagem e a vida. Os
enunciados não existem isolados: cada enunciado pressupõe seus antecedentes e
outros que o sucederão; um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podendo
ser compreendido no interior desta cadeia.
Na visão de Bakhtin (2003), observando a organização da
linguagem no que se refere ao tema enunciado (texto) e aos sujeitos da
enunciação, estes se constituem como elementos decisivos na dinâmica do
envolvimento e da vontade enunciativa, ou seja, o querer-dizer do falante ou
locutor é que determinam a escolha do gênero e a realização concreta do
enunciado:
A vontade enunciativa do falante se realiza antes de tudo na escolha
de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de
um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais
(temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição
pessoal dos seus participantes etc. (BAKHTIN, 2003, p. 282, ênfase texto
original).
Ao escolhermos um gênero
discursivo para produzir um determinado enunciado, entendemos que este fará
diferença na forma como nos dirigimos aos interlocutores, pois a enunciação se
define pelas possibilidades deixadas pela esfera/campo de comunicação em que se
dá (ROJO; BARBOSA, 2015). De acordo com Rojo e Barbosa (2015, p. 77), com base
na perspectiva enunciativa discursiva de Bakhtin, os “gêneros discursivos são
as formas de dizer mais ou menos estáveis na sociedade”. Assim, neste contexto
pandêmico, em que as aulas acontecem de forma remota por meio de ambientes
virtuais, que os sujeitos do discurso (professores e alunos) se debruçam sobre
o que aponta Bakhtin (2003) no que se refere às escolhas do gênero do discurso.
O momento tem exigido que nós, professores de língua portuguesa, levemos em
consideração as temáticas a serem abordadas em nossa prática pedagógica, assim
como também na situação concreta e real da qual os nossos alunos fazem parte e
considerar, ainda, quem são estes alunos. Do contrário, estaremos ignorando a
natureza social e dialógica do enunciado e apagando a profunda ligação
existente entre a linguagem e a vida.
Segundo Bakhtin (2003), na relação a ser construída entre
os sujeitos (emissor e receptor), no contexto social, distinguem-se “dois pólos
limites” (Bakhtin, 2003, p. 117) e, tanto um lado quanto o outro tem suas
elaborações ideológicas e tomadas de consciência próprias. Isso quer dizer que,
quando o emissor, em razão de sua atividade mental, provoca uma reação no
receptor por meio de uma informação e, o receptor, consequentemente, responde à
elaboração feita pelo emissor. O receptor toma consciência do que foi elaborado
pelo emissor e estrutura uma resposta por meio de uma elaboração ideológica
própria, a partir de suas experiências e concepções socialmente construídas.
Para explicar sobre a existência de dois polos entre os
sujeitos (emissor e receptor) que intentam construir uma relação, Bakhtin se
utiliza da metáfora da fome para explicar que a maneira como cada indivíduo
enxerga, reage e pensa sobre a fome, depende do contexto e do grupo do qual
este sujeito faz parte. Para Bakhtin (2003), “a situação social determina que
modelo, que metáfora, que forma de enunciação servirá para exprimir a fome a
partir das direções inflexivas da experiência” (BAKHTIN, 2003, p. 119). O autor
elucida que a fome, como um “outro sujeito”, provoca reações diferentes em
sujeitos pertencentes a grupos e contextos sociais diferentes, por isso:
[...] a atividade mental desse indivíduo isolado, sem classe, terá
uma coloração específica e tenderá para formas ideológicas determinadas, cuja
gama pode ser bastante extensa: a resignação, a vergonha, o sentimento de
dependência e muitas outras tonalidades tingirão a sua atividade mental.
(BAKHTIN, 2003, p. 118).
Ao
usar esta metáfora, Bakhtin (2003) explica que, dependendo do grupo social e do contexto
do qual fazemos parte, nele enunciando e expressando, as reações, as respostas
às elaborações e às enunciações feitas “pelos outros”, pertencentes ao nosso
grupo ou não, serão diferentes, dado que cada grupo e contexto social possuem
elaborações ideologicamente diferentes. Da mesma forma, a resposta do receptor
poderá causar no emissor uma mudança de postura ou refazimento de sua
enunciação, sob a condição de, caso não a refaça, não ser compreendido,
incorrendo em uma “construção reta, criada sem considerar os dados concretos da
expressão social” (BAKHTIN, 2003, p. 120). Para o autor, o discurso, a
enunciação e as expressões só são reais quando entram em contato com o contexto
social real e participantes reais nos quais efetivam sua objetivação. Desse
modo, as categorias bakhtinianas do contexto de
produção podem ser resumidas como: (1) parceiros da interação (locutor e
destinatário), (2) objetivos da interação, querer-dizer do locutor, (3) a
esfera onde ocorrerá a interação, que delimita o contexto da situação, com suas
marcas ideológicas, sociais e culturais, (4) tema e (5) o gênero escolhido (e suas
formas realizáveis).
Neste sentido, advogamos que a prática pedagógica do professor de
português no período pandêmico pode ter como base estes subsídios teóricos, em
que a linguagem verbal e multimodal necessita se basear no contexto real, de
modo que os professores, ao construir enunciados, direcionem a prática, a
temática e o gênero a ser ensinado para o “local” onde os alunos vivem, têm
suas experiências, onde aprendem socialmente e culturalmente.
2.1 Interações recíprocas via
linguagem no contexto de aulas on-line
Segundo Freitas (2020, p. 27), a linguagem é de suma
importância, visto que passa a ser um “[...] instrumento mediador que permite
aos professores e alunos entrelaçarem-se no processo de produção do
conhecimento como elementos constitutivos do ensino e da aprendizagem”.
Por ser a linguagem dialógica, por provocar no outro uma
ação responsiva, para Freitas (2020, p. 22), a “[...] prática pedagógica supõe
essas relações interpessoais nas quais ocorrem interações recíprocas via
linguagem de um sujeito ativo com outros sujeitos ativos”. Os dizeres de
Freitas (2020) nos admoesta a pensarmos no ensino da língua portuguesa como
algo dinâmico e que envolve dois sujeitos ativos: de um lado o professor como
mediador do ensino e do outro lado o aluno, que não é um sujeito passivo, que
apenas recebe as instruções do professor, mas alguém que, à medida que se
apropria dos conceitos, os reelabora, buscando novas formas de pensar e
conceber o mundo, construindo seu conhecimento. Mas, para que isso aconteça com
o aluno, o papel do professor como intermediário se torna preponderante, pois
nessa dinâmica, a linguagem se torna um veículo em que os dois sujeitos (alunos
e professores) estabelecem trocas; ora o professor enuncia e o aluno responde,
ora o aluno enuncia e o professor responde). Dessa forma, a aprendizagem vai se
concretizando por meio da linguagem.
Como descreve Isaía (1988, p. 21-34), a linguagem é:
[...]
veículo responsável, não só pela apropriação dos conhecimentos já produzidos e
pela geração de novos, como também pelo repasse dos mesmos. Saliento ainda que,
além de veicular conhecimento, a linguagem incorpora em si as transformações
cognitivas relativas à apropriação deste ao longo da história humana,
determinando assim alterações nas funções psicológicas superiores de todos
àqueles (no caso, professores e alunos) que a utilizam, buscando novas formas
de pensar e conceber o mundo, bem como de operar sobre ele [...] Nesse processo
cognitivo-educativo, [...] cabe aos professores serem intermediadores entre os
conhecimentos, procedimentos e valores, gerados pela cultura humana ao longo de
sua história, e, a diligência dos alunos em adquiri-los, repensá-los e
transformá-los.
Comprende-se
que a linguagem, além de veicular conhecimento, propicia aos sujeitos a
possibilidade de se transformam em seres culturais humanos, encontrando sua
verdadeira localização social e histórica.
Acerca da linguagem, Isaía (1988) argumenta que ela torna
efetivo o conhecimento transmitido e que as transformações intelectuais
ocorridas na história humana são também absorvidas por ela. Isaía (1988)
declara que a linguagem possui uma tripla função: veicular conhecimento, fazer
com que o conhecimento seja absorvido e, uma vez absorvido, causar modificações
no intelecto e na mente dos sujeitos. Desse modo, se é nossa incumbência, como
professores, orientar e direcionar os alunos no processo de apropriação e
obtenção de conhecimentos, é imprescindível que coloquemos à disposição desses
alunos, instrumentos que os possibilitem se apropriar das novidades trazidas
pelos aparatos culturais e tecnológicos e das transformações cognitivas
relativas às essas apropriações e, consequentemente, desenvolverem-se.
Os dispositivos digitais poderão colaborar para o
desenvolvimento intelectual dos alunos se, por meio destas ferramentas, forem
estabelecidas trocas entre sujeitos envolvidos no jogo da comunicação
linguística – trocas de enunciados e estabelecimento de relações dialógicas. No
que tange às trocas de enunciados, o produto destas trocas, “o resultado da
interação de dois indivíduos socialmente organizados” (BAKHTIN, 2003, p. 114),
ou seja, a enunciação, é determinado pelo grupo social ao qual pertence os
locutores (emissor e receptor/professor
e aluno) e pelo contexto/situação social onde o diálogo ocorre. Bakhtin (2003,
p. 114, grifo do autor) nos diz que “Qualquer que seja o aspecto da
expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da
enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais
imediata”.
É
a situação social mais imediata que determina a enunciação. Desse modo,
a maneira como os professores enunciam, para quem
enunciam e porque enunciam, é determinada pelo contexto/situação social e em
condições reais para que essa enunciação não se configure em uma “enunciação
monológica”.
Bakhtin (2003) afirma que a “enunciação monológica se apresenta
como um ato puramente individual, de seus desejos, suas intenções, seus
impulsos criadores, seus gestos, etc.” (BAKHTIN, 2003, p. 113), mas que não “se
configura como expressão, pois tendo se formado e determinado de alguma maneira
no psiquismo do indivíduo”, não “exterioriza-se objetivamente para outrem com a
ajuda de algum código de signos exteriores”. O autor explica que, “atividades
mentais isoladas, ou mesmo sequências inteiras podem tender para o pólo do eu,
prejudicando assim sua clareza e sua modelagem ideológica, e dando provas de
que a consciência foi incapaz de enraizar-se socialmente” (BAKHTIN, 2003, p.
117). Compreendemos assim, que para que haja enunciação é necessária a
existência de dois interlocutores, socialmente organizados, para que as trocas
de enunciados e relações dialógicas aconteçam. Nos dizeres de Bakhtin, “[...] a
situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo
ocasionais da enunciação. Os estratos mais profundos da sua estrutura são
determinados pelas pressões sociais mais substanciais e duráveis a que está
submetido o locutor” (BAKHTIN, 2003, p. 116).
Como já dito, a enunciação é determinada pelos
participantes no ato da fala e pela situação que dá forma a esta enunciação. O autor mencionado
afirma que é o contexto social que determina quais
serão os ouvintes possíveis, amigos ou inimigos, e para quais a consciência
será orientada. O conhecimento do contexto social e do grupo participante são
determinantes para a forma como nos dirigimos para outros sujeitos. O autor
defende, ainda, que a situação social determina certo modelo de expressão, de
metáfora, ou forma de enunciação, tipos de trocas e de relações dialógicas que
serão utilizadas e estabelecidas entre os sujeitos envolvidos no diálogo ou no
processo de comunicação.
Nas trocas e relações dialógicas, é necessário que um
processo de compreensão responsiva seja organizado. Bakhtin (2003, p. 271)
alega que “Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza
ativamente responsiva [...] toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou
naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante”, e continua:
“compreender é opor à palavra do outro uma contrapalavra”, haja
vista que, ao “Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em
relação a ela, encontrar seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada
palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos
corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica (BAKHTIN, 2009,
p. 137, grifo do original).
Segundo Freitas (2010, p. 5), “esse processo compreensivo
bakhtiniano supõe duas consciências, dois sujeitos que se interpenetram, intercambiam
enunciados, buscam respostas,
resistem, argumentam e se alteram mutuamente”. Vale dizer que o discurso
proferido pelos sujeitos envolvidos no processo de comunicação é dotado de
reversibilidade, ou seja, uma vez materializado (expresso), exercerá um efeito
na mente do receptor. O receptor da mensagem reagirá e, consequentemente,
responderá ao emissor a partir de seu estado de consciência, de suas
experiências vivenciadas no contexto e grupo social dos quais participa.
Diante
do exposto, concordamos com Lopes, Vieira e Gabriel (2020, p. 6) ao falarem
da
[...] importância de utilizar uma linguagem contextualizada como forma de
aumentar as possibilidades de comunicação em situações reais; a linguagem
compreendida como um instrumento facilitador no processo da comunicação
interativa; o impedimento de engessar a linguagem, pois a tecnologia é
movimento, ou seja, está em constante renovação; a clareza de que as formas
tradicionais de escolarização já não são mais suficientemente adequadas para atender
a diversidade de alunos em instituições de ensino, requerendo um ajuste do
sistema educativo como a inserção de TIC’s [...].
Dado
que as tecnologias digitais e os ambientes virtuais se renovam constantemente,
há que pensarmos que a linguagem não é engessada, estática. Desse modo, como
defendido por Faircloug (2006), nós, professores de língua portuguesa,
necessitamos “recontextualizar a linguagem”, adequando-a ao ambiente virtual de
ensino, pois, do contrário, não alcançaremos o nosso objetivo, transpondo para
o ambiente virtual o que é próprio do presencial.
2.2 Situações
de ensino e aprendizagem da língua portuguesa em contexto de pandemia
Com o distanciamento social e
com a necessidade de utilizarmos os recursos tecnológicos, tivemos que reconfigurar
a nossa prática pedagógica, inserindo nela tais aparatos. Para conseguirmos dar continuidade ao processo de ensino de língua
portuguesa neste período de pandemia, nos valemos de algumas estratégias. Como
muitos professores não se utilizavam destes recursos em sala de aula, a
Secretaria Municipal de Educação do município desenvolveu, no período de 16 a
27 de julho de 2020, uma formação com o intuito de preparar os docentes para
enfrentar a nova realidade que se apresentava.
Após um
planejamento cuidadoso da Secretaria de Educação, inicialmente, nós,
professores, passamos pelo período de treinamento que abordou temas
didático-pedagógicos (Ensino Remoto Emergencial: possibilidades e desafios,
Planejar: significado, pertinência e relevância em tempos de Ensino Remoto para
podermos levar adiante o processo de ensino e aprendizagem, Estilos de
Aprendizagem: Inteligências múltiplas, Saúde do professor e cuidados com a
Pandemia, Elaboração de material didático), como também sobre usos das
tecnologias digitais, aparatos tecnológicos, ferramentas e plataformas digitais
(Google Meet, Google Classroom, GSuíte for Education, Google Hangout, Google
formulários etc).
O treinamento
proposto nos levou a refletir sobre as possibilidades de uso das tecnologias
digitais em sala de aula, considerando as condições de acesso, fluência
tecnológica e conhecimento dos alunos e dos professores acerca de tais
tecnologias para aprendizagem. Terminado o treinamento, passamos a elaborar o
material didático, chamado de REO (Roteiro de Estudos Orientados), um documento
orientador aos estudantes em seu processo de aprendizagem. Tal documento trazia
algumas perguntas (O que? (do que se tratava); Por que? (a razão do assunto do
material didático); Para que? (o objetivo daquele conteúdo); O que já sabemos
(retomada sobre conteúdos já aprendidos); O que vamos aprender? (apresentação e
explicação do conteúdo a ser aprendido); O que preciso fazer para aprender?
(orientações sobre estratégias de aprendizagem)), que tinham como objetivo desencadear
ações de aprendizagem, possibilitando ao aluno compreender o porquê de
determinados conteúdos e atividades estarem sendo abordados naquele material.
Em seguida, os
professores de cada instituição escolar criaram grupos de cada turma no
Whatsapp para estabelecerem contato e se reaproximarem dos alunos. Os grupos
criados foram utilizados para os professores orientarem os alunos sobre como as
aulas seriam realizadas, sobre como e quais ambientes virtuais seriam
utilizados, frequência das aulas, disponibilização de material didático,
devolutiva das atividades etc. Quanto ao como e quais dispositivos ou
plataformas digitais utilizaríamos, fizemos, antes de começarem as aulas
on-line, alguns workshops com os
alunos e seus responsáveis, ensinando-os a acessarem e realizarem atividades
nestes dispositivos (Figura 1).
Estes workshops foram gravados e
disponibilizados para os alunos em nosso canal no Youtube.
Figura 1: 1º Workshop com pais e
alunos sobre uso de aplicativos e dispositivos digitais nas aulas on-line de
língua portuguesa. (https://youtu.be/H6u8wcYwV_o)
Fonte: Dos autores (2021)
No 2º semestre de 2020,
utilizamos os REOS (Roteiros de Estudos Orientados), disponibilizando-os no
formato pdf no Google Classroom e, ao mesmo tempo, este mesmo material era
impresso pela Secretaria de Educação e enviado para as escolas para os alunos.
Os alunos retiravam o material na escola e, depois, devolviam com as respostas.
No início de 2021, devido ao
agravamento da pandemia, a Secretaria de Educação do município redefiniu os
modos como as aulas seriam desenvolvidas e como o material seria
disponibilizado para os alunos. Então, passamos a utilizar com mais frequência
os grupos das turmas no Whatsapp e a plataforma digital Google Meet. Por meio
dos grupos no Whatsapp damos avisos e enviamos o material didático para os
alunos no formato pdf (que passou a ser chamado de PAC - Plano de Atividades em
Casa) etc., como pode ser visto nas Figura
2, 3 e 4, abaixo.
Figura 2, 3 e 4:
Avisos, informações sobre o horário e link para
acesso às aulas e material didático (PAC) em formato pdf enviados para os
alunos
Fonte: Dos autores (2021)
O PAC traz a mesma estrutura
do REO, apenas com algumas poucas modificações. Ele é enviado para os alunos
quinzenalmente e, no final destes 15 dias, as respostas são enviadas para os
professores. Inicialmente, os alunos tiravam fotos das respostas e enviavam
para o professor da disciplina, no privado. Posteriormente, passamos também a
utilizar o Google Formulários (Figura 5),
um serviço gratuito para
criar formulários online, em que o usuário pode produzir pesquisas de múltipla
escolha, fazer questões discursivas, solicitar avaliações em escala numérica,
entre outras opções, como mais uma opção de uso das tecnologias digitais em
sala de aula.
Figura 5:
Formulário disponibilizado no Google Formulários para respostas on-line
Fonte: Dos autores (2021)
Neste novo processo de ensinar e aprender, fomos, o tempo
todo, orientados pela Secretaria de Educação, que nos deu todo aporte
necessário. No entanto, a prática pedagógica, o como ensinar, as metodologias e
as estratégias a serem utilizadas no desenvolvimento das aulas on-line
constituíram-se como responsabilidade do professor. Diante disso, cada professor
necessitaria buscar o seu caminho, a sua forma de dar aula neste novo formato,
ou seja, on-line.
Posto isto, para as aulas de língua portuguesa on-line nos apoiamos nos dizeres de Bakhtin (2003), no que tange ao uso da
linguagem, levando-se em consideração os elementos (sujeitos) participantes do
jogo linguístico para escolhermos os gêneros a serem trabalhados e a realização
concreta do enunciado. Nos pautamos em planejar e organizar as aulas, que
passaram a ser realizadas on-line e remotamente, considerando a “situação
concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes
etc”. (BAKHTIN, 2003, p. 282).
A situação concreta
de comunicação foi determinada pelo distanciamento
social imposto pela pandemia, assim como pelo contexto social dos alunos. Em
nosso caso, os alunos vivem na zona rural e, grande parte deles, não tem acesso
à internet e não possuem recursos tecnológicos (computadores, celulares, tablets ou qualquer dispositivo digital)
para acompanhar as aulas. Optamos, então, por oferecer aos alunos o material
didático on-line (via Whatsapp) e também impresso. Para os alunos com acesso à
internet, as atividades estariam disponibilizadas pelo Whatsapp, enviariam as
respostas por meio de fotos e diretamente no Google Formulários e, para aqueles
que sem acesso à internet, pegariam as atividades na escola, devolvendo, após
15 dias, apenas o gabarito respondido, contido no PAC.
Na Figura 6, vemos um exemplo de como
desenvolvemos uma de nossas aulas on-line. Nas aulas on-line pelo Google Meet,
escolhemos estruturá-las da seguinte forma: Boas-vindas,
Leitura deleite, Estudo do vocabulário e Correção
das atividades do Plano de Atividades em Casa (PAC).
Figura 6: Estrutura da aula on-line de língua
portuguesa
Fonte: Dos autores (2021)
Nas Boas-vindas, procuramos nos reaproximar
dos alunos, criando um clima descontraído, para que os alunos se sintam à
vontade para exporem suas preocupações, seus anseios, dúvidas e expectativas.
Na Leitura Deleite, traçamos como objetivo trabalhar a leitura na
perspectiva de que os alunos precisam de bons modelos de leitores, ou seja,
para que os alunos se interessem pela leitura e se tornem bons leitores, é
necessário que eles tenham os professores como seus exemplos de leitores.
Então, para esse momento da aula, trazemos para os alunos um gênero textual
definido antecipadamente, escolhendo a modalidade de leitura de acordo com uma
intencionalidade. O texto apresentado na aula do dia 22/03/2021 (Figura 6) é um conto, escrito pelo
professor da disciplina de língua portuguesa, que fala do surgimento da
comunidade rural onde os alunos moram. A intenção era levar os alunos a
conhecerem a história do lugar onde moram, seus personagens, sua cultura e seus
valores. Além disso, conscientizar os alunos sobre a importância da leitura
(“Ler para quê?”): para se divertir, para localizar informações, para saber
mais, para tirar dúvidas, para escrever, para aprender a montar alguma coisa,
para identificar a intenção do escritor e construir e re(construir) significados,
para descobrir o que deve ser feito ou para revisar, buscando erros e
inadequações etc. (OLIVEIRA; ARAUJO, 2018, p. 15). Na dinâmica da leitura,
seguimos alguns procedimentos preparando os alunos para leitura, tais como:
começar pelo título, verificando que pistas estão presentes nele; discutir
sobre as expectativas dos alunos com relação ao texto a ser lido; levantamento
de hipóteses, etc. Durante a leitura, optamos por realizá-la na forma oral compartilhada (como estratégia para o
desenvolvimento, por exemplo, das propostas de atividades que ocorrem durante a
leitura), leitura dirigida (solicitando que o aluno leia o
trecho de que mais gostou, que mais o emocionou, que lhe transmitiu determinada
ideia) e, posteriormente, fazermos interpretação
oral. Na interpretação oral,
focamos, principalmente, em perguntas que fazem com que os alunos identifiquem
o tema do texto, tais como “De que trata o texto? ” e “O que o texto nos diz de
mais importante?”. E, para finalizarmos o momento de leitura, incentivamos os
alunos a fazerem comentários sobre algum aspecto do texto (se gostaram, se não
gostaram ou se dariam um outro fim para a história).
No Estudo do vocabulário do
texto, ensinamos aos alunos sobre a importância de se pesquisar os
significados das palavras: que ao se trabalhar com a pesquisa/procura de
palavras, desenvolvemos competências e habilidades como seleção de informações,
aprendemos a lidar com o dicionário ou com um tipo de pesquisa pela internet
que exige de nós atenção para selecionar, entre tantos sites, aquele(s) que
terão o que realmente procuramos e aprendemos e, também, a selecionar a
expressão/vocábulo que defina corretamente a palavra procurada. Ainda
explicamos que a pesquisa do significado das palavras enriquece o vocabulário e
que todas as palavras possuem sinônimos, e que eles nos ajudam no momento da
escrita. Na Correção das atividades dos
PACs, tomamos as atividades postadas no grupo de Whatsapp de cada turma e
realizadas pelos alunos, esclarecemos suas dúvidas e as corrigimos.
As aulas de língua portuguesa
on-line são baseadas em um processo de comunicação interativa, na qual é o
contexto social dos alunos que determina a maneira como a linguagem é
utilizada.
A nossa prática de ensino de língua portuguesa, principalmente durante o contexto
de pandemia, em que estivemos distantes de nossos alunos, necessitou contemplar
um ensino em que procuramos ensinar não apenas a escrever, mas principalmente a
pensar; a pensar com eficácia e objetividade, e a escrever sem a obsessão do
purismo gramatical, mas com a clareza, a objetividade e a coerência
indispensáveis para fazer da linguagem, oral ou escrita, um veículo de
comunicação. Aproveitamos o contexto em que vivemos para ensinar nossos alunos
a pensar, a encontrar ideias, a organizá-las, a coordená-las, a concatená-las e
a expressá-las por meio da linguagem de maneira eficaz, isto é, de maneira
clara, coerente e enfática, isto é, a fazer uso da linguagem para estabelecer
comunicação.
Assim, em meio ao contexto pandêmico, o conhecimento básico dos
recursos tecnológicos, das tecnologias e os seus usos demonstraram que o
trabalho pedagógico com linguagem
pode acontecer em suas instâncias vivas, ou seja, por ser “social por
excelência e qualquer processo que a envolva também o é.” (SANTOS, 2015, p. 20),
é na interação verbal – produto da relação de dois sujeitos – que a linguagem
se materializa em enunciados. Em vista disso, os professores, mesmo que
minimamente letrados digitalmente, puderam utilizar
dos recursos tecnológicos digitais para interagirem com seus alunos,
utilizando-se da língua(agem) em sua inventividade, em que os enunciados
criados por um e por outro geraram respostas, possibilitadas pelo uso de tais
recursos.
Considerações finais
O professor de língua portuguesa que se proponha a ensinar
conteúdos por meio de um ambiente virtual, necessitará pensar cuidadosamente em
como estes serão e estarão dispostos no ambiente virtual. Além disso, pensar
também em como os enunciados serão construídos, dado que precisarão ser
adaptados ao contexto imediato (ambiente virtual e contexto social/real dos
alunos), utilizando-se das linguagens próprias do recurso tecnológico
escolhido, assim como ter clareza de quem são os interlocutores, sujeitos
concretos participantes daquele contexto de ensino e aprendizagem. A não
observância desses fatores poderá incorrer em uma “construção ideológica
incorreta, criada sem considerar os dados concretos da expressão social”
(BAKHTIN, 2003, p. 120).
Em
outras palavras, ao pensarmos em ensinar por meio de um ambiente digital,
alguns aspectos se mostram relevantes para melhor compor a linguagem, tais como
conhecermos e sabermos como o recurso funciona, de modo a adaptarmos os
conteúdos ao tipo de recurso tecnológico que pretendemos utilizar, para que tal
recurso não seja utilizada para mera transposição do conteúdo presente nos
livros didáticos, apostilas ou outros suportes, para o ambiente virtual.
Compreendemos que, caso isso aconteça, estaremos cometendo uma “construção ideológica incorreta”, conforme diz Bakhtin
(2003, p. 120), gerando “interferências e distorções” no processo de
ensino e aprendizagem, uma vez que a
maneira como os aprendizes/leitores fazem leitura, aprendem por meio de
suportes impressos, lidam com esses suportes e processam as informações
presentes neles, difere da forma como leem, aprendem, se comunicam e lidam com
informações obtidas por meio de textos digitais e da tela do computador.
Os conceitos teóricos de Bakhtin (2003), no que
concerne ao jogo da comunicação linguística, nos faz compreender que o contexto
social e as trocas estabelecidas entre os participantes do grupo social
determinarão as condições em que o diálogo se situará e se a comunicação se
efetivará. Tais conceitos nos fazem refletir sobre como os ambientes virtuais
de aprendizagem devem ser e estar estruturados, no que diz respeito ao
potencial interativo e comunicacional, dado que todos os conteúdos, os
enunciados e as linguagens a serem utilizadas precisam favorecer o processo de
ensino e aprendizagem, assim como também o processo comunicacional, uma vez que
os participantes envolvidos na situação de ensino e aprendizagem fazem parte de
um contexto e grupo social real. Bakhtin
(2003, p. 124) proclama que “o centro organizador de toda enunciação, de toda
expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que
envolve o indivíduo”.
Vale ressaltar que, neste contexto, não deve prevalecer apenas o
desejo do professor ou aquilo que está direcionado no livro didático que
utiliza. Pois, tudo o que for planejado e organizado necessita ter como
princípio motivador o contexto social em que vivem os alunos, para que as
distâncias física, social, psicológica, emocional e cultural não sejam
acentuadas, mas antes minimizadas.
O período em que estamos vivendo se constitui em uma
oportunidade para trabalharmos, mais assiduamente, o aprimoramento da escrita
dos alunos ou da aprendizagem de gramática, como também com a linguagem verbal
e multimodal, orientando os alunos a pensar, a se expressar com clareza e
objetividade, de modo a saberem o que, como e para quem dizer, escrever ou
postar.
Advogamos que seja essencial que os professores de
português tenham o propósito de ensinar o estudante a desenvolver a sua
capacidade de raciocínio, a servir-se do seu espírito de observação para colher
impressões a respeito do contexto que os cerca, a formar juízos, a descobrir
ideias para ser tanto quanto possível exato, claro, objetivo e fiel na
expressão de seu pensamento. Considerando que o ensino da língua se refere ao
ensino da linguagem como forma de interação e intervenção social, de
expressividade e comunicabilidade, advogamos que as situações de ensino remoto
vivenciadas estimularam a compreensão do contexto da linguagem, do porquê, do
para quê e para quem se escreve, em que a compreensão responsiva complementa o
texto emitido pelo outro, pelo fato de ser “[...] ativa e criadora. O sujeito
da compreensão não pode excluir a possibilidade de mudanças e até de renúncia
aos seus pontos de
vista e posições já prontos. No ato da compreensão desenvolve-se uma luta cujo
resultado é a mudança mútua e o enriquecimento” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009, p.
378).
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Horizonte: Autêntica, 2005.
Recebido
em: 28/08/21
Aprovado
em: 10/09/21
[1] Mestre em Educação
pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) (2019), Especialista em UEI (Uso
Educacional da Internet) pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS(2014), Graduado em
FILOSOFIA pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI/MG (2009), Graduado em
LETRAS com licenciatura em Português e Inglês pelo CENTRO UNIVERSITARIO DE
LAVRAS - UNILAVRAS (2000), Técnico em Processamento de Dados pela Escola da
Comunidade Juventino Dias - CENEC/LAVRAS/MG)(1995), Professor do Ensino Básico
nas disciplinas de Língua Portuguesa e Língua Inglesa na Prefeitura Municipal
de Lavras/MG. Áreas e temáticas de interesse: análise do discurso, tecnologias
na educação, formação docente, metodologias de ensino de línguas, ensino
técnico e profissional. E-mail: ferriceliuei2014@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5357-3617
[2] Doutora em Educação
pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (2013). Mestre
em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
(2009), na Área: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte. Especialista em
Psicopedagogia pela UCB (2005). Graduada em Letras, pela Fundação de Ensino
Superior do Vale do Sapucaí (1997). Professora Ajunto A, classe A, do
Departamento e Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Lavras. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Ensino-Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas:
história da literatura didática brasileira, cultura material escolar, leitura,
livro, leitor, alfabetização e práticas de leitura. Coordenadora Adjunta do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Lavras.
Coordenadora do Núcleo de Estudos em Linguagens, Leitura e Escrita (NELLE) e do
Grupo de Pesquisa Linguagem, Leitura e Cultura Escrita, da Universidade Federal
de Lavras. Atuou como Coordenadora do curso de Pedagogia, da Universidade
Federal de Lavras (2014-2018). Atuou como coordenadora Adjunta do Programa de
Pós-graduação em Educação (2018-2020). Atuou no Conselho Editorial da Revista
Devir Educação, da Universidade Federal de Lavras (2016-2019). Membro do
Conselho Editorial da Editora UFLA. Membro do Comitê de Ética de Pesquisa com
Seres Humanos COEP, da Universidade Federal de Lavras. Membro da Associação de
Leitura do Brasil (ALB), desde 2008, da Associação Brasileira de Alfabetização
(ABAlf), desde 2014. Membro da Rede de Pesquisadores sobre Leitura Literária,
Arte Narrativa e Contação de Histórias. E-mail: ilsa.vieira@uol.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9469-2962