Folclore, Linguagem e Interação: Perspectivas para uma Visão
Transcultural da Cultura
Folklore, Language and interaction: Perspectives
for a Cross-Cultural Vision of Culture
Folclore, lenguaje y interacción: perspectivas
para una visión transcultural de la cultura
Joel Cezar Bonin[1]
Fabiana Dalilla Becker[2]
Rita Márcia Twardowski[3]
Suéli Taiane Vicentim[4]
Vânia Cristina Marcon da
Rocha Lusa[5]
Resumo
A proposta deste artigo é estabelecer uma
correlação entre folclore, interação e linguagem. O folclore como identidade
social e cultural de um povo é abordado, num primeiro momento, desde a origem
da palavra, passando pelo amparo legal que o fundamenta, ganhando notoriedade
nesse campo de conhecimento em nosso país, buscando compreender algumas
características do termo, como aceitação coletiva, difusa e de origem popular,
herdado da junção do entroncamento dos povos indígenas, negros e europeus. Além disso, os estudos sobre o folclore
ganharam novo fôlego com atualizações importantes em uma visão transversal. A
segunda etapa do presente artigo apresentar a linguagem em uma combinação com a
cultura e a relativa importância da maneira que ela se manifesta,
principalmente na construção da escrita e preservação cultural. Busca entender
o sentido da diversidade cultural, manifestada por meio da linguagem, como
ponto de complementação e de interlocução e não como elemento de desagregação e
disjunção. A última etapa do artigo é argumentação em torno da Weltanschauung,
um conceito expressivo e abrangedor da realidade, que é uma maneira subjetiva
ver e entender o mundo. Aquilo que se vê e se compreende precisa ser filtrado
pela “visão de mundo”. A necessidade de uma visão transcultural e
transdisciplinar se faz necessária, já que o mundo que temos é resultado de
nossa visão e interpretação do mundo vivido. Assim, na relação estabelecida
entre linguagem, cultura e folclore, não se encontra um fechamento, uma
unilateralidade de uma cultura, mas, sim, uma fusão que se enriquece
mutuamente. Essa relação assume relevância para uma abordagem transcultural,
necessária para a construção identitária de uma sociedade.
Palavras-chave: Folclore; Linguagem; Transculturalidade; Weltanschauung.
Abstract
The purpose of this
article was to establish a relationship between language, culture and folklore.
Folklore, as a social and cultural expression of
a folk, was discussed in the first step of the text, since the origin of the
word, through the laws that ensure the freedom to experience it, until an
overview in Brazil, trying to understand that we experience and feel the
folklore in our daily lives, inherited from the junction of different folks.
Besides that, the impact of folklore in a cross-sectional view was written. In
the second step, we tried to show the language in its relation with culture and
the importance of language, mainly written, in the construction and cultural
preservation. We tried to understand the sense of cultural diversity expressed
through the language, as
a point of complementation and interlocution and not as an element of
disaggregation and disjunction. The last
stage of the article was the debate around Weltanschauung, a concept
that embraces reality, which serves as a basis for the interpretation of the
world. What is seen and understood, needs to be filtered by the "world
view". The need of a cross-cultural and transdisciplinary vision is
necessary, since the world we have is the result of ourselves and the
interpretation of the lived world. So, in the relationship between language, culture and
folklore, there is not a closure, a one-sidedness of a culture, but a fusion
that enriches each other. This relationship assumes relevance for a
transcultural approach, necessary for the construction of a society's identity.
Keywords: Folklore; Language; Transculturalism;
Weltanschauung.
Resumen
La propuesta de este artículo es establecer una
correlación entre Folclore, interacción y lenguaje. El folclore como identidad
social y cultural de un pueblo es abordado en un primer momento, desde el
origen de la palabra, pasando por el amparo legal que lo fundamenta, ganando
notoriedad en ese campo de conocimiento en nuestro país, buscando comprender
algunas características del termo, como aceptación coletiva, difusa y de origen
popular, heredado de la junción del entroncamiento de los pueblos indígenas,
negros y europeos. Además, los estudios
sobre el folclore ganaron nuevo aliento con actualizaciones importantes em una
visión transversal. La segunda etapa del presente artículo presenta el lenguaje
en una combinación con la cultura y la relativa importancia de la manera que
ella se manifiesta, principalmente en la construcción de la escrita y
preservación cultural. Busca comprender el sentido de la diversidad cultural,
manifestada a través del lenguaje, como punto de complementación y de
interlocución y no como elemento de desagregación y disyunción. La última etapa
del artículo es argumentación sobre la Weltanschauung, concepto
expresivo y que abarca la realidad, que es una manera subjetiva ver y
comprender el mundo. Aquello que se ve y se comprende, necesita ser filtrado
por la “visión de mundo”. La necesidad de una visión transcultural y
transdisciplinar se hace necesaria, pues el mundo que tenemos es resultado de
nuestra visión e interpretación del mundo vivido. Así, en la relación
establecida entre lenguaje, cultura y folclore, no se encuentra un cierre, una
unilateralidad de una cultura, pero, sí, una fusión que se enriquece
mutuamente. Esta relación adquiere relevancia para un enfoque transcultural,
necesario para la construcción de la identidad de una sociedad.
Palabras clave: Folclore; Lenguaje; Transculturalidad; Weltanschauung.
Introdução
Falar sobre
cultura parece ser uma prática recorrente se abordada por uma perspectiva
unidimensional. Todavia, pensar a cultura a partir de um olhar multifacetado
pode nos levar para uma compreensão mais ampla e profunda dos fenômenos
culturais, haja vista a compreensão comumente aceita e difundida por Edward
Tylor sobre cultura. Outrossim, a definição do antropólogo inglês é aceita como
a forma mais complexa e abrangente de definição do vocábulo cultura. Em suas
palavras, cultura é “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as
crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes, e qualquer outro hábito e
capacidade adquirida do homem” (TYLOR, 1871, p.31). Por esse entendimento,
podemos compreender que falar sobre cultura implica falar sobre vários aspectos
que, recorrentemente, podem passar despercebidos pela maioria das pessoas.
Desse modo,
o artigo proposto busca abordar alguns elementos fundamentais da noção de
cultura, de modo especial, as manifestações folclóricas e linguísticas. Falar
sobre folclore não é apenas expressar uma forma de análise daquilo que se
manifesta no cotidiano das pessoas, mas também compreender que existem formas
de interpretação de suas irrupções. Assim, tenta-se mostrar como o folclore
surge como sincretismo do encontro de muitas interpretações de mundo e de
muitas formas de linguagem popular.
Concomitantemente
a isso, destaca-se em nosso texto a importância, a partir da noção de
sincretismo, da transculturalidade e da linguagem. As palavras tentam expressar
as coisas, porém, essas coisas podem ser abstratas e só podem ser assimiladas
dentro do universo cultural no qual as pessoas estão inseridas. Assim, a abstração
não é intangível, mas é, ao contrário, expressão da visão de mundo cultural de
uma localidade, de um estado ou país. Assim sendo, a territorialidade pode ser
um elemento importante para compreender uma cultura. Contudo, as bordas
limítrofes de cada cultura não se limitam ao espaço geográfico, pois
ultrapassar as suas fronteiras é uma das características mais comuns de todas
as culturas presentes no mundo.
Assim sendo,
nosso texto se divide nas seguintes etapas: a) o folclore como manifestação
cultural e social de um povo; b) a necessidade de uma visão transcultural da
cultura; c) a Weltanschauung e a
importância da linguagem para a constituição das identidades pessoais e d)
considerações finais.
O Folclore como manifestação cultural e social de um povo
Falar sobre
folclore é falar de todas as manifestações culturais populares de um povo. Para
tanto, a Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) considera o Folclore
como Patrimônio Cultural Imaterial, enfatizando que sua preservação é de
extrema importância. Da ideia de imaterialidade, surge a compreensão da
intangibilidade como um elemento importante para a assimilação do conceito de
abstração. Os elementos folclóricos de um povo podem ser pontuados (não só, mas
principalmente) a partir de narrativas, contações de histórias/estórias, lendas
e parlendas. Desse modo, pensar o folclore implica pensar no processo
comunicativo de repasse dessas informações. Nesse sentido, a abstração e a
intangibilidade são fatores importantes para a compreensão dos aspectos
folclóricos de um povo.
Não obstante, a origem da palavra “folclore” ocorreu em 22 de agosto de 1846, através
do arqueólogo inglês Willian John Thoms, que empregou, “[...] a palavra folk-lore, composta de dois vocábulos
saxônicos antigos: folk, significando
povo, e lore, que quer dizer
conhecimento ou ciência” (MEGALE, 2011, p. 11). Palavra essa, que sofreu
aportuguesamento e atualmente é muito conhecida e utilizada em nosso país como
folclore, pois ainda, segundo Megale:
No Brasil,
após a reforma ortográfica de 1934, que eliminou a letra K, a palavra perdeu
também o hífen e tornou-se folclore.
O folclore é encontrado na literatura sob a forma de poemas, lendas, contos,
provérbios e canções, assim como nos costumes tradicionais como danças, jogos,
crendices e superstições. Verifica-se também sua existência nas artes e nas
mais diversas manifestações da atividade humana. (MEGALE, 2011, p.11-12).
Dessa forma,
o folclore se apresenta no simbolismo, na identidade cultural e nas tradições
de cada povo, das mais variadas formas e nas diversas faces das classes
sociais, se perpetuando na história através das gerações e influenciando na
nossa maneira de viver.
Em 1995,
fora realizado em Salvador-BA o “VIII Congresso Brasileiro de Folclore”
organizado pela Comissão Nacional de Folclore, o qual fez uma revisão da Carta
do Folclore Brasileiro que foi elaborada no “I Congresso Brasileiro de
Folclore” realizado em 1951 no Rio de Janeiro-RJ. Tal revisão se fez necessária
para a atualização de estudo e proteção do folclore brasileiro frente aos
avanços das ciências sociais e humanas, considerando recomendações emitidas
pela UNESCO, definindo em seu capítulo I que:
Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade,
baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente,
representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de identificação
da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade,
funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como
equivalentes, em sintonia com o que preconiza a Unesco. A expressão cultura
popular manter-se-á no singular, embora entendendo-se que existem tantas
culturas quantos sejam os grupos que as produzem em contextos naturais e econômicos
específicos. (CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO, 1995 [s.n.]).
Como vimos, em nossa introdução, Tylor
expõe que cultura é um complexo de fatores que se conjugam, que se reúnem e que
formam uma amalgama coesa. Com esse pressuposto em mente, nota-se que a Carta
do Folclore Brasileiro coaduna perfeitamente com a ideia apresentada por Tylor,
pois os fatores de identificação folclórica não são somente elementos que estão
dispersos e difusos na realidade social de uma comunidade ou povo, mas estão
sincretizados e amalgamados, de modo que não se vê uma separação entre os
fatores, mas uma conjugação constante entre eles. A noção de complexo dada por
Tylor dá a entender de que falar sobre cultura (e, consequentemente, em
folclore) resulta na ideia de que compreender a vida social de um povo é
corolário não apenas da soma das partes que a compõe, mas de uma visão ampla e
pormenorizada do todo.
Dessa forma, no Brasil, o Dia do Folclore
foi oficializado em 17 de agosto de 1965 por meio do Decreto nº 56.747,
assinado pelo então presidente militar Humberto de Alencar Castello Branco e por seu Ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda,
conforme seus três artigos:
Art. 1º Será celebrado anualmente, a 22 de agosto, em todo o
território nacional, o Dia do Folclore.
Art. 2º A Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro do Ministério
da Educação e Cultura e a Comissão Nacional do Folclore do Instituto Brasileiro
da Educação, Ciência e Cultura e respectivas entidades estaduais deverão
comemorar o Dia do Folclore e associarem-se a promoções de iniciativa oficial
ou privada, estimulando ainda, nos estabelecimentos de curso primário, médio e
superior, as celebrações que realcem a importância do folclore na formação
cultural do país.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário. (BRASIL, Dec.
56.747/65).
Atualmente,
o direito do indivíduo em vivenciar as diversas formas de manifestação cultural
é garantido nos artigos 215 e 216 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988:
Art. 215. O
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais.
Art. 216.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira nos quais se incluem:
I - As
formas de expressão;
II - Os
modos de criar, fazer e viver;
III - As
criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - As
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Por esse
prisma e com base nessas questões legais, culturais e sociológicas, é preciso
ponderar sobre o impacto do folclore em uma visão transversal, pois somente a
cultura isolada de sua fundamentação legal pode ser incompleta. Sabemos que o folclore tem grande influência sobre a cultura popular
brasileira, haja vista que suas contribuições visam manter a oralidade cultural
e literária presente em toda sociedade. De outro lado, deve-se lembrar que a
mídia massificada e fortemente influenciada pelo viés não-literário coaduna com
os pressupostos da produção industrializada que tentam uniformizar o que se
entende por cultura. Na percepção da identidade cultural, não é raro ouvirmos afirmações de
que valores e referenciais identitários estão sendo aniquilados. Nesse intento,
busca-se compreender o que restringiu esses estudos culturais dentro dos
processos de conhecimento e reconhecimento das pessoas.
Portanto,
resgatar a identidade cultural demanda a necessária compreensão de que todos
nós vivenciamos e sentimos o folclore no nosso cotidiano, herdado da junção dos
diferentes povos e que se apresenta nas superstições, nos ditados populares,
crendices, ervas medicinais, cantos, festas, parlendas, trava-línguas, entre
outros e, segundo Megale (2011, p. 24): “As origens do folclore brasileiro
prendem-se à formação do seu povo. Três elementos básicos – o índio, o branco e
o negro – aqui se misturaram, fundindo numa só as diferentes culturas”.
Embora algumas das manifestações não sejam criações
espontâneas do folclore brasileiro, a circulação dos “fatos sociais” é uma
realidade inegável. Dessa forma, a contação de várias estórias e histórias,
recebe características regionalizadas que transformam os fatos em mitos e
crendices. Nesse contexto, foram incorporadas e criadas as tradições do nosso
país. Sobre isso, deve-se salientar que a originalidade de cada relato
folclórico pontual não é apenas uma maneira de manter viva a narrativa de
histórias/estórias, mas cultura viva das identidades regionais.
Desse intricado mosaico composto pelas etnias
indígenas, pelo português e pelos africanos com diferentes níveis de cultura,
Alfredo João Rabaçal discorre:
O
folclore brasileiro é basicamente, o produto do encontro dessas três correntes.
É o produto da aglutinação, num efervescente caldeamento reinterpretativo, de
traços e complexos dessas culturas, originando não só manifestações
especificamente nacionais, como também regionais e locais. (RABAÇAL, 1967, p.
3)
Em relação à
cultura indígena, herdamos os mistérios da natureza em que o respeito pelas
águas, terras e animais se faz muito presente em suas tradições; as fábulas e
contos trazem como heróis os animais de nossas matas como o Boitatá, Iara,
Saci-Pererê etc. Lendas como a origem do guaraná, da mandioca; as danças e um
forte artesanato com matéria-prima extraída da natureza como madeira, argila,
palha, plumagem e o hábito de banhos frequentes são manifestações de origem
indígena. As contribuições da cultura europeia em nosso folclore trazem
referência na literatura como Pedro Malasartes, Chapeuzinho Vermelho, fadas e
madrastas. É fortemente encontrada a tradição europeia nas questões de cunho
religioso de devoção, nas festas juninas, natalinas e no famoso carnaval. A
presença portuguesa pode ser vista igualmente no artesanato por meio das
rendas, bordados e pinturas.
Por sua vez,
crenças religiosas e rituais como o Candomblé, Umbanda e Macumba, bem como,
divindades como Iemanjá, Ogum, Oxalá são manifestações culturais de origem
africana que foram incorporadas a nossa cultura pelos afrodescendentes. Estes
também foram responsáveis por nos apresentar o samba, a capoeira e algumas
especiarias gastronômicas como o vatapá, o acarajé, a cocada, o quindim, dentre
outras. (MEGALE, 2011).
Assim sendo,
o folclore destaca-se entre a linguagem oral e escrita, tendo a literatura,
costumes e crenças como principais manifestações artísticas que são
transmitidas através da comunicação entre os povos. Entre as principais formas
de transmissão, podem-se destacar os gestos, os registros e a oralidade. Nesse
ponto, deve-se salientar o uso da linguagem informal entre o falar e o ouvir,
comumente expressa como linguagem coloquial, isenta de normas gramaticais, de
acordo com as formas de comunicação necessárias para o convívio social.
Tendo essa
constatação em mente, é fulcral destacar que a linguagem é um dos elementos
mais marcantes para se compreender as dimensões folclóricas de uma cultura ou
povo. A ideia de transformar pensamentos em palavras e tornar isso inteligível
por meio da comunicação é um dos aspectos mais fascinantes da interação humana.
A linguagem falada e escrita representa um dos fatores essenciais da
diversidade humana e um dos quesitos fundamentais para o reconhecimento do
valor da interatividade transcultural.
Dessa breve
conclusão, deseja-se agora abordar a visão transcultural da cultura por meio da
linguagem de modo mais pormenorizado, de tal maneira que nos convêm abordar
nosso próximo item, elencando os diversos pontos de amarração que costuram o
folclore com a linguagem e a comunicação.
A necessidade de uma visão transcultural da cultura
Uma vez que
é a linguagem, na sua relação dialógica, que constrói e perpetua a cultura,
pois esta tem seu papel emancipatório e auxiliar na constituição de sujeitos
críticos, capazes de interferir, transformar ou manter o espaço em que vivem
sem perder as características regionais, é preciso destacar a relação entre
linguagem e cultura de modo claro e enfático.
Em outras
palavras, os elementos que transformam os sujeitos pertencentes a uma
comunidade em sujeitos singulares podem ser condensados em dois termos: cultura
e linguagem. Portanto, faz-se necessário destacar algumas ideias que tratam da
relação entre as diferentes culturas e as diversas formas de linguagem
existentes nestas culturas, seja de modo intra ou extracultural.
Nesse
sentido, há três conceitos fundamentais: universalismo, relativismo e
multiculturalismo. Pereira e Silva (2013 apud
BARROSO; BONETE, QUEIROZ, 2017) ressaltam
que o universalismo reconheceu a dignidade humana, desconsiderando as
diferenças culturais. Para tanto, eles se basearam na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, que foi o documento adotado pelas Nações Unidas (ONU) para
defender a dignidade da pessoa humana. Assim:
Com a
universalização, portanto, buscou-se proteger o indivíduo simplesmente por ser
um ser humano, independente de seu país, de sua cultura. Apenas a condição de
ser humano é que interessa ao universalismo cultural, já que tais direitos
decorrem inescapavelmente da própria dignidade humana, entendida como valor
indissociável da condição de ser humano (PEREIRA, SILVA, 2013 apud BARROSO, BONETE, QUEIROZ, 2017,
p. 50).
Todavia, os
mesmos autores destacam que é imprescindível que se tenha um certo cuidado ao
utilizar esse conceito, pois no contexto do imperialismo e da globalização,
esse argumento pode ser utilizado para interferir nas culturas locais diversas,
visando à dominação e a aculturação dos povos (BARROSO; BONETE, QUEIROZ, 2017).
Já o
relativismo defende a preservação das diferenças culturais e a preservação das
identidades e diversidades das inúmeras sociedades existentes, respeitando a
autonomia de cada nação, de cada povo, numa relação de respeito aos valores e
crenças de cada sociedade (BARROSO; BONETE, QUEIROZ, 2017).
Ainda de
acordo com Barroso, Bonete e Queiroz (2017), no multiculturalismo deve haver
harmonia na convivência da pluralidade cultural pois, nesse sentido, defende-se
uma ideia aglutinadora, híbrida e agregadora de direitos humanos que consideram
tanto as igualdades quanto as diferenças entre as pessoas. Nesse sentido, Silva
e Pereira afirmam:
O
multiculturalismo, tal como eu entendo, é pré-condição de uma relação
equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a
legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política
contra-hegemônica de direitos humanos no nosso tempo (PEREIRA, SILVA, 2013 apud BARROSO; BONETE, QUEIROZ, 2017,
p. 51).
Assim sendo,
vemos que falar sobre ideias multiculturais resulta por corolário na
necessidade de se pensar em formas “não-oficiais” de pensamento cultural. De um
modo geral, pensar uma visão unívoca sobre cultura é um grave erro pois em
nenhuma localidade, as manifestações culturais expressam a totalidade
identitária de um povo. Existe sempre uma visão do todo quando se pensa em
manifestações culturais, mas elas não representam por completo o modo de ser de
uma localidade. Podemos pensar que, em determinadas regiões do Estado de Santa
Catarina, por exemplo, as manifestações culturais de matriz germânica sejam
predominantes, mas nem todos os habitantes destas regiões são de descendência
germânica. Assim, manifestações culturais de outra nacionalidade (ou
propriamente brasileiras) são formas contra hegemônicas para demonstrar a
importância do multiculturalismo em detrimento do culturalismo, pois onde há
hegemonia cultural, sempre podem ser encontradas formas de manifestação contra hegemônica.
Dessa forma,
retomando a ideia de criticidade adquirida pela linguagem, temos na literatura
(que não se expressa somente em livros “oficiais”) um forte aliado no
desenvolvimento do pensamento crítico, como forma de combate ao controle
ideológico estabelecido pela classe dominante, pois
A
Literatura é uma dessas disciplinas que, com o seu potencial dialético,
possibilita leituras de mundo das mais variadas que pode ou não culminar em
análises que questionam a estrutura social e econômica e sistemas de exploração
de grupos sociais sobre outros (OLIVEIRA, 2016, p. 42).
Dessa forma,
a partir da necessidade que a humanidade teve de viver em comunidades, surgiu
um importante meio de produção e perpetuação cultural, que é a linguagem.
Segundo Busatto (2003 apud BRANDT;
GUSTSACK; FELDMANN, 2009, p.174), “a literatura oral é a mais genuína das
expressões culturais da humanidade, não sendo possível lhe atribuir uma
paternidade”. Se compararmos a literatura oral com a literatura escrita,
observamos na primeira algumas características que dão a ela uma estrutura
única. A pronúncia, o ritmo, o estilo e a seleção das palavras estão a serviço
da memorização e contribuem para atrair a atenção do interlocutor. Segundo
Bonvini, “os textos orais [...] convidam a partilhar com o outro a procura do
sentido (BONVINI, 2016, p. 7). Os contadores de histórias foram, durante muito
tempo, responsáveis pela perpetuação de mitos, fábulas e muitas outras formas
de expressão oral. Já no texto escrito “a palavra se separa da pessoa, o
passado é separado do presente e a relação com o outro e com seu universo
espaço-temporal é mediatizada (BONVINI, 2016, p. 8).
Contudo, foi
a linguagem escrita que possibilitou à humanidade a produção e apropriação da
cultura e do conhecimento historicamente acumulado. Assim, ela se constitui
como elemento fundamental na construção e preservação cultural, pois é através
dela que as histórias são perpetuadas. À luz desse pensamento, há que se
encontrar formas dinâmicas e eficientes para o desenvolvimento da competência
linguística nos indivíduos, pois é através do seu uso que nos conhecemos,
expomos nossas memórias e participamos do processo de constituição da língua
que sendo viva, criativa e dinâmica, é constantemente modificada por seus
falantes.
Nesse viés,
Bakhtin em seus estudos linguísticos, afirma que a língua é constituída nas
relações dialógicas, a partir do pensamento e da troca com o outro, mediada
pelo diálogo em um processo de interação constante, ou seja, a troca que
acontece através da interação verbal permite a aquisição do conhecimento pelos
sujeitos envolvidos nesse processo (LORENZETTI; CAMPOS, 2013). Assim, a
dimensão dialógica se estende para além da troca de mensagens, mas como uma
questão constitutiva das interações sociais.
De acordo
com Geraldi (2013), Bakhtin apresenta uma crítica ao conhecimento instrumental,
produzido para atender interesses privados ou políticos de grupos específicos,
ao mesmo tempo em que afirma a importância do compromisso ético de cada um com
a vida. Nessa perspectiva, a linguagem é responsável por expressar e traduzir
os sentidos da experiência vivida, ou seja, “A ênfase está no lugar ocupado
pelo olhar e pela palavra na constituição do sentido que conferimos à nossa
experiência de estar no mundo, sentido esse atravessado por valores que fazem
parte da cultura de uma época” (GERALDI, 2013, p.16)
Geraldi
(2013) afirma ainda que para Bakhtin, em todo texto (e contexto de mundo) há o
comparecimento do outro com suas contrapalavras que, pelo movimento de
compreensão responsável dá vida à escuta e à escrita, construindo sentidos que
são diferentes daqueles emitidos pelo locutor, ou seja, é a apropriação da
linguagem, através da experiência dialógica, estabelecida nas relações sociais
que propicia a comunicação e a inserção do sujeito no mundo, através da qual os
indivíduos incorporam a mentalidade e a cultura da época em que vivem,
transformando-a na medida que constroem significados diferentes daqueles já
estabelecidos.
Corroborando
com isso, Habermas (2012) defende que é fundamental que o desenvolvimento da
linguagem aconteça de forma competente, pois para o autor, tal competência é
imprescindível na formação de indivíduos emancipados que, pelo uso adequado da
razão (construída pela competência linguística), desenvolvem capacidade
argumentativa e que tal capacidade, sendo utilizada pela coletividade, induz os
grupos sociais a discutirem seus dilemas e através do consenso, encontrarem
formas de resolvê-los. Em outras palavras: para Habermas, é a competência
linguística que facilita o entendimento entre os indivíduos, propiciando novas
concepções culturais, induzindo às transformações sociais necessárias para a
construção de uma sociedade mais justa (GOMES, 2007).
Desse modo,
se considerarmos o início da linguagem até os dias atuais, observamos uma
modificação, uma atualização constante das formas linguísticas. Como exemplo,
destacamos que a criação lexical pode nascer meramente da intenção literária do
autor de se expressar, mas também de uma necessidade de se expressar de maneira
única (PINHEIRO, 2008, p. 17): “uma vez verificada a possibilidade da renovação
do léxico e a propriedade do escritor em reconstruí-lo, torna-se nítido que as
novas lexias foram criadas com uma intenção”. Porém, para isso o escritor se
utiliza de instrumentos que a própria língua oferece, dando ao texto seu estilo
individual, sua interpretação e sua intenção.
Voltando ao
conceito de Habermas sobre a competência linguística, que pode facilitar o
entendimento entre indivíduos e entre concepções culturais, podemos entender a
competência transcultural como fundamental. Segundo Heloísa Bacchi Zanchetta,
esta
pode
ser entendida como um estado de consciência em que o [sujeito] é capaz de
refletir sobre o mundo e sobre si mesmo através das lentes de outra língua e
outra cultura, sem julgamento do que é certo ou errado, do que é bom ou ruim. É
compreender o outro, junto com suas crenças, história e ideologia, sem
menosprezar sua cultura e reconhecê-lo como parte de um contexto sociocultural,
bem como transformar-se a si mesmo e a sua própria formação cultural, no
sentido de entender sua participação na sociedade (ZANCHETTA, 2015, p. 35).
Assim sendo,
a formação e a identidade de cada pessoa demandam a presença da diferença. O
diferente, seja do ponto de vista cultural ou linguístico, não devem despertar
ojeriza ou repulsa, mas admiração e interesse. A diversidade cultural em nosso
contexto de mundo deveria nos colocar em uma posição de aprendizado constante e
não de afastamento. As diferenças culturais devem nos enriquecer a ponto de
vermos os pontos de complementação e de interlocução e não os elementos de
desagregação e disjunção. Assim, a capacidade de ver o outro “como um outro eu”
é um desafio cultural, pois até mesmo do ponto de vista da formação cultural e
identitária a partir “de nossas casas”, fomos ensinados de que existe o “nós” e
o “eles”. Comumente, este “eles” foi nos apresentado como adversário, inimigo,
inferior ou digno de exclusão.
Essa forma
de excluir o outro, normalmente, foi dada sem maiores explicações ou
demonstrações. Bastava que o outro fosse determinado como pertencente ao grupo
do “eles”. Tal determinação já era, por si só, motivo suficiente para a
rotulação e o banimento. Desse modo, pensar a diversidade cultural torna-se uma
necessidade premente de inclusão e aceitação de que o aprendizado de outras
culturas não é uma tarefa piegas ou de soberba, mas uma questão de
sobrevivência de nossas próprias identidades culturais, pois quanto mais
aprendemos sobre outras realidades culturais e linguísticas, mais nos damos
conta da intersecção e dos interstícios que coligam os valores sociais e
culturais dos povos. Por isso, a emergência da transculturalidade e do diálogo
intercultural.
Diante
disso, convêm apresentar o ponto c de
nosso texto, a saber: a Weltanschauung e
a importância da linguagem para a constituição das identidades pessoais.
A Weltanschauung e a importância da linguagem para a
constituição das identidades pessoais
A ideia de Weltanschauung pode ser condensada em
uma definição como cosmovisão ou, de modo mais genérico, como visão de mundo. A
palavra é usada no seu termo em alemão, como união dos termos Welt (mundo) e Anschauung (visão). Essa ideia remete, segundo Fabio Ciraci
(2019), à uma forma de compreensão que tenta abarcar todo saber e conhecimento
que uma pessoa possui sobre o mundo. Assim sendo, a Weltanschauung se transforma em uma chave de leitura do mundo, um
conceito abrangente e abrangedor da realidade, que serve de base para a
interpretação do mundo. Aquilo que se vê e se compreende, precisa ser filtrado
pela “visão de mundo” que as pessoas possuem. Essa visão, outrossim, é uma
construção social dada pela cultura na qual os sujeitos estão postos.
Todavia, há
perigos que devem ser evitados na medida em que a Weltanschauung assume uma visão unívoca e restrita do mundo. Assim,
Ciraci adverte que
a Weltanschauung seria desse modo uma
visão “abrangente” para dizê-lo com Karl Jaspers, que há lugar “[...] em um
momento em que nosso mundo, nossa realidade, nossos objetivos são fixos e se
tornam óbvios, ou ainda não experimentamos a possibilidade da visão do mundo ou
ficamos rígidos em uma concha e não fazemos mais nenhuma experiência” (CIRACI,
2019, p. 268).
Dessa
interpretação fixa e estanque da realidade, é possível compreender que a visão
de mundo dos sujeitos no mundo é consequência na imersão de cada um em mundos
existentes e possíveis, permeados e encharcados por elementos culturais locais
ou nacionais. Sob esta égide, impera a força da linguagem e da comunicação que
costura toda amalgama social. Contudo, como tentamos abordar em nosso texto, a
lógica do isolamento e do solipsismo linguístico não aporta novidades ou
transformações para a abertura à transculturalidade.
Assim sendo,
pensar na Weltanschauung implica
pensar em um ponto de partida e não de chegada. Em outras palavras: a visão de
mundo que temos dá início à nossa existência como sujeitos culturais, capazes
de enxergar e interpretar o mundo que nos cerca. Mas, para vermos para além dos
muros e das cercas, é preciso convir que não é possível nos enredarmos em nossa
própria realidade. É preciso galgar certos degraus que nos possibilitem ver o
que está para além das fronteiras de nossa cultura. A necessidade de uma visão
transcultural e transdisciplinar se faz necessária, já que o mundo que temos é
resultado de nossa visão e interpretação do mundo vivido.
A Antropologia
e a Filosofia sempre se preocuparam com a linguagem e com as formas possíveis
de comunicação que os seres humanos inventaram para estabelecer pontes entre
si. Essas pontes são criadas a partir da necessidade local ou nacional de
interação entre os indivíduos que precisam se entender sobre o mundo e sobre as
coisas no mundo, ou seja, localmente, a linguagem e/ou o idioma são resultado
de “uma visão de mundo” que seja capaz de agregar os sujeitos sobre coisas
comuns a todos, desde objetos até sentimentos.
Todavia, na
medida em que os sujeitos são capazes de se entenderem localmente, criam-se
grupos linguísticos, dentro desta mesma realidade, que expressam de modo
diverso o seu entendimento sobre o mundo. Dessa constatação, vemos que criam-se
igualmente, na medida do distanciamento territorial, novas formas de expressão
e comunicação sobre as coisas no mundo. Desse simples entendimento, temos a
simultaneidade da invenção de muitas visões de mundo diversas e heterogêneas;
donde temos, por efeito, a ideia de diversidade cultural. Porém, essa verdade
que nos parece autoevidente sempre sofreu impedimentos e interdições. E por
quê?
Em nosso
entendimento, tal pergunta é necessária pois como dito neste texto com outros
argumentos, algumas Weltanschauung se
impõem sobre outras. É o já citado problema da hegemonia versus contra hegemonia, pois onde há imposição também há
resistência. Assim sendo, como tentamos apontar desde o início de nossa discussão
ao longo deste texto, o folclore, as manifestações linguísticas regionais, as
expressões populares, os neologismos e as contações de histórias são formas de
mostrar que a linguagem e as interações não se efetivam por meio da prescrição
de regras gramaticais, mas se constituem por meio das práticas sociais
(culturais, históricas, ideológicas). Outrossim, o domínio multiletrado e
multidimensional pode favorecer o diálogo entre culturas, entre visões de mundo
e entre “mundos tão diversos e distintos”. Isso evidencia a dimensão
transcultural das questões folclóricas aqui problematizadas.
A
complexidade do conceito de Tylor encontra solo fértil na complexidade do
encontro com tantas culturas diferentes no século XXI, marcado essencialmente
pela volatividade, pela velocidade e pela transitoriedade. A abertura ao
diferente não é só um fenômeno contemporâneo, mas uma condição que evidencia
nossa própria condição de sujeitos neste mundo eminentemente complexo. Um dos
autores que confirma com grande veemência esta intuição é Edgar Morin:
Acontece
que o problema da complexidade não é o da completude, mas o da incompletude do
conhecimento. [...] Por exemplo, se tentamos pensar no fato de que somos seres
ao mesmo tempo físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e
espirituais, é evidente que a complexidade é aquilo que tenta conceber a
articulação, a identidade e a diferença de todos esses aspectos, enquanto o
pensamento simplificante separa esses diferentes aspectos, ou unifica-os por
uma redução mutilante. Portanto, nesse sentido, é evidente que a ambição da
complexidade é prestar contas das articulações despedaçadas pelos cortes entre
disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento. De
fato, a aspiração à complexidade tende para o conhecimento multidimensional.
Ela não quer dar todas as informações sobre um fenômeno estudado, mas respeitar
suas diversas dimensões: assim como acabei de dizer, não devemos esquecer que o
homem é um ser biológico-sociocultural, e que os fenômenos sociais são, ao
mesmo tempo, econômicos, culturais, psicológicos etc. Dito isto, ao aspirar a
multidimensionalidade, o pensamento complexo comporta em seu interior um
princípio de incompletude e de incerteza (MORIN, 2005, p. 176-177).
Com base nas
ideias de Morin, conclui-se que o diálogo inter e transcultural é um elemento
característico da complexidade, pois “conversar com a alteridade” significa
compreender que nossas convicções, palavras, sentimentos e sensações, bem como,
as “verdades do outro” estarão sempre assinaladas pela incompletude e pela
falta constitutiva. Uma visão de mundo, nesse caso, só pode participar da
interação com o outro se for considerada, de antemão, como incompleta e
complexa. Ou, como diria Habermas (2012), a capacidade argumentativa e
interacionista de todos os seres humanos só é possível quando superamos nossa Weltanschauung subjetiva rumo à uma
visão de mundo intersubjetiva.
Assim sendo,
todas as formas de expressão cultural (folclore, linguagem, interações, etc)
devem ser consideradas como fundamentais em uma perspectiva transcultural. As
heranças de um pensamento único sobre cultura devem ser ressignificadas ou
reinterpretadas por um pensamento múltiplo que possa ampliar todas as visões de
mundo possíveis. Não se trata, pois de abandonar os modos culturais herdados do
passado; basta que sejamos capazes de reconsiderar os paradigmas do passado com
as necessidades do presente que, em nosso entendimento, deve passar pela lente
atenta da transculturalidade.
Considerações finais
O objetivo do artigo foi definir e estabelecer a inter-relação entre
linguagem, cultura e Weltanschauung e constatar as contribuições do folclore na
manutenção dos aspectos culturais locais, bem como propiciar aos leitores a
ideia da importância dos conceitos para a preservação da identidade cultural
dos povos, ao mesmo tempo em que ressalta a necessidade da abordagem
transcultural na aquisição da consciência cultural de cada um.
Ao se
conceber a ideia de que cultura e linguagem são fenômenos sociais
indissociáveis, que se constroem mutuamente e dialogicamente, há que se
considerar que os textos orais e escritos, entendidos como literatura, são
contribuições da cultura de uma época que, mesmo temporalmente distante de nós,
não é fechada em si mesma, como algo pronto e acabado, mas sim como uma unidade
aberta, capaz de irradiar o passado e projetar o futuro. Em cada cultura há
imensas possibilidades de construção de novos sentidos, pois admitem novas
descobertas e até mesmo reconstruções de sentidos já estabelecidos, sejam as
culturas contemporâneas ou constituídas em épocas diferentes.
Dessa forma,
manter vivos os costumes de nossos antepassados, através das histórias contadas
ou escritas é um meio de dialogar com a cultura de uma época, ao mesmo tempo
que nos apropriamos da sua forma de ver o mundo e entendemos melhor o espaço do
qual fazemos parte.
Então, ao se
entender o folclore de um povo como parte essencial de sua cultura, entende-se
também a relação dialógica entre diferentes maneiras de ver e entender o mundo,
na medida em que esse possui instrumentos para revelar a cultura do outro, de
forma plena e profunda; entende-se também que seu estudo é fundamental para a
transculturalidade da própria cultura.
Assim sendo,
na relação estabelecida entre linguagem, cultura e folclore, há que se
considerar que, na dialogicidade da linguagem, o sentido só se revela profundo
no contato com o outro, pois é o outro que nos permite perceber como sujeitos
sociais, que habitam um espaço e incorporam a cultura desse espaço. Essa
relação supera o fechamento e a unilateralidade dessa cultura, que na relação
transcultural não se funde, nem se confunde, mas se enriquece mutuamente.
Ora, se é
necessário que percebamos a cultura do outro para nos tornarmos conscientes da
nossa própria; então, é na transculturalidade que encontraremos espaço para a
percepção de nós mesmos enquanto sujeitos histórica e socialmente construídos,
através da consciência da existência de outras manifestações culturais, e que
essas são, na verdade, instrumentos para o desenvolvimento de nossa criticidade
e capacidade de transformar àquilo que nos incomoda no nosso próprio território
cultural.
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Faculdade de Ciências e Letras – (UNESP) Araraquara – SP. 2015.
Recebido em: julho 2021.
Aprovado em: setembro/2021.
[1] Doutor em Filosofia pela PUC-PR. Professor do PPGEB – UNIARP,
Caçador-SC. Email: joel@uniarp.edu.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0437-7609;
[2] Mestranda pelo PPGEB – UNIARP, Caçador-SC. Professora de Língua Inglesa
na Escola de Educação Básica Expedicionário Mário Nardelli, em Rio do Oeste-SC.
Email: fabianadalila35@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6267-5965
[3] Mestranda pelo PPGEB – UNIARP, Caçador-SC. Professora de Geografia na
Escola de Educação Básica Professor Clementino Britto, de Porto União-SC, ritatwardowski@yahoo.com.br.
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4151-6743
[4] Mestranda pelo PPGEB – UNIARP, Caçador. Coordenadora de
Patrimônio/Compra Rotativa da Secretaria Municipal de Educação-União da
Vitória/PR. Email: suhtaiane@yahoo.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8851-2005;
[5] Mestranda pelo PPGEB – UNIARP, Caçador-SC. Professora de Língua Inglesa
na Escola Municipal de Educação Básica Pierina Santin Perett, em Caçador-SC.
Email: lusavania060@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2472-8330