Educação
Social e Infância: os jogos e brincadeiras em instituições socioeducativas de
Ivaiporã-PR.
Social Education and Childhood: games and recreation in social and
educational institutions in Ivaiporã-PR.
Educación Social e Infancia: el juego en las instituciones sociales y
educativas de Ivaiporã-PR
Lucas Henrique da Luz[1]
Paula Marçal Natali[2]
Verônica Regina Müller[3]
Resumo
Esta pesquisa tem como foco os meandros
constitutivos da atuação de educadores/as sociais com base na linguagem dos
jogos e brincadeiras com crianças e adolescentes em instituições educacionais
ligadas às políticas públicas e sociais de proteção no âmbito nacional,
chamadas de Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFVs, na
cidade de Ivaiporã-PR. A investigação de cunho qualitativo, foi organizada como
um estudo de caso e constituída por entrevistas com educadores/as sociais
analisadas a partir da Análise de Conteúdo. Como resultado, podemos apontar que
os educadores/as não tem uma formação consistente na área o que implica no não
consenso das funções e objetivos de trabalho, no não reconhecimento como
profissional educador/a social, fazendo com que as atividades se desenvolvam em
sua maioria como ocupação do tempo livre das crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Educação Social. Infância. Ludicidade. Formação e Atuação.
Abstract
This research focuses on
the constitutive intricacies of the performance of social educators based on
the language of games and recreational activities with children and adolescents
in educational institutions associated with public policies and social
protection at the national level, called Community and Bond Strengthening
Services - SCFVs, in the city of Ivaiporã-PR. The qualitative research was
organized as a case study and consisted of interviews with social educators
analyzed using Content Analysis. As a result, we can point out that the
educators do not have a consistent training in the area, which implies in the
lack of consensus on the functions and objectives of the work, and in the lack
of recognition as a professional social educator, leading to the development of
activities mostly as an occupation of the free time of children and
adolescents.
Keywords: Social Education.
Childhood. Playfulness. Training and Performance.
Resumen
Esta investigación se ha centrado en los
meandros constitutivos de las acciones de los educadores sociales basadas en el
lenguaje del juego y llo lúdico con niños y adolescentes en las instituciones
educativas vinculadas a las políticas públicas y de protección social a nivel
nacional, llamadas Servicios de Fortalecimiento Comunitario y de Vínculos -
SCFVs en la ciudad de Ivaiporã-PR. La investigación, de carácter cualitativo,
se organizó como un estudio de casos y consiste en entrevistas con educadores
sociales analizadas a partir del Análisis de Contenido. Como resultado, podemos
señalar que los educadores no tienen una formación consistente en el área, lo
que implica la falta de consenso sobre las funciones y objetivos del trabajo,
la falta de reconocimiento como educador social profesional, provocando que las
actividades se desarrollen mayormente como una ocupación del tiempo libre de
los niños y adolescentes.
Palabras clave: Educación social. La
infancia. Lo lúdico. Formación y rendimiento.
1. Introdução
Criança
desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não
te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te
graça por nunca te ter visto antes,
E
naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem
aqui vinhas.
Brinca
na poeira, brinca!
Aprecio
a tua presença só com os olhos.
Vale
mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque
conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E
nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar [...].
Alberto Caeiro, em Poemas
Inconjuntos
Alberto Caiero nos descreve a visão de uma
criança que brinca na poeira, enxergando-a como desconhecida e sua ação se
torna motivo de sua apreciação, tal ideia de criança “brincante” nem sempre
existiu como concebemos hoje, assim como a ideia de infância constitui-se como
uma concepção contemporânea, pois no navegar do tempo à criança esteve sujeita
a diversas interpretações de si mesmas geradas por outrem (SARMENTO, 2003).
Deste modo, entendemos que “a infância está
em processo de mudança, mas mantém-se como categoria social, com
características próprias” (SARMENTO, 2003, p. 10). À infância do passado já não
constitui a mesma de hoje, ela se transforma, se cria e recria-se com as novas
culturas e suas características particulares, não temos a mesma criança da
Idade Média, e dentre as crianças contemporâneas as suas infâncias são
variáveis e diferentes entre si.
Este trabalho apresenta como foco a
atuação de educadores/as sociais com base na linguagem dos jogos e brincadeiras
com crianças e adolescentes em instituições educacionais ligadas as políticas
públicas e sociais de proteção no âmbito nacional, chamadas de Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFVs, na cidade de Ivaiporã-PR.
O contexto de discussão deste artigo
versa sobre o fato de que no país temos em média 177 mil educadores e
educadoras sociais atuando no âmbito do SUAS (SUAS, 2020), dentro do sistema é que se enquadra os
SCFVs. Estes educadores e educadoras são da área da educação, no SUAS e não tem
formação específica e institucionalizada para subsidiar este trabalho, neste
caso, a exigência para o trabalho é o ensino médio - em um movimento contrário ao que se dá na
educação escolar, por exemplo.
Está pesquisa foi realizada em Ivaiporã-Paraná
com um total de oito educadores/as sociais que trabalham em instituições
socioeducativas denominadas Serviço de Convivência e Fortalecimentos de
Vínculos. A cidade de Ivaiporã-PR tem três SCFVs, que são: Projeto Renascer,
Casa de Vivência-Casa do Adolescente e Centro da Juventude que visam, segundo
seus documentos, trabalhar o desenvolvimento integral dos sujeitos da educação,
garantia da autonomia e a produção e acesso ao patrimônio cultural, político,
artístico, esportivo, tecnológico, etc (LUZ, 2017).
Conforme explica Natali (2016), estes
educadores/as forjam seus saberes em movimentos populares, em grupos sociais e
também de forma autodidata, chegando a muitas vezes ingressar neste por
concurso público e admitir em entrevistas realizadas que não conhecem os
meandros e especificidades da profissão.
Este trabalho é parte do projeto de
pesquisa intitulado “Educação
Social e Ludicidade: Configurações e
Trajetórias na Infância
e adolescência” realizado na
Universidade Estadual de Maringá – UEM, englobando pesquisas e
estudos em quatro munícipios do Paraná. A pesquisa apresenta aprovação do
Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos – COPEP, pela
Universidade Estadual de Maringá (CAAE62838116.0.0000.0104). Os dados aqui expostos
são fruto de uma pesquisa de iniciação cientifica que pertence ao projeto de
pesquisa intitulada “Formação e atuação de educadores/as sociais: a ação
educativa com jogos e brincadeiras nos serviços de convivência e fortalecimento
de vínculos no município de Ivaiporã-PR”[4]
e trata da atuação de educadores e educadoras sociais sob a ótica do trabalho
educativo com jogos e brincadeiras.
Neste texto visando a construção da
análise da atuação destes profissionais nas instituições estudadas, vamos
tratar de: aspectos da cultura lúdica e da infância e a atuação dos/as
educadores/as sociais nas instituições socioeducativas do município de
Ivaiporã.
2. Metodologia
Este estudo
se enquadra na pesquisa de cunho qualitativo, onde, fizemos uso do método de
observação participante, como pressuposto para conhecer e analisar os SCFVs e
entender como se constitui as práticas educativas com base na linguagem de
jogos e brincadeiras nestes espaços.
Conseguinte,
recorremos a entrevista semiestruturada com os/as educadores/as sociais, que
pode ser entendida como aquela que tem como princípio questionamentos gerais,
com base nas teorias e hipóteses criadas e encontradas na construção da
pesquisa, para que, concomitantemente se crie um amplo campo de possibilidades
de interrogação e questionamentos, gerando novas perguntas e hipóteses que
surgem conforme o pesquisador recebe as respostas dos sujeitos da pesquisa
(TRIVIÑOS, 1987).
A entrevista
semiestruturada mescla perguntas fechadas que possibilitam a criação de novas
questões abertas, onde o pesquisador abre a possiblidade para que o/a
educador/a entrevistado/a responda sem ter a necessidade de se fixar na questão
inicial (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2012).
Para
construção da pesquisa, como primeira etapa: contatamos as instituições e
apresentamos a proposta obtendo permissão para realização da mesma. Em um
segundo momento entramos em contato com os/as educadores/as sociais que
aceitaram participar da pesquisa, totalizando oito educadores/as.
O material
fruto das observações e entrevistas estão neste texto em itálico e as
interferências dos/as pesquisadores/as dentre as falas estão em colchetes. Com
intuito de preservar a identidade dos/as sujeitos/as pesquisados/as, as
entrevistas apresentam nomes fictícios.
Para análise
do material obtido das transcrições das entrevistas semiestruturadas, nos
amparamos nas técnicas de análise de conteúdo de Bardin (1977) que podem ser
entendidas como:
[...]
conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos, sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos as condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens (BARDIN, 1977, p. 42).
Nesse
processo evidenciamos as categorias: atuação e formação,
buscando analisar os objetivos, conteúdos e como a brincadeira é trabalhada nas
instituições pelos/as educadores/as sociais. Neste recorte, evidenciamos a
atuação profissional com jogos e brincadeiras. Por fim, no decorrer deste artigo
analisamos as relações da atuação e formação dos/as educadores/as sociais no
ambiente prático dos Serviços de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos da
cidade de Ivaiporã-PR sob a perspectiva da cultura lúdica e da sociologia das
infâncias.
3. Resultados e Discussão
Para Educação Social assumida neste texto,
apropria-se do conceito da pesquisadora Cléia Renata Teixeira de Souza,
entendo-a com uma:
A
Educação Social apresenta como ações da área:
[...]
detectar as situações demandadas ou não, estabelecer contato, conversar,
orientar na situação específica, acompanhar em demandas ou
necessidades/dificuldades específicas, oferecer ensinamentos práticos, elaborar
planos conjuntos individuais e ou coletivos/comunitários, apresentar
possibilidades concretas de ação no presente visando o futuro, promover
inserção na funcionalidade da vida onde o sujeito vive, apresentar
possibilidades concretas de participação no âmbito cultural, analisar
criticamente a situação e ensinar sobre a análise crítica com base nas ciências
humanas para buscar sentidos naquela realidade, registrar e avaliar o trabalho,
entre outros processos e ações educativas sociais dirigidas
didático-metodologicamente à promoção da formação e do desenvolvimento humano
pleno dos sujeitos (AESMAR, 2021, p. 02).
O/a Educador/a para cumprir sua função
pode utilizar de conteúdos que servem como fios condutores para trabalhar seus
objetivos da profissão. A linguagem de jogos e brincadeiras pode por exemplo,
ser um meio para que educadores/as realizem formação política com crianças e
adolescentes, assim, as possibilidades são finitas e auxiliam na ação educativa
e aproximação com os/as educandos/as. Segundo Natali:
Os conteúdos que podem ser aplicados na Educação
Social têm uma dimensão impossível de ser mensurada, visto que diferem entre os
grupos, pois dependem muito das características culturais, do local em que se
trabalha, do objetivo, entre outros fatores (NATALI, 2016, p. 81).
O/a
educador/a social realiza [...] ações particulares em que um agente de educação
transmite conteúdos (do amplo patrimônio cultural) considerados necessários
para uma disciplina de educação. (NUÑEZ 2004, p. 40, tradução nossa). Assim,
os jogos e brincadeiras utilizados pelo/a educador/a social devem contribuir
para que o/a mesmo/a consiga “mediar e formar pessoas, famílias, comunidade,
apresentando conteúdos culturais, políticos e cívicos com o intuito de
instrumentalizar os/as sujeitos/as para a sua emancipação social” (BAULI;
MÜLLER, 2020, p. 388-389).
Assim como seus amplos conteúdos, o campo
de atuação da Educação Social abrange: “Escola Institutos, ONGs Hospitais,
Setores da política pública da educação, esporte, assistência social, saúde,
SINASE SUAS Sistema Nacional de Educação Sistema de Direitos Humanos” (BAULI,
MÜLLER, 2020, p. 390). Ou seja, se faz presente tanto dentro das instituições
educativas, como fora das mesmas e no caso deste texto, os Serviços de
Convivência e Fortalecimentos de Vínculos.
O conteúdo analisado neste artigo é a
cultura lúdica e o trabalho com jogos e brincadeiras. Para isto, compreendemos
que a cultura lúdica que é produzida pela criança não se faz separada da
cultura geral, todo o ambiente e as condições que a cerca indiretamente a
influencia na construção das culturas da infância, desde as regras impostas
pelos pais, as características do ambiente escolar, dentre tantos outros
fatores vão contribuir para formulação da experiência lúdica mesmo que por meio
de uma interação simbólica (BROUGÈRE, 1998).
Desta forma, entendemos as culturas
da infância como “resultantes da convergência desigual de factores que se
localizam, numa primeira instância, nas relações sociais globalmente
consideradas e, numa segunda instância, nas relações inter e intrageracionais”
(SARMENTO, 2005, p. 373). Ou seja, toda relação social geradora de culturas e
saberes que entra em contato com o mundo infantil se faz objeto adstrito a
formulação das culturas infantis e cultura lúdica.
Entendendo a cultura lúdica como um
fator socialmente produzido, não podemos entendê-la como um objeto a-histórico
e sim como uma cultura que perpassou pelos tempos sofrendo modificações e se
adequando a contextos, desta forma as culturas transportam marcas do tempo e
continuam a se modificar e ganhar novos sentidos a cada relação estabelecida
(SARMENTO, 2002).
Outro fato que não podemos deixar de
destacar se faz nas brincadeiras, na qual a cultura lúdica é:
[...] composta de um certo número
de esquemas que permitem iniciar a brincadeira, já que se trata de produzir uma
realidade diferente daquela da vida quotidiana: os verbos no imperfeito, as
quadrinhas, os gestos estereotipados do início das brincadeiras compõem assim
aquele vocabulário cuja aquisição é indispensável ao jogo (BROUGÈRE, 1998, p.
3).
Tal “Brincar não é só brincar. Faz parte
da cultura humana e de seus direitos. Precisamos brincar (talvez seja nossa
parte animal) e brincar bem (nossa parte humana e social)” (MULLER et al, 2007, p. 4-5). O brincar não é restrito somente às
crianças, ele se faz um fator próprio da raça humana e suas atividades sociais,
porém para as crianças o brincar se faz diferente, e muitas das vezes aquilo
que elas fazem de mais sério, ao contrário do adulto o brincar para elas não é
distinto das coisas sérias (SARMENTO, 2003).
Pela importância da cultura lúdica, seu
papel na formação e atuação dos/as educadores/as sociais é de suma importância,
como parte do patrimônio histórico cultural a ser ensinado, como meio a leitura
da realidade das crianças e como ferramenta de ensino, formação política e desenvolvimento
da autonomia.
No mundo adulto, suas multifacetadas
estruturas são usadas pelas crianças, surgindo daí ações das brincadeiras, que
se manifestam e se constituem, com valores, culturas, e saberes compartilhados
pelas crianças, portanto a brincadeira não é imitação da realidade, mas sim um
novo lugar onde ela é recriada, discutida, reinventada, assim ganhando novos
sentidos (BORBA, 2005). Sentidos estes que a partir da cultura da infância:
[...] exprimem a cultura societal
em que se inserem, mas fazem-no de modo distinto das culturas adultas, ao mesmo
tempo que veiculam formas especificamente infantis de inteligibilidade,
representação e simbolização do mundo (SARMENTO, 2003, p. 12).
A criança quando tem seu tempo
controlado pelos adultos sem que sua voz seja ouvida, sua opinião analisada,
com seus espaços negados, tem um processo de empobrecimento e limitação de suas
experiências, da constituição da infância em sua totalidade, inibindo aspectos
próprios desta fase (MULLER et al,
2007). Diante disto, surge a necessidade de o/a educador/a ter formação na
perspectiva de potencializar as ações e anseios da categoria geracional que
trabalha e para que lide da maneira mais exitosa possível trate com os aspectos
particulares de cada infância e a cultura lúdica.
Nas instituições pesquisadas,
observamos um contexto que apresentou por parte dos adultos formas de controle
sobre os corpos, as falas, e os modos de “ser” das crianças. Apontamos que é
urgente a reconstrução das trajetórias formativas dos profissionais que estão
com a infância e também sobre as funções e objetivos do trabalho da Educação
Social no SCFV.
Durante o recreio as crianças se
sentaram em mesas no pátio e passaram a receber seus lanches, a cada movimento
a mais ou tom de voz elevado uma voz ressoava pedindo silencio e ordem no
local, no microfone uma educadora se posicionava e repetidamente relatava a uma
das mesas enumeradas “xiiiiiii! Silêncio mesa quatro! Estou vendo gente
levantada!” e assim durante o intervalo a ordem naquele local se estabelecia,
com seus espaços, voz, movimentos negados que inibiam aspectos e
características próprias da infância (Diário de Campo, 06/10/2017, Projeto
Renascer).
Porém, este
modo de disciplinar os corpos é identificado por um dos/as educadores/as, que
se posiciona de forma divergente da adotada pela instituição, fator ocorrido
graças a oportunidade de ter realizado uma formação antes de adentrar a área da
Educação Social. A seguir o/a educador/a cita alguns de seus princípios e se
posiciona contra algumas práticas no processo educativo:
[...] desde a graduação a gente já
vem tendo, vem também sendo atualizado e vem vendo que a criança, o aluno em
si, ele tem que ter um pouco mais de autonomia, tem que ter um pouco mais de
abertura pra se expressar, e influenciar dentro do ambiente [...] muitas
situações o aluno é podado realmente e ainda tem aquela formação lá antiga de
que o aluno não pode falar nada, ele tem que ser um receptáculo ali, então eu
vi isso e eu recebi isso como formação e digamos que eu me identifiquei com
essa forma de atuação (Educador José).
Um
dos trabalhos do/a educador/a social se reside em conhecer a criança, criar
vínculos a fim de obter respostas necessárias para sua atuação ser efetiva em
relação aos objetivos traçados. Mager et al (2011) relata que passar a conhecer
as crianças é um trabalho difícil, pois, assim como os/as adultos/as, elas
brincam com as palavras, ampliam os fatos, reduzem, imaginam, imitam, criam,
recriam e reproduzem por meio da cultura lúdica, da fala, dentre outras formas
que não são possíveis de identificar ao disciplinar os corpos das mesmas como
citado acima.
Para que o/a educador/a passe a
conhecer a criança, o ato de brincar é um grande aliado, brincadeira esta que
se faz de grande significância pertencente da condição humana e para criança
fundamental em sua interpretação do mundo (BORBA, 2005). E para interpretar o
brincar, é necessária formação específica para compreender as infâncias e suas
características.
Pois entendemos que utilizando a
cultura lúdica como instrumento do nosso processo educativo, por meio dela
conseguimos introduzir e problematizar as temáticas necessárias pertinentes ao
grupo trabalhado e discutir os mais variados assuntos com as crianças, como por
exemplo, podemos utilizar das regras para trabalharmos a autonomia das
crianças, fato que encontramos dentre os/as educadores/as entrevistados/as, que
nos disseram que utilizavam algum objetivo em suas atividades, ou como “meio”
para trabalharem algo:
[...] porque eu aceito muita
informação deles, é uma coisa que eu uso bastante pra mim, eu vejo que isso dá
um pouco de autonomia pra crianças e deixa ela, dá a ela uma sensação de que
ela é importante realmente ali naquele grupo onde ela tá, porque não
simplesmente ela recebe a informação, recebe os comandos e ela vai executar,
ela vê que ela tem autonomia e é um ambiente que ela tem possibilidade de
muitas vezes se expressar e de usar o
conhecimento que tem pra influenciar nas atividades então isso eu vejo que leva
um crescimento muito grande pras crianças (Educador José).
Então eu preparo e estruturo esses
jogos de acordo com a idade deles, de acordo com o que lhes é... o que eles
consigam desenvolver e como eu te falei pra tentar fazer com que eles evoluam
como crianças, como pessoas, como seres humanos e não simplesmente o jogo pelo
jogo [...] (Educador José).
[...] por brincadeiras, tentar
descobrir o que tá acontecendo (Educadora Julia)
Em
decorrência, ao analisarmos as falas dos/as educadores/as observamos em algumas
passagens a brincadeira apenas como ocupação do tempo livre das crianças que
frequentam as instituições. Quando questionados sobre o objetivo do trabalho
educativo e metodologia desenvolvida com a linguagem dos jogos e brincadeiras,
destacam que:
[...] é mais pelo dia mesmo (que se
define do que vai brincar), de como tá o dia, de como são, de quais são as
crianças que vão tá ali e a gente desenvolve as atividades (Educadora Maria).
Dentre tantas possibilidades de utilização
das brincadeiras e dos jogos como “meio” para direcionamento das ações
pedagógicas, nas falas acima presenciamos ela destinada a ocupação do tempo
livre, fator que pode ser ocasionado pela falta de planejamento, hora atividade
e pela confusão diante da práxis
educativa do/a educador/a social. Quando perguntado se as atividades
desenvolvidas pelos/as educadores/as haviam objetivos pedagógicos, algumas
respostas relataram que não, o que remete a falta de discussões e planejamentos
para realizar estas ações e acabam por se categorizar apenas como ocupação do
tempo livre e cuidar das crianças participantes da instituição:
Pior que não (Educadora Julia).
Não, não tem (Educadora Maria).
Desta forma, não conseguimos identificar
um objetivo institucional, um projeto coletivo dentre os/as educadores/as, se
as atividades objetivam a participação social, potencialização ou outros
fatores, nos passando a impressão de que os/as educadores/as não conhecem os
objetivos do SCFV, o que pode ser fruto da ausência da formação específica em
Educação Social.
A Educação Social apresenta como um de
seus pilares o ato de ensinar, tendo como conteúdos o patrimônio cultural
amplo. Como: direitos, deveres, leis, funcionamento das estruturas das cidades,
conhecimentos jurídicos, sociais, culturais, estruturais, cívicos, dentre
outros julgados como necessários para que a/a educando/a se reconheça como
cidadão ciente de seu papel, direitos e possibilidades em sua vida.
A
brincadeira tem um grande potencial pedagógico, brincando juntas e jogando,
surgem as regras nas quais as crianças, negociam, criam, recriam, modificam,
debatem e transformam o jogo, em muitos jogos ou brincadeiras as regras se
tornaram senso comum dentre os grupos de crianças, mas elas sempre transformam,
recriam e muitas vezes constroem concomitantemente junto ao ato de
brincar/jogar (BORBA, 2005). Tudo isso é possível com metodologias
participativas, pois, conforme a criança:
[...] amplia o seu poder de
captação e de resposta às sugestões e às questões que partem de seu contorno e
aumenta o seu poder de dialogação, não só com o outro homem, mas com o seu
mundo, se “transitiva”. Seus interesses e preocupações, agora, se alongam a
esferas mais amplas do que à simples esfera vital (FREIRE, 1967, p. 59).
Podemos notar que a
maioria dos/as educadores/as procuram se embasar em algo, criam métodos,
colocam objetivos em suas atividades, mas cada um acaba forjando sua práxis sozinho/a, sem amparo
teórico-metodológico dos SCFVs, com seu planejamento ligado aos jogos
disponíveis e espaços possíveis. Quando perguntamos sobre metodologias,
encontramos educadores que nos disseram ter métodos que lhes foram atribuídos:
[...] a forma como a gente atua
aqui já é algo que vem passado pra gente e como eu lhe falei a gente discutiu
em reuniões e a gente viu que seria a forma que melhor caberia [...] a gente
leva as atividades pra elas corporais aí no caso, eu trabalho aí na parte
externa acabo deixando elas muitas vezes livres também pra elas criarem as
atividades, pra elas desenvolverem também as suas próprias atividades, porque
muitas vezes elas não têm espaço pra isso, elas mesmos falam isso, elas não tem
espaço pra isso (Educador José).
Outro educador relatou não ter métodos
específicos e forjam sua atuação na própria prática, partindo de uma
perspectiva do senso comum e de suas vivências práticas:
Na verdade aqui a gente não segue
um parâmetro curricular né, então vem muito do pessoal né, então eu penso
assim, muitas vezes eu penso acho que esta na hora de a gente fazer uma
atividade diferente, eu pego e desenvolvo com eles, mas não tem uma grade,
alguma coisa que eu possa seguir, ou um objetivo né (Educador Mauricio).
A falta de delineamentos metodológicos e o
conhecimento dos objetivos são fatores preocupantes que possivelmente podem se
relacionar com uma confusão da própria identidade profissional e seu papel
dentro da instituição. São nestes momentos e também nas brincadeiras que os/as
educadores/as conseguem maior aproximação das crianças e por isso devem ficar
atentos, pois:
O pensamento das crianças expresso
em palavras é fruto de sua interação no ambiente em que vivem, reflete bastante
do lugar onde elas moram, dos adultos com quem convivem, das instituições que
frequentam, mas também indica a singularidade de cada uma (MAGER et al, 2011, p. 98).
Por
fim, encontramos educadores/as que se definiram como recreadores/as, no sentido
de ocupação do tempo livre, cuidar e entretenimento, se distanciando dos
conteúdos da Educação Social:
Eu já tinha experiência já como
recreador, que é a função que eu atuo aqui, eu tenho que fazer recreação com a
criançada (Educador Eduardo).
[...] a gente meio que foi colocado
aqui, nós não estamos como educador social, nós estamos mais como professor lá
na quadra para ficar cuidando das crianças no período que eles frequentarem
aqui (Educador Gabriel).
Parte dos/as educadores/as assumem papéis
que denotam somente o “cuidar” e não se reconhecendo diante da práxis educativa da Educação Social ao
não se categorizar como “educador/a” e também não identificando sua ação
pedagógica como recreação que pode ser entendida apenas como desenvolvimento de
atividades, as divergências quanto o reconhecimento e o papel na instituição é
fruto de como a Educação Social se configura no Brasil.
Por
não ser uma profissão reconhecida e regulamentada no país (BAULI; MÜLLER,
2020), cada local atribui seus próprios significados. Isto, em conjunto com a
ausência formativa gera espaços da Educação Social confusos, onde as atuações
dos/as educadores/as são forjadas baseadas nas poucas instruções e suas
experiências de vida ou em outras formações.
5 Considerações
finais
Neste artigo, buscou-se analisar a atuação
dos/as educadores/as sociais com base na linguagem de jogos e brincadeiras
dentro dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos da cidade de
Ivaiporã-PR, como se desenvolve na ausência da formação específica para ação
educativa.
Os/as educadores/as apresentaram grandes
divergências no entendimento de suas atuações com a linguagem dos jogos e
brincadeiras, nos relatando várias vezes características de ocupação do tempo
livre e também características atreladas ao “cuidar” e em poucos casos
encontramos alguns que enfocavam autonomia, competitividade, quase
assemelhariam aos objetivos desta forma de inserção educativa.
Ao se referirem sobre os objetivos
pedagógicos, foi encontrado nos SCFVs aqueles/as que explicitaram não
apresentar nenhum tipo de objetivo em suas atividades que englobavam jogos e
brincadeiras, o que nos remeteu novamente a ocupação do tempo livre.
O fato citado de não se seguir um
parâmetro curricular ou não terem bases que orientem suas atuações, pode ser
reflexo do cenário atual da Educação Social que busca regulamentação da
profissão, a qual, observamos como necessária que a formação mínima para o
exercício profissional seja o nível superior para dar conta da grande
complexidade que é atuar dentro da área.
Quanto ao sentimento de pertencimento da
área e definição como recreadores/as, também se potencializa pela não
regulamentação da profissão, fato que implica diretamente na constituição dos
objetivos, metodologias pedagógicas, e formas de atuação dos/as educadores/as.
Aponta-se que os jogos e brincadeiras nas
atuações dos/as educadores/as não podem simplesmente preencher o tempo na
rotina dos/as educandos/as, pois se fazem uma grande ferramenta na prática
educativa, apresentando um grande arsenal de possibilidades e formas de serem
aplicados no dia a dia dos SCFVs.
Importante
ressaltar que os/as educadores/as apresentam trato com afetividade para com as
crianças, distanciamento do próprio objetivo do atendimento que está nos marcos
legais do SCFV e que as instituições podem e devem promover tempos e espaços
cotidianamente para planejamento, estudos e formação dos profissionais.
Considera-se
que os resultados expostos neste artigo podem incidir como reflexo da não
regulamentação da profissão no Brasil, que atualmente luta por reconhecimento.
Consequentemente, a falta de formação específica e a necessidade de nível
superior para o exercício da profissão também implica nos resultados finais das
ações educativas realizadas dentro dos Serviços de Convivência e
Fortalecimentos de Vínculos.
6 Referências
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Recebido em:
setembro/2021.
Aprovado em:
novembro/2021.
[1] Professor de
Educação Física,
mestre em educação, pesquisador do grupo
Infâncias, Adolescências, Juventudes e Educação Social e participante do
Programa Multidisciplinar de Estudo, Pesquisa e Defesa da Criança e do
Adolescente (PCA).
E-mail: h.luz@colegiosmaristas.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/0696029030963315.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3278-401X.
[2] Doutora em Educação,
pesquisadora do grupo Infâncias, Adolescências, Juventudes e Educação Social,
coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudo, Pesquisa e Defesa da
Criança e do Adolescente (PCA), docente da Universidade Estadual de Maringá
(UEM), campus regional do vale do Ivaí. E-mail: paulamnatali@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/3738805977157385.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4641-0083.
[3] PhD em Educação Social,
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Maringá, pesquisadora do grupo Infâncias, Adolescências, Juventudes e Educação
Social. Coordenadora da Rede Dynamo Americas e Presidente da AESMAR- Associação
de Educadores/as Sociais de Maringá. E-mail: veremuller@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/3629354425731873.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0438-3518.
[4] Pesquisa integrante do
PIC –Programa de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Maringá.