QUANDO AS ESCOLAS
FECHARAM: LUGAR DA DOCÊNCIA A PARTIR DOS RELATOS DAS PROFESSORAS AOS GRUPOS
NA UNIVERSIDADE.
WHEN
THE SCHOOLS CLOSED: PLACE OF TEACHING BASED OF TEACHERS´ REPORTS TO THE
UNIVERSITY GROUPS.
CUANDO
LAS ESCUELAS CERRARON: LUGAR DE ENSEÂNZA EN BASE A LOS INFORMES DE LOS MAESTROS
A LOS GRUPOS UNIVERSITARIOS.
Juliana
Fatima Serraglio Pasini[1]
Flavia
Anastacio de Paula[2]
Flaviana
Demenech[3]
Resumo
O trabalho analisa reflexões
resultantes do atendimento emergencial em tempos de Pandemia para as ações
realizadas pelo grupo de pesquisa vinculado à UNIOESTE, na formação de
professores inicial e continuada, articuladas especialmente nas relações sobre
a atuação docente no ensino remoto. Ancorada nos estudos de Cunha (2001),
Vygotsky (1991) e Guedes-Pinto (2015), tomamos como possibilidade ofertar os
projetos de extensão remotos e a partir deles construir grupos focais. Os
encontros remotos são reconhecidos, neste texto, como ações que contemplam a
formação inicial e continuada dos professores. Como resultados apontamos: o papel da escrita, mediação,
reconfiguração do tempo e espaço, professoralidade, o protagonismo, articulação
da formação inicial com a formação continuada e aprendizagem significativa, nas
escolhas e nos discursos dos participantes nos projetos desenvolvidos.
Palavras-chave: Formação de Professores. Pandemia do Covid-19. Ensino
Remoto.
Abstract
The work presents
reflections resulting from the emergency care in times of pandemic in the
actions carried out by the UNIOESTE Research group linked to UNIOESTE, on initial and continued teacher
education, articulated especially in relation to teaching activities, remote
teaching. Anchored in the studies by Cunha
(2001), Vygotsky (1991) and Guedes-Pinto (2015), we took as a
possibility to offer remote extension projects and from them build focus
groups. In this text, remote encounters are recognized as actions that
contemplate the initial and continuing education of teachers. As results we
point out: the role of writing, mediation, reconfiguration of time and space,
professorship, protagonism, articulation of initial
training with continuing education and meaningful learning, in the choices and
speeches of the participants in the developed projects.
Keywords: Teacher Education. Covid-19 pandemic. Remote Teaching.
Resumen
El trabajo analiza reflexiones
resultantes de la atención de emergência en tempos de Pandemia por las accines
desarrolladas por el grupo de investigación vinculado a UNIOESTE, en la
formación docente inicial y continua, articuladas especialmente en las
relaciones sobre el desempeño docente em la enseñanza a distancia. Anclado en
los estúdios de Cunha (2001), Vygotsky (1991) y Guedes-Pinto (2015), tomamos la
posibilidad de ofrecer proyectos de extensión remota y construir grupos focales
basados em ellos. En este texto, los encuentros remotos son reconocidos como
acciones que contemplan la formación inicial y continua de los docentes. Como
resultados señalamos: el papel de la escritura, la mediación, la
reconfiguración del tempo y el espacio, la cátedra, el protagonismo, la
articulación de la formación inical com la formación continua y el aprendizaje
significativo, en las elecciones y discursos de los participantes em los
proyectos desarrollados.
Palabras clave: Formación del professorado. Pandemia de COVID-19.
Enseñanza remota.
Introdução
Foi sem aviso. A escola e a universidade
fecharam! Foi quase sem aviso. A pandemia parecia distante. Não nos atingiria.
Parecia que, àquela distância, onde uma cidade ficava em casa e um hospital seria
construído em dez dias, não chegaria a nós. De repente, na Europa, os caixões
amontoavam, mas não chegaria a nós. Mas, chegou. A escola e a universidade
estavam de fato fechadas. A autoridade sanitária local anunciou: “escolas serão
as primeiras a fechar e as últimas a abrir”, logo, às universidades, seguiu-se
a mesma premissa.
Meados
de março (2020), tínhamos a percepção de que seria uma catástrofe densa e
rápida como o romper de uma barragem, entretanto, devido ao próprio sucesso da
contenção, o movimento foi se tornando devagar e lento. Dessa forma, as escolas e universidades
ficaram fechadas por 15 dias. Um recesso. Por um mês. As férias! Organização
para o ensino remoto. Dois meses! Já houve greves maiores! Outro bimestre! Retorno
em agosto! Não foi possível. Em outubro! Não foi possível. Novembro, escolas e
universidades ainda fechadas! Os espaços fecharam! As perguntas mudaram! Para
as universidades: como reduzir distâncias? Quais ações necessárias para atender
os alunos remotamente? Formação continuada? Quais equipamentos e recursos
tecnológicos? Quais plataformas? Quais disciplinas ou projetos serão
desenvolvidos para não haver maior exclusão dos acadêmicos? Para as escolas,
foram: como manter o vínculo? Cuidados corporais e disciplina dos gestos?
Conteúdo? Onde ficaram as crianças? Por quais espaços elas poderiam circular?
Com quem? Como a fragilidade dos espaços públicos organizados para a infância
se revelou? Como manter contato com as crianças? Quais as perguntas necessárias
para compreender e registrar a diversidade de modos de cuidar e educar crianças
em uma pandemia longa? O que é uma pandemia? Como as pessoas reagirão? Como as
instituições se reorganizarão?
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 11 de março, que a Covid-19
havia se tornado uma pandemia. Nesse período, o Brasil contava com cerca de 50
casos confirmados, mas o aumento significativo do número de contaminados pelo
vírus levou à suspensão das aulas. Em maio, de acordo com a OMS, o Brasil
ultrapassou 500 mil casos confirmados e mais de 29 mil óbitos decorrentes da
Covid-19.
As
escolas fecharam, no estado do Paraná a Deliberação 01/2020 CEE-Paraná
instituiu a realização das atividades escolares em regime especial no âmbito do
Sistema Estadual de Ensino do Paraná em decorrência da legislação específica
sobre a pandemia causada pelo novo Coronavírus – COVID-19 e outras
providências. O mesmo documento regulamentou e orientou ainda as instituições
em âmbito municipal e privado. Instituiu-se, por meio deste, o ensino remoto,
que não se caracteriza nem como ensino EAD, pois não é realizado por tutoria,
nem como ensino híbrido, por não combinar os elementos que caracterizam este
tipo de ensino. O ensino remoto ficou instituído desde 20 de março de 2020,
período oficial de fechamento das escolas, ficando a cargo do professor
elaborar suas aulas, garantir que o conteúdo fosse trabalhado, além de garantir,
segundo a referida deliberação, o cumprimento de 800 horas letivas
estabelecidas pela LDB 9394/1996.
Diante
do contexto educacional por ensino remoto, esta pesquisa buscou mapear,
registrar e socializar as ações realizadas pelo grupo de Estudos e Pesquisas em
Práticas Educativas - MEDIAR da Universidade Estadual, localizada no Oeste do
Paraná, para atender os acadêmicos do curso de Pedagogia, os professores das
redes municipais e privadas de ensino vinculados ou não ao grupo de pesquisa, a
fim de lhes fornecer subsídios teóricos, trocar experiências, compartilhar
angústias e/ou criar novas formas de atendimento aos alunos, sejam os da
Universidade, sejam os das instituições escolares em meio à pandemia do
COVID-19. A investigação se deu em quatro fases: primeira fase, de março a
abril; segunda fase, de abril a maio; terceira fase, de maio a junho e a quarta
fase, a partir de junho quando a universidade institucionalizou os projetos “guarda-chuva”
via ações colegiadas, que serão descritas na sequência.
Nos
encontros previamente agendados com os docentes, angústias e anseios das
professoras da Educação Infantil e Ensino Fundamental foram socializados, uma
vez que, devido à pandemia, tiveram que se reinventar, criar possibilidades e
estratégias para manter o vínculo com seus alunos. Fez-se necessário rever e
elencar as novas prioridades para pensar a educação por um viés não conteudista,
mas pautado no aspecto dos vínculos humanos que se estabelecem, tanto para as
crianças quanto para os estudantes da graduação. Repensar a escola como uma
verdadeira rede de apoio às crianças, famílias e professores.
O processo investigativo propiciou
registrar e promover reflexões sobre as estratégias de formação continuada do
professor, a partir da reflexão que emerge da prática e da profissionalização
docente. As categorias de descrição, compreensão e análise dos dados: escrita,
mediação, reconfiguração do tempo e espaço, professoralidade, protagonismo e
aprendizagem significativa, confirmam a construção teórica delineada a partir
dos discursos dos participantes nos projetos desenvolvidos. A investigação
iniciou-se com 25 participantes e finalizou com um grupo de 100, não houve
evasão. Justifica-se a adesão mediante a centralidade dos temas e das questões
guias emergirem das inquietações dos próprios participantes.
Os depoimentos recolhidos dos
interlocutores nesta investigação são de grande volume tanto via escrita e
assíncrona nos grupos de whatsapp, e
fórum no classroom e grupo de facebook, quanto via oral e síncrona
durante os encontros remotos. Por essa razão, optou-se por não se transcreverem,
neste texto, os depoimentos, mas sobretudo, por trazer a lista de temáticas
produzidas nos e para os encontros que eram formuladas durante as
interlocuções. Optou-se ainda por assumir a riqueza que os novos elementos trouxeram
ao processo de pesquisa, explicitando a possibilidade de tratar do não previsto.
Houve a percepção de que as experiências significativas narradas pelas
professoras traziam possibilidade de produzir novos encontros e construir novas
categorias analíticas ou que, somadas às anteriores, ajudariam a explicitar
melhor os dados e compreender o real (CUNHA, 2001). Nesse sentido, os encontros
tematizavam solicitações de diálogos, de conversas, de escritas, de
inquietações que apareceriam com relativa constância nos debates e eram eleitos
como o desejo do próximo encontro.
O papel da universidade e ações desenvolvidas para o ensino
remoto emergencial
O
papel das universidades no mundo ultrapassa a simples tarefa de formar cidadãos
para o mercado de trabalho, incluindo, nos planos de ensino institucionais e nas
metodologias, o objetivo de formar para o senso crítico e prepará-los para uma
sociedade em constante transformação, ainda mais competitiva e capitalista.
A
pandemia do COVID-19 instaurou uma situação de excepcionalidade em todo o mundo
como o distanciamento social e a tomada de cuidados referentes à segurança
sanitária que nos obrigaram a realizar adaptações para a continuidade de nossas
atividades laborais. Para a Educação,
essas adaptações se tornaram mais complexas ao se assumir o ensino remoto como
forma de acesso à educação, expondo as dificuldades das redes públicas no que
se refere ao acesso, permanência e oferta de um ensino de qualidade.
A
universidade historicamente utiliza a pesquisa para gerar novos conhecimentos e
qualificar processos de ensino e aprendizagem. Em meio à pandemia do Covid-19,
as universidades públicas, em especial, ofertaram cursos para profissionais de
diferentes áreas, realizaram pesquisas, promoveram atividades de grupo de
pesquisa, ensino e extensão, cumprindo a sua função social. Nesse momento, as
portas das universidades foram abertas, rompendo barreiras e paradigmas, uma
vez que não apenas os alunos vinculados aos cursos foram beneficiados, mas
também os profissionais em atuação de cada área e membros externos receberam a
oportunidade de se qualificarem. Dessa forma, as instituições passaram a
responder às necessidades locais e regionais.
Chartterton
e Goddard (2003) ao discutir sobre as possíveis respostas das instituições
superiores às necessidades regionais, ressaltam que um “terceiro papel” está
diretamente relacionado a essa ação, sendo este o grande desafio. Faz-se
necessário estabelecer conexões e aproximações, para identificar aspectos de
desenvolvimento para a melhoria da qualificação profissional, do desenvolvimento
tecnológico, da promoção de outras formas de ensinar e aprender, sem cair na
armadilha de se tornar um “[...] espaço predominante e quase exclusivo de
formação tanto para o trabalho quanto para outros aspectos da manutenção do
próprio modo de produção capitalista” (COLARES, 2020, p. 285-286).
A
pandemia nos possibilitou aprender uns
com os outros, nos ver, observar a falta de domínio de novos recursos
tecnológicos e a emergente necessidade de criar estratégias para atender
aqueles sem acesso a meios tecnológicos que resultaram em novas aprendizagens,
e exigiram também troca e coletividade. Uma solução encontrada foi a
organização de grupos formativos por meio de projetos de extensão, que
realmente fizeram a diferença nos diversos contextos. Nesse sentido, Catani
(2008) destaca que,
o
papel da universidade pública, o tema da universidade, hoje, é um dos mais
candentes e de grande relevância social, no sentido de se tentar mostrar que no
Brasil, país com uma grande quantidade de alunos envolvidos no ensino desde a
base do sistema até o topo, isto é, a educação superior, enfrenta-se um grande
problema: cerca de 72 ou 73% dos alunos encontram-se matriculados em
instituições privadas, enquanto apenas 27 ou 28%, o estão em estabelecimentos
públicos. A consequência dessa situação
é que o Brasil apresenta uma das mais baixas taxas de escolarização bruta da
América Latina, no que se refere à educação superior (CATANI, 2008, p. 5)
Lombardi
e Colares (2020), no artigo “Escola Pública, projeto civilizatório burguês versus práxis emancipatória”, retratam o
histórico da institucionalização da escola no Brasil e recuperam aspectos
históricos que ressaltam o quão longe ainda estamos de transformar a educação
pública democrática, uma vez que “a redução do investimento público, a ampliação
da mercadorização e da ação dos grandes conglomerados financeiros nos
diferentes níveis educacionais, e a desoneração do Estado para com às políticas
sociais públicas se intensificaram com o golpe de Estado de 2016, o governo de
Jair Bolsonaro e a pandemia do coronavírus em 2020” (p. 22-23).
As
questões relativas às desigualdades no contexto educacional foram evidenciadas
pela pandemia. “O desafio da oferta do direito à Educação Básica no Brasil é
grande quando se considera mais de 80% das matrículas concentradas nas redes
públicas de ensino”, visto que “menos da metade das escolas públicas (46%) tem
acesso a saneamento básico” (OLIVEIRA, 2020, p. 30).
Soares
Neto et Al (2013) desenvolveram uma escola de infraestrutura para avaliar o
efeito escola e o impacto de fatores
contextuais no desempenho escolar brasileiro. Para tanto criaram quatro
categorias: elementar, básica, adequada e avançada. Os atores com base nessa
escala, realizaram uma análise comparativa de infraestrutura escolar por região
do país e por dependência administrativa, na qual constataram que 62,5% das
escolas federais estão nas categorias adequada e avançada, 51,3% das escolas
estaduais estão na categoria básica e 61,8% das escolas municipais estão na
categoria elementar. Considerando que o grosso da oferta da Educação Básica é
um estabelecimento de ensino nas redes estaduais e municipais, o estudo
demonstra precariedade da oferta para a maioria da população demandante
(OLIVEIRA, 2020, p. 30).
Reafirma-se,
com Oliveira, o quão preocupante e complexo é tratar da oferta do ensino não
presencial, ao reforçar questões de desigualdade que refletem e impactam o
ensino remoto e, ainda, impõem a dificuldade de repensar o retorno das aulas
presenciais, tendo em vista não apenas questões concernentes a desigualdades de
condições de aprendizagem, mas pelas exigências sanitárias impostas pelo
coronavírus para o atendimento presencial dos estudantes.
De
acordo com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura), em 16 de março de 2020, mais de 1000 países fecharam suas escolas
como medida de contenção do coronavírus. Mais de “776,7 milhões de crianças e
jovens foram afetados” (CAMPANHA, 2020, p. 3). No Brasil, em 20 de março do
mesmo ano, mais de 5.568 municípios já haviam suspendido as aulas, de acordo
com o levantamento da UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação). No estado do Paraná, as aulas foram retomadas remotamente no início
de abril, seguindo Deliberação 01/2020 CEE-Paraná, as possibilidades para
realização das atividades não presenciais foram elencadas pelo art. 4º,
As
atividades escolares não presenciais são aquelas utilizadas pelo professor da
turma ou do componente curricular para a interação com o estudante por meio de
orientações impressas, estudos dirigidos, quizzes, plataformas virtuais,
correio eletrônico, redes sociais, chats, fóruns, diário eletrônico,
videoaulas, audiochamadas, videochamadas e outras assemelhadas (CEE,
Deliberação 01/2020).
No
estado do Paraná, entre alunos da rede estadual e municipal de ensino,
incluindo os da educação especial e os da educação de jovens e adultos, mais de
2 milhões 725 mil 378 alunos tiveram suas aulas suspensas (INEP, Censo Escolar,
2018).
De
acordo com a pesquisa da Undime[4],
realizada em setembro de 2020, cerca de 96% dos municípios optaram pela
realização de práticas pedagógicas não presenciais, ou seja, materiais impressos (atividades
elaboradas pelas professoras, coordenação, secretarias municipais e livros
didáticos), envio de vídeos, áudios e complementação visual aos alunos
por meio do WhatsApp, plataformas
específicas como aulas em canais de televisão, Google Classroom, entre outras formas de atendimento aos alunos no
período de pandemia. Para tanto, é necessário considerar não apenas o número de
equipamentos que se tem em cada domicílio, todavia as condições socioeconômicas
das famílias, a falta de acesso à internet, o único aparelho celular ser o
instrumento de trabalho de um dos familiares, ter mais de um estudante no
domicílio, além disso, muitos pais e/ou responsáveis dificilmente conseguiram
acompanhar as atividades remotas ou auxiliaram o estudante, dada as condições
da vida cotidiana que envolvem sobreviver.
No Brasil, de acordo com a pesquisa
realizada pelo TIC Domicílios 2018 do CETIC (Centro Regional de Estudos para o
Desenvolvimento da Sociedade da Informação), cerca de 58% dos domicílios não
dispõem de internet. Neste mesmo ano, o país ainda contava com 2,1 milhões de
domicílios em que há somente sinal analógico de televisão, o acesso à internet
se efetiva com maior número por meio do telefone celular, no entanto, apenas
56,3% da população possui acesso à banda larga (IBGE, 2020). Esses dados devem
ser considerados principalmente no planejamento e forma de como será a oferta
do ensino remoto.
Dados
que nos fazem refletir o quanto a desigualdade afeta nossos estudantes. Sobretudo,
porque ensinar presencialmente não é o mesmo que ensinar virtualmente e muitos
professores e instituições não estavam preparadas e tão pouco familiarizadas
com ferramentas e recursos tecnológicos que possibilitaram realizar e planejar
as aulas remotas ou on-line àqueles que minimamente tinham condições de acesso.
Dessa forma, mais de 95% das redes municipais realizaram ensino não presencial,
adotaram a distribuição de materiais impressos, com agendamentos para entrega e
retirada na escola pelos responsáveis dos estudantes, e 80% das redes
municipais adotaram aulas gravadas como parte das estratégias (UNDIME, 2020).
Ao
encontro das ações desencadeadas pela disseminação do Covid-19, fizeram-se
necessárias ações imediatas e emergentes para a garantia dos direitos das
crianças e adolescentes. Mediante essas emergências, as universidades públicas,
em especial, desenvolveram múltiplas atividades com o objetivo de atender, principalmente,
aqueles com menos acesso ao capital intelectual. Para isso, foram criados
cursos on-line, plataformas para a formação continuada de professores, inúmeras
Lives, e eventos com intelectuais das diversas regiões do país, a fim de
contribuir e apoiar os professores e profissionais de diferentes áreas na
superação dos desafios impostos pelo coronavírus.
Dentre
os desafios, ressaltamos a sobrecarga de trabalho, em específico, dos docentes
das diferentes etapas de ensino analisada na pesquisa realizada pelo Grupo de
Estudos e Políticas Educacionais e Trabalho Docente (GESTRADO/UFMG),
intitulado: “Trabalho docente em tempos de pandemia”. A pesquisa abarcou 15.654
professores das redes públicas de ensino no Brasil, foi realizada por meio de
questionário pelo Google Forms, no período de 8 a 30 de junho de 2020. A
pesquisa apresenta que apenas 28,9% dos professores respondentes afirmaram
possuir facilidade no manejo de recursos tecnológicos para uso em suas aulas e
outro dado importante revela que mais de 53,6% dos professores possuem recursos
tecnológicos (computadores, notebooks, tablets, celulares), mas não possuem
preparo e suporte técnico para a realização das aulas remotas mediadas por
tecnologia.
O
aumento da jornada de trabalho dos professores foi significativa segundo a
pesquisa, mediante a necessidade de eles aprenderem a utilizar novos recursos
tecnológicos, preparar e elaborar materiais para as aulas on-line, ter que
adaptá-los para entregar por meio impresso aos alunos sem acesso a recursos
tecnológicos, além do horário de atendimento aos alunos por via telefone,
aplicativos e apostila. Esses e vários outros aspectos não mencionados
contribuíram para o aumento das horas de trabalho dos professores que atuam em
todas as etapas de ensino, principalmente, na Educação Básica (GESTRADO, 2020).
Diante
do exposto sobre as novas demandas para o ensino no contexto da pandemia, o
papel da Universidade tornou-se ainda mais importante e fundamental no
desenvolvimento de ações colaborativas junto aos acadêmicos e profissionais da
educação. O grupo MEDIAR, pertencente à Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE,
organizou redes de formação continuada. Através de reuniões inicialmente com o
grupo de pesquisa, e posteriormente com a organização de grupos de extensão e
pesquisa, de modo a apoiar e formar uma rede colaborativa de professores, de
instituições públicas e privadas de ensino, membros da comunidade externa,
pertencentes ou não ao estado do Paraná. O grupo de formação/extensão
atualmente é composto por 60 participantes, e, ao longo do ano de 2020,
iniciando em abril, foram realizadas diferentes propostas, em que os
professores têm se apoiado para amenizar o seu sofrimento diante das
dificuldades e angústias impostas pelo coronavírus e o ensino remoto.
Formação
e apoio aos professores no ensino remoto emergencial junto
aos grupos de extensão e de pesquisa
O ensino remoto emergencial no
âmbito educacional não apenas impôs desafios, contudo, é possível afirmar que
agregou possibilidades. Não é de hoje que os professores enfrentam problemas
relacionados à valorização da carreira docente, precariedade nas condições
materiais do trabalho pedagógico, falta de políticas públicas para formação
inicial e continuada de qualidade, entretanto, em meio às demandas vivenciadas, os professores
desejavam serem ouvidos e apresentarem propostas para desenvolverem por meio de
atividades de extensão das quais fossem protagonistas.
Corrobora-se às proposições de Cunha
(2018, p. 8), sobre a fundamental capacidade reflexiva sobre o campo científico
por parte dos professores, a ser “aplicado [a capacidade reflexiva] às práticas
de ensinar e aprender, a ampliação de diálogo epistemológico e
interdisciplinar, ao trânsito entre ciência, cultura e sociedade, bem como às
práticas individuais e coletivas tornando mais significativo o trabalho
docente”.
Neste estudo, optou-se por não apresentar
os relatos e discursos dos professores envolvidos nos grupos de extensão, somente
as ações desenvolvidas. Buscou-se elucidar a importante e árdua tarefa da
formação continuada ao permitir que os participantes realizassem reflexões
acerca da própria prática, nos debates e conversas, e relacioná-la ao
referencial teórico escolhido; valorizar as dúvidas e questionamentos dos
professores, por não se tratar de questões retóricas, mas de inquietações que
emergiram do contexto da prática pedagógica, de modo a desenvolver o seu
protagonismo e profissionalidade.
O ensino remoto emergencial, proposto
pelos órgãos governamentais para garantir o acesso ao ensino em meio à
pandemia, em tempo-espaço distinto, requer planejamento específico, materiais
apropriados elaborados com conteúdo que atendam a essa estratégia. Nesse
aspecto espacial, é diferente o ensino presencial quanto às formas de
acompanhar os alunos e, por conseguinte, realizar as atividades necessitaram de
adaptações. E como dito, os professores não estavam preparados para essa forma
de atendimento. O pensar sobre os aspectos temporais exigem reflexão e busca de
novas formas para atender os alunos, as famílias e a comunidade escolar. Para tanto, a proposta dos grupos de extensão
esteve relacionada à nova situação espaço-temporal e a ouvir e compartilhar
demandas e soluções sobre: Como fazer? O que fazer? De que modo atender os
alunos? Como compreender as angústias relacionadas ao fazer as atividades em
casa pelos familiares e longe do professor e do fazer
coletivo/interativo com os colegas. Sobre
essas questões, na sequência, descrevem-se fases e temas.
No
início de março, quando houve a suspensão das aulas, esta parecia ser uma
estratégia passageira, para durar dois meses ou mais, no entanto, tornou-se
permanente no atendimento educacional no contexto pandêmico. As propostas
desenvolvidas pelos grupos que buscaram identificar os elementos focos de
preocupação e soluções encontradas pelas professoras para que, no momento
pandêmico vivido, os vínculos com alunos e famílias fossem fortalecidos, serão
descritas em quatro fases.
Na
primeira fase havia o choque e a negação. Após o estabelecimento em 15 de março
da suspensão imediata das aulas, o trabalho oscilava entre extrair informações de
jornais ou de pesquisadores específicos, listar ações prioritárias, fazer
alterações domésticas sanitárias e
organizar o espaço para trabalhar em casa e ouvir as demandas dos
estudantes matriculados nos cursos pelos quais éramos responsáveis
pessoalmente. As ações para a comunidade externa e ex-alunos eram pontuais e
vinculadas aos grupos de notícias de ex-alunos e professoras da Educação Básica.
O telefone tocava a qualquer horário. As caixas de mensagens lotavam. As ações
não eram coordenadas por interesses, mas sim pela demanda. Eram ações de
educação em saúde, ações emergenciais e produção de materiais sínteses sobre as
orientações e sua distribuição.
Na
segunda fase, a partir de início de abril, havia a necessidade de organizar a
escuta e propor algo mais coletivo. Como trabalho individual, foi organizado um
projeto de escrita de cartas via correio eletrônico cujo principal objetivo era
a manutenção dos vínculos, enquanto no plano do colegiado, iniciou-se um
processo de catalogação e busca ativa dos estudantes para a comunicação.
Novos
arranjos e mudanças, ao longo da história, fizeram parte da criação e
construção da universidade, uma vez que a pandemia trouxe a necessidade de
novas mudanças e ações que possibilitaram novas formas de conhecimento, por
meio da formação continuada e da criação de condições para que os encontros
fossem realizados. A UNIOESTE regulamentou a tramitação e a aprovação de
atividades de extensão durante o período de isolamento social, com a Instrução
de Serviço n. 003/2020 - PROEX. Nosso grupo vislumbrou nos projetos de extensão
uma forma de gerar respostas individuais e coletivas para as dificuldades e
necessidades postas
pela
pandemia.
O
primeiro grupo de extensão intitulado: “Cartas a uma professora: a escrita como
organizadora do pensamento, mediação e manutenção de vínculos”, realizou seis
encontros, um a cada semana, as cartas foram socializadas por e-mail e pelo
Google Classroom, entre 25 participantes. Todos organizados com temáticas
propostas e elencadas pelo grupo ao término de cada reunião. No quadro que
segue, apresentamos as questões norteadoras
de cada encontro.
Tabela
1: Organização das Temáticas desenvolvidas pelo projeto de extensão: “Cartas a
uma professora: a escrita como organizadora do pensamento, mediação e
manutenção de vínculos.
|
Questões Norteadoras |
Encontro 1 |
Elabore uma carta pessoal. Fale de
ti. Como a
pandemia o afeta na sua vida: dos intersociais e intrapsíquicos? Responda as
réplicas e tréplicas dizendo como a escrita ajuda na organização do
pensamento. |
Encontro 2 |
Elabore uma carta descritiva e um
relato. Quem cuida do cuidador e de quem você cuida? Responda as réplicas e tréplicas
elaborando sentimentos, emoções, descobertas, mediações, aprendizados e
vínculos construídos. |
Encontro 3 |
Escreva sobre seus processos de aprendizagem
neste período: o que você está lendo, escrevendo, assistindo, editando,
arquivando, registrando, quais rotinas você tem produzido? Qual a sua lista
de atividades? E como você está se realizando, ou não, com elas. Responda a
réplicas de réplicas elaborando escritas sobre o aprendizado e a função
organizativa de rotinas e memórias da escrita. |
Encontro 4 |
Entre em contato virtual e resgate
uma amizade na sua turma. Com quem da sua turma você tem entrado em contato e
conseguiu resgatar para as interações? Responda réplicas e tréplicas
elaborando sobre a função comunicativa da escrita. |
Encontro 5 |
Produza esse texto, tire uma
fotografia dele, entregue para a pessoa ou instituição. A proposta de escrita
é a seguinte: Quem merece um agradecimento neste período de pandemia? Sua
vizinha que resolveu produzir máscaras e doar? Os cientistas brasileiros e
estrangeiros (quem são eles?) que estão em seus laboratórios pesquisando uma
vacina contra o Covid-19? Os profissionais da saúde, ou os gestores da saúde
do seu município? O faxineiro que continuou recolhendo o lixo? São muitas
pessoas, não é mesmo? A sugestão é que você poderá trabalhar com vários
gêneros (carta pessoal, twitter, e-mail, cartão) e redigir agradecimentos em
português e em outras línguas e enviar para pessoas reais. Depois tire
fotografia do material produzido e me envie para registro da atividade. |
Encontro 6 |
Escreva em formato de carta um
relatório que permita refletir sobre o processo pedagógico de aprendizado da escrita de
cartas. Esse projeto pode ser replicável com seus estudantes? Qual é o
sentido e o significado de trabalhar com textos autênticos? Qual o sentido de
escrever sabendo que o interlocutor é real e irá ler e responder? Como esse
tipo de proposta pedagógica mobiliza ações, mediações, reflexões,
intervenções? Como produzir atividades pedagógicas significativas e não meras
tarefas? Como produzir palavras que cuidam e que curam? O que você aprendeu
sobre escrita e leitura, alfabetização, atividades significativas,
interlocução, intervenção e mediação? |
Fonte:
Autoras (2020).
Embora
a proposta do encontro 5 fosse para ter apenas três réplicas, ele reverberou
por cerca de três meses. Afinal, à medida que os destinatários das cartas as
recebiam, também respondiam. Foi interessante perceber essa resposta das
professoras e estudantes para com seus alunos da Educação Infantil ou do Ensino
Fundamental. A prática da escrita, a dialogia como fundamento do ensino e do
aprendizado (GUEDES-PINTO, 2015) nos fizeram produzir tanto textos com sentido,
como sentidos para a vida, à clausura, aos afastamentos necessários para a
sobrevivência, e mesmo, à criação de vínculos. Foi a partir dos vínculos
formados nessa segunda fase e na compreensão de que, de fato, poderíamos
produzir encontros reais à distância que nos aventuramos a mudar da
“plataforma” analógica e assíncrona das cartas via e-mail para a plataforma
on-line e síncrona dos encontros remotos.
Conforme
apontado por Vygotsky (1991a e 1991b), as produções escritas a respeito dos
percursos e situações pandêmicas revelam o quanto a prática da escrita exige
esforços psicocognitivos e pode produzir funções de organização das funções
mentais superiores de que são formas de atuação no mundo e portadores de
indícios do processo de compreensão da pandemia e de ser estudante e da
profissão docente.
Na
terceira fase, organizou-se um projeto de trabalho via plataforma cujo foco era
o trabalho com os estudantes e montar grupo de reuniões entres eles, mas, o
número de professoras em atuação foi aumentando. Nessa fase, realizou-se o
projeto de extensão intitulado: “Perguntas sobre (des)escolarização em contexto
de Covid-19”. Os encontros foram organizados por questões guias, a maioria
excedentes do encontro anterior, de modo a fomentar o debate e as necessidades
do grupo. Nesta fase, o grupo aumentou para aproximadamente 50 participantes.
Os encontros foram realizados via plataforma do Google Meet, com duração de 4 horas síncronas
acrescidas de horas assíncronas de interação em grupo sobre as questões
norteadoras apresentadas na tabela 2.
Tabela
2: Questões norteadoras por encontro realizado pelo projeto de extensão:
“Perguntas sobre (des)escolarização em contexto de Covid-19”
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Questões norteadoras |
Encontro 1 |
Como sobreviver ao ambiente
inóspito? Que perguntas fazer sobre a
escola em tempos de corona? Como ouvir, e produzir palavras e gestos sobre
autocuidado, cuidado coletivo, análise de riscos, prevenção e precaução? Quais
perguntas sobre Autocuidado e cuidado coletivo estão sendo veiculadas? Como
lidar com ambiente inóspito: hiper vigilância, EPI, autocuidado,
autorregulação, cautela, observação, autoeficácia, prevenção e precaução? |
Encontro 2 |
Perguntas sobre o aprendizado
coletivo e as redes de controle social e para onde encaminhamos os pedidos de
ajuda: Como sobreviver em ambientes inóspitos? Questões institucionais e
pessoais. Cuidado de si e coletivo. Identidade profissional. O que precisamos
ensinar para a nova cidadania? Qual o papel dos professores na arte de
ensinar tudo a todos e os novos gestos, atitudes e que compõe a nova
cidadania. |
Encontro 3 |
Perguntas sobre o aprendizado
coletivo e as redes de controle social e para onde encaminhamos os pedidos de
ajuda: Quais as situações de ensino-aprendizado coletivo e políticas sociais
estamos criando, mantendo e oportunizando? Quais os desafios do Ensino e Aprendizado mediado por
tecnologias e as instâncias de deliberação dos segmentos nos conselhos
intersetoriais. |
Encontro 4 |
Perguntas sobre Infância,
Alfabetização e Alimentação em contexto de covid-19: Qual a situação do
atendimento às crianças pequenas, redes de proteção, redes de apoio,
possibilidades de auto-organização. Como estamos registrando as ações de
professoras, os dilemas pedagógicos, as angústias sobre Infância,
Alfabetização e Alimentação em tempos de covid. |
Encontro 5, 6 e 7 |
Registro e Escritas Dirigidas de
forma assíncrona sobre perguntas e possibilidades de respostas sobre a
escolarização, o ensino e o aprendizado realizadas em fórum de debate
mediados online. Compartilhamento de Leituras Dirigidas sobre Autocuidado,
cuidado, proteção e promoção da Saúde Infantil e dos profissionais. |
Fonte: Autoras (2020).
A educação como meio de transformação precisa trabalhar
com a imprevisibilidade e a capacidade dos sujeitos para continuar aprendendo.
Trabalhar com a capacidade de elaborar perguntas com um valor e finalidade,
atrelados aos problemas vivenciados, fazer refletir coletivamente sobre as
possibilidades e formas de resolução desses desafios, base de reflexão
teórico-prática exigida para o exercício da docência.
Para
que as transformações eminentes sejam academicamente sustentadas e socialmente
construídas, são necessários investimentos intensivos e sistemáticos que
dependem, em grande parte, das iniciativas institucionais e das políticas
públicas. Certamente, incluem e depende do protagonismo docente que, sem um
envolvimento real no processo, não
sustenta sua importância.
A formação situada no contexto do
trabalho se coloca como uma condição
fundante da qualidade
acadêmica (CUNHA, 2018, p. 9).
Para o grupo, os projetos de extensão
tornaram-se um meio de formação de qualidade, envolvendo o protagonismo dos
professores na tomada de decisões e escolha das temáticas a serem debatidas nos
próximos encontros. As reuniões tiveram como ponto de partida o próprio lugar
de trabalho dos professores, exigindo um
exercício pessoal e coletivo de profissionalização docente.
A
quarta fase foi organizada pelos professores vinculados ao curso de Pedagogia
“A educação em tempos da pandemia da Covid-19”
do qual o Grupo de Pesquisa MEDIAR fez parte como um subprojeto com
grupos de extensão que, ao longo do ano letivo de 2020, contou com 60
participantes, dentre eles, acadêmicos e membros externos vinculados a
diferentes instituições de ensino e diferentes estados.
Na
fase 4, desenvolvemos o subprojeto intitulado: “Infâncias, infantilezas e
educação pandêmica”. Nos encontros realizados, houve relatos de professoras e
de estudantes de Pedagogia, atividades de formação, oficinas envolvendo
diferentes temáticas e conteúdos que auxiliassem as professoras no
desenvolvimento de práticas pedagógicas mais lúdicas com suas respectivas
turmas. Ao longo dos encontros remotos públicos dos cursos de extensão da
universidade, o principal procedimento foi a escuta ativa nas reuniões
orientadas por um tema guia ou uma pergunta guia nos encontros coletivos via
plataforma Meet. Foram 25 encontros, um projeto com carga horária de 100 horas.
As temáticas trabalhadas estão listadas na tabela 3.
Tabela
3: Temáticas trabalhadas no projeto: “Infâncias, infantilezas e educação
pandêmica”
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Fonte: Autoras (2020).
Trabalhou-se
um tema por noite, conduzido pelos participantes, que se propuseram
voluntariamente, a partir dos quais se organizou o cronograma, e as reuniões
foram conduzidas com o auxílio dos pesquisadores responsáveis pelo projeto.
Para a realização das ações dos grupos de
extensão foi necessário repensar a organização do tempo e espaço, bem como
refletir acerca das rotinas, desempenho
dos alunos, registros das atividades, sendo esse um grande desafio. A
reconfiguração do tempo e espaço de aprendizagem, nas palavras de Cunha é
“compreendido como elementos que aprisionam ou libertam os processos de ensinar
e aprender da regulação do currículo tradicional e os conhecimentos e saberes
que constituem a formação dos estudantes” (2001, p. 114). Ao realizar essa
reconfiguração, os professores apontaram experiências e aprendizagens
significativas, que se distanciam das divisões tradicionais do tempo, espaço e
currículo; antes regulados pelo trânsito entre a sala de aula, agora virtual,
os campos de prática, da pesquisa e da interação tecendo novos conhecimentos ao
longo das atividades remotas, das reuniões realizadas no ano pandêmico de 2020.
Antonio Nóvoa (2011)
tem afirmado que é preciso
trazer a formação para dentro da
profissão, isto é, compreender que a base inicial é o ponto de partida para uma
formação que se dá por toda a vida. Então não se trata de colocar na formação
inicial todo o peso da profissionalidade. Mas sim de defender lugares de
formação (CUNHA, 2008) que aliem a
prática à teoria,
contribuindo para fazer
da docência um campo profissional. Não basta saber fazer, é preciso
compreender teoricamente por que se faz e às consequências dessas ações como
professores (CUNHA, 2018, p. 8).
O deslocar-se para um território não
conhecido e novo, inclusive para a universidade, foi grandemente valorizado
pelos participantes, por forçarem que outros lugares pudessem ser admitidos
formalmente como espaços de ensino e aprendizagem. As experiências das práticas
propostas nos permitiram ultrapassar linhas imaginárias, aproximar o
conhecimento da prática cotidiana e o conhecimento científico.
O
conhecimento
– visto de forma global e não dual, local e universal, construído no processo
quando articula o conhecimento científico com outras instâncias e formas de
conhecimento. Ter a prática como referencial da teoria, e a leitura e a
reflexão narrativa como possibilidade de construção de conceitos (CUNHA, 2001,
p. 112).
Conceitos
e aprendizagens foram construídos ao longo das reuniões dos grupos de extensão,
desenvolvidas de junho a dezembro, em destaque, os de compreender e identificar
o projeto de extensão como forma de desenvolver propostas para a formação
continuada de professores. Os participantes realizaram pesquisa científica,
leitura, refletiram acerca do contexto atual, estudaram legislações e mudanças
no âmbito educacional, estiveram nas escolas atendendo alunos e famílias que
não tinham acesso a recursos tecnológicos com atividades impressas, bem como
apoiando alunos e seus familiares no atendimento domiciliar, observaram
construções discursivas vindas do senso comum, reconheceram outros saberes. Em
diversos momentos, as análises da realidade permitiram encontrar indicadores de
que o conhecimento sustentava as experiências colhidas pelos professores,
percebe-se que às experiências rompiam “com o paradigma dominante, mesmo que estas
indicações se alicerçam num comportamento empírico” (CUNHA, 2001, p.112).
Realizaram-se
travessias que enriqueceram a prática pedagógica, construíram saberes que
emergiram das relações e conexões entre o conhecimento adquirido e a
experiência adquirida no contexto real, compreenderam de que forma os
professores podem contribuir para o desenvolvimento de seus alunos mesmo a
distância. Identificamos um processo de verdadeira mediação pedagógica,
envolvendo o professor, alunos (participantes dos projetos de extensão) e
conhecimento. Como definido por Cunha, a mediação
[...] inclui prazer e
entusiasmo como elemento chave de recuperação das subjetividades dos envolvidos
no processo; elege metodologias interativas como projetos de ação e pesquisa a partir da sala de aula; envolve, como
possibilidade, novas tecnologias construtoras de habilidades intelectuais
complexas (CUNHA, 2001, p. 112).
Os temas e as propostas desenvolvidas
emergiram da relação professor, aluno e conhecimento e, embora as atividades do
ano de 2020 findassem, formou-se um único grupo com todos os participantes, pelo
WhatsApp, que se mantém ativo, por meio do qual acontecem as aproximações,
escuta, debates e diálogos que ocorrem diariamente, conforme novas demandas são
listadas pelas professoras em atuação do setor público, privado e pedagogas em
formação no curso de Pedagogia da UNIOESTE.
Os membros do grupo focal iniciaram uma nova fase de debates acerca de uma nova
proposta de projeto de extensão para o ano de 2021, incluindo práticas e
subgrupos de estudo nas suas instituições de ensino a que estão vinculados.
Destacam-se, como resultados deste
estudo, alguns dos atendimentos e momentos de escuta ativa realizada pelo
grupo, composto não apenas por professores da Educação Básica e Superior, mas
também por psicólogos, psicopedagogos, nutricionistas, e, com eles, formou-se
uma verdadeira rede de apoio e de formação continuada. Os professores foram
protagonistas[5]
das experiências estudadas e, ao se inquietarem em como atender seus alunos no
momento pandêmico, atribuíram novos significados às experiências de formação,
revelando assim a necessidade de descobrir novos significados para o exercício
da docência.
Os projetos de extensão permitiram criar
e valorizar novas formas de aprender, em especial, as vivências, saberes e
experiências. “A sociedade está a requerer uma educação superior que se afaste
das verdades prescritivas e enfrente a condição da incerteza e da mudança como
um valor” (CUNHA, 2018, p. 9). Com acelerado avanço das transformações, não
cabe um ensino reforçar a transmissão de conteúdos, como acontecia no ensino
tradicional, o professor como transmissor de conteúdos e o aluno passivo no
recebimento das informações. É preciso que os profissionais da educação assumam
o papel de protagonistas, com propostas que envolvam seus alunos na tomada de
decisões, no pensar, refletir e questionar o contexto no qual estão inseridos,
além de produzir conhecimento por meio de diferentes propostas que lhes
permitam transitar entre o conhecimento historicamente e socialmente produzido
e a prática vivenciada.
Conclusão
Pelo
exposto sobre a investigação com relação ao lugar da docência, foi possível
socializar as atividades de extensão realizadas para atender os professores em
formação inicial e continuada em meio ao ensino emergencial, em decorrência da
Covid-19. Esta se configurou no entendimento dos pesquisadores e dos
participantes do projeto, como curso de formação continuada ao promover um
movimento que rompe os paradigmas do ensino tradicional.
O
ensino remoto provocou mudanças e marcas profundas em professores e comunidade
escolar de modo geral. É importante destacar que existe um campo científico
específico de saberes que precisam ser mobilizados para que as instituições de Ensino
Superior possam alcançar sua dimensão política, social e cognitiva (CUNHA,
2018). As instituições precisam realizar
um movimento de horizontalidade, como proposto por Nóvoa (2017); Cunha (2018),
contribuir com o avanço na condição formativa e demandas advindas da comunidade
escolar, respondendo às exigências da universidade no século XXI.
Os
textos produzidos desde as cartas escritas até as apresentações e textos orais
contêm elementos que trazem informações sobre o papel do ensino e da
universidade na medida em que tornam visíveis o diálogo entre estudantes em
formação e profissionais em atuação, confirmando o papel dessa relação no
processo formativo em andamento. As
aulas (lives) e cartas configuram como tempo-espaço de reflexões acerca dos
sentidos do que vem a ser professor em período pandêmico, da função social da
escola, como encontros privilegiados
sobre o que nos acontece e o que compõe a função docente.
As
questões guias produzidas não foram questões retóricas advindas de conteúdos
estudados ou solicitados, mas emergiram do local de onde estão inseridos os
participantes, local que pede respostas de emergências, as quais não podem
estar embasadas no senso comum, ao contrário, fundamentadas na mediação entre o
conhecimento adquirido e os saberes vivenciados. Desenvolver uma proposta de
formação continuada em meio ao ensino remoto, requer considerar a cultura
escolar como ponto de partida para a compreensão dos significados atribuídos
aos saberes pedagógicos pelos docentes.
As
temáticas trabalhadas pelos professores nas oficinas e reuniões reforçam os
vínculos identitários com a profissão, os saberes e conhecimentos, envolvendo a
reflexão e o movimento entre a teoria e prática, convidando-os a realizar novas
travessias.
Ressalta-se
que os projetos de extensão são importantes ações que contemplam a formação
continuada dos professores, o fortalecimento de vínculos entre professores de
diferentes instituições de ensino, a troca de experiências relacionadas ao
conhecimento e à vivência e as possibilidades de reflexão da prática
pedagógica. Refletir sobre a importância do professor no processo de mediação
do conhecimento pedagógico, bem como sobre a função social da escola,
principalmente no momento vivenciado pela pandemia do COVID-19, sendo essa uma
experiência nunca vivida. Consolida-se a percepção da necessidade do trabalho
conjunto de professores em atuação e de professores em formação. A importância da compreensão da necessidade de onde estão as
crianças, como está sendo a interação com as famílias, o que elas fazem e o que
chegam ao ouvido das professoras e assim produzir escutas, produzir palavras,
organizar e elaborar sentidos para uma ação.
Debruçar-se sobre as narrativas dos
alunos e professores das atividades de extensão, que configuraram a gênese das
experiências por eles denominadas como significativas, foi um processo
importante de aprendizagem sobre a formação continuada de professores. Não
encontramos pesquisas científicas que falem ou apontem os projetos de extensão
como proposta formativa para os professores. Esta experiência nos permitiu
compreender que os professores avançam no processo de identificar novas
configurações do conhecimento como possibilidades de formação que atendam suas
expectativas e respondam aos desafios da prática profissional, no qual realmente
sejam protagonistas das temáticas e das ações, além de auxiliar no
enfrentamento de desafios que terão de experimentar.
Referências
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Navegando, 2020.
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CUNHA, Maria
Isabel da. Docência na Educação Superior: a professoralidade em
construção. Educação, v. 41, n. 1, p. 6-11, 29 maio 2018.
CHATTERTON, Paul; GODDARD, John
(2003). The response of HEIs to regional needs. In: RUTTEN, Roel; BOEKEMA,
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LOMBARDI, José Claudinei. COLARES,
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Revista USP. São Paulo, n. 127, p. 11-26. Out./nov./dez.2020.
OLIVEIRA, Dalila. Condições de
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Out./nov./dez.2020.
PARANÁ. Deliberação CEE/CP N º 01/2020.
Instituição de regime especial para o desenvolvimento das atividades escolares
no âmbito do Sistema Estadual de Ensino do Paraná em decorrência da legislação
específica sobre a pandemia causada pelo novo Coronavírus – COVID-19 e outras
providências. Conselho Estadual de Educação: Curitiba, 2020.
______. Deliberação CEE/CP N º 02/2020.
Requerimento apresentado ao Conselho Estadual de Educação do Paraná para a
revisão da redação do artigo 2.º da Deliberação CEE/CP n.º 01/2020 para
permitir que o regime especial instituído por essa norma possa ser exercido
pelas instituições de ensino que ofertam a Educação Infantil. Conselho Estadual
de Educação: Curitiba, 2020.
_____. Deliberação CEE/CP N º 05/2020. Normas
para o retorno das aulas presenciais no Sistema Estadual de Ensino do Paraná,
no ano letivo de 2020. Conselho Estadual de Educação: Curitiba, 2020.
_____. UNIOESTE. PROEX. Resolução Nº.003/2020. Cascavel, abril,
2020.
UFMG. GESTRADO. Grupo de Estudos
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Belo Horizonte, UFMG, 2020.
VYGOTSKY,
Lev. Pensamento e Linguagem. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes 1991a.
VYGOTSKY, Lev. A formação social
da mente. 4º ed. São Paulo: Martins Fontes 1991b.
Recebido em: 22/07/21
Aprovado em: 28/08/21
[1] Pedagoga pelo UDC, Mestre em
Educação pela UNIOESTE-PR, Doutora em Educação pela UNISINOS-RS. Professora
Visitante na Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Membro do
Grupo de Pesquisa MEDIAR. E.mail: jfserraglio@gmail.com
ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-7854-4038
[2] Pedagoga pela UFMG, mestre e
doutora pela Faculdade de Educação da Unicamp. Professora Associada da UNIOESTE-PR
Campus de Foz do Iguaçu trabalha com as disciplinas de Infancia, Educação
Infantil, Alfabetização e Alimentação Escolar. E-mail: flaviaanastaciopaula@gmail.com.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3661-6221..
[3] Pedagoga pela UNIOESTE, campus Foz
do Iguaçu, mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UPF e doutora em
Educação pela Faculdade de Educação da UFPel. Professora Formadora de Professores
Pedagogos da Educação Básica do Estado de Mato Grosso - SEDUC/MT. E-mail: flavianademenech@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6249-2501.
[4] Pesquisa disponível na íntegra: disponível em:<http://undime.org.br/noticia/10-09-2020-09-48-pesquisa-revela-que-96-das-redes-municipais-de-educacao-estao-realizando-atividades-nao-presenciais-com-os-alunos-durante-a-pandemia>
Acesso em.: jan./2021.
[5] O protagonismo –
percebido como a participação do aluno, a tomada participativa de decisões, a
produção pessoal e criativa, o estímulo a formas de pensar situadas,
construtoras do trânsito entre a teoria e a prática. [...] O protagonismo tem a
ver com a superação da concepção construída pela ciência moderna que
dicotomizou o sujeito do objeto do conhecimento. [...] O protagonismo também
redimensiona a tradicional percepção negativa do erro nos processos de ensinar
e aprender porque pressupõe trabalhar com múltiplas possibilidades e o erro faz
parte da construção do conhecimento. Esta condição distensiona o aluno e o
libera para novas aventuras epistemológicas (CUNHA, 2001, p. 113)