Paralelo
entre planejamentos de atividades presenciais e remotas na formação inicial de
professores de química envolvendo a conservação e restauração de bens culturais
Parallel between the planning of presential and remote
activities in the chemistry teachers’ initial training integrating the
conservation and restoration of cultural assets
Paralelismo entre los planes de actividades presenciales
y remotos en la formación inicial de profesores de química que impliquen la
conservación y restauración de bienes culturales
Matheus
de Castro e Silva[1]
Penha Souza Silva[2]
Resumo
A inclusão das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) nas licenciaturas ocorreu como
forma de possibilitar um ensino superior remoto em diferentes instituições e
universidades. Essa inclusão fez com que os planejamentos das disciplinas
fossem alterados, de modo a transpor atividades presenciais em práticas
assíncronas e encontros síncronos. Neste relato de experiências, discutimos de
que forma o planejamento de um conjunto de atividades de formação inicial de
professores de Química e licenciandos em Pedagogia foi modificado para o ensino
remoto, contemplando as TIC e suas potencialidades. Inicialmente, apresentamos
um panorama do contexto pandêmico e das políticas de ensino remoto emergencial
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – local onde ocorreu a coleta de
dados a partir de uma disciplina optativa com a participação de dezoito
licenciandos. A partir da participação desses licenciandos em atividades
assíncronas e encontros síncronos, percebemos as possibilidades de cada TIC
para a formação inicial de professores. Ademais, fazendo um paralelo entre os
planos presenciais e remotos, destacamos a perda de aspectos investigativos das
atividades e a necessidade de estudos envolvendo propostas curriculares
envolvendo ensino remoto, TIC e contextos investigativos na formação de
professores. Palavras-chave: TIC; planejamento didático; conservação de
bens culturais; formação de professores; ensino remoto.
Abstract
The Information and Communication Technologies (ICT) access
in undergraduated courses is a way of enabling remote
higher education in different institutions and universities. This process changes
the disciplines’ didactic plans, in order to transpose face-to-face activities
into asynchronous practices and synchronous meetings. In this paper, we discuss
how the planning of a set of initial training activities for Chemistry teachers
and Pedagogy undergraduates was modified for remote education, contemplating
ICT and its potential. Initially, we present an overview of the pandemic
context and emergency remote teaching policies at the Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) – where data were collected from a discipline in which eighteen
undergraduates participated. From the participation of these undergraduates in
asynchronous activities and synchronous meetings, we realized the possibilities
of each ICT for the initial training of teachers. Furthermore, making a
parallel between the presential and remote plans, we highlight the loss of
investigative aspects of the activities and the need for studies involving
curricular proposals involving remote teaching, ICT and investigative contexts
in teacher education.
Keywords:
ICT;
didactic planning; cultural assets conservation; teacher training; remote
learning.
Resumen
La inclusión de las Tecnologías de la Información y la
Comunicación (TIC) en las titulaciones fue una forma de posibilitar la
educación superior remota en diferentes instituciones y universidades. Esta
inclusión hizo cambiar los planes de las disciplinas, con el fin de transponer
las actividades presenciales en prácticas asincrónicas y reuniones sincrónicas.
En este relato de experiencia se comenta cómo se modificó la planificación de
un conjunto de actividades de formación inicial para profesores de Química y
licenciados en Pedagogía para la educación a distancia, contemplando las TIC y
sus potencialidades. Inicialmente, presentamos un panorama general del contexto
de la pandemia y las políticas de enseñanza remota de emergencia en la Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), donde se
realizó la recolección de datos de una asignatura optativa con la participación
de dieciocho estudiantes universitarios. A partir de la participación de estos
estudiantes en actividades asincrónicas y reuniones sincrónicas, nos dimos
cuenta de las posibilidades de cada TIC para la formación inicial de los
docentes. Además, haciendo un paralelismo entre los planes presencial y remoto,
destacamos la pérdida de aspectos investigativos de las actividades y la
necesidad de estudios sobre propuestas curriculares que involucren la enseñanza
a distancia, las TIC y los contextos investigativos en la formación del
profesorado.
Palabras llave: TIC; planificación didáctica; conservación de bienes culturales;
formación de profesores; enseñanza a distancia.
Introdução
O surto de COVID-19 impactou
diversas áreas da vida humana, assim como suas instituições e práticas, como as
universidades públicas e o processo de formação inicial de professores. Neste
contexto, essas entidades acadêmicas foram obrigadas a alterar o ensino
presencial para um formato remoto ou híbrido, neste caso, respeitando as regras
de distanciamento social e protocolos de higienização e proteção pessoal.
Segundo Lago et al. (2021), a pandemia de Sars-CoV-2 levou o corpo docente
universitário a reformular suas atividades e discutir a inserção das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em seus planejamentos,
acarretando, assim, possibilidades para um ensino remoto emergencial (ERE).
Esse formato de ensino compreende alguns desafios tais como a ausência ou
precariedade de infraestrutura de rede - realidade de 155 mil estudantes de
cursos de graduação, no Brasil, em 2018, segundo CASTIONI et al. (2021) –, a
baixa adesão e participação dos estudantes aos momentos síncronos, a falta de
domínio de recursos digitais para aprender ou ensinar remotamente e a sobrecarga
de atividades (AMARAL; POLYDORO, 2020). Além desses obstáculos, o corpo docente
das universidades teve que lidar com mais uma empreitada educacional: alterar
os planos pedagógicos das atividades presenciais para o ensino remoto
emergencial (ERE). Inicialmente, acreditamos ser necessário definir o que é
esse formato e como ele se difere de outras propostas remotas de ensino, como a
Educação a Distância (EaD).
Segundo
Amaral e Polydoro (2020), o ERE contempla soluções temporárias e remotas que
atuam na manutenção ou construção de interações educacionais síncronas e
assíncronas. Esse formato não se caracteriza pela simples transposição das
atividades presenciais para o ambiente virtual e se difere da Educação a
Distância (EaD), visto que não é apoiada em um planejamento predefinido e por
atividades totalmente imersivas e assíncronas assistidas por um ambiente
virtual. Essas diferenças nem sempre são entendidas pelas instituições
educacionais de ensino superior, visto que algumas “têm implementado respostas
rápidas que envolvem equivocadamente as tecnologias como se fossem experiências
de EaD” (ARRUDA, 2020). Assim, torna-se necessário enfatizar que a Educação a
Distância é uma
modalidade educacional na qual a
mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com
a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal
qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação
compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e
profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos (BRASIL,
2017, p. 3).
Seja no ensino remoto ou na Educação
a Distância, as Tecnologias de Informação e comunicação ou Tecnologias Digitais
de Informação e Comunicação (TDIC) se constituem como um recurso essencial, que
se integram tanto às atividades de ensino, como aos planos pedagógicos. As Tecnologias
de Informação e Comunicação envolvem as tecnologias analógicas, como o livro, o
quadro negro, os materiais impressos em máquinas de xerox, enquanto, segundo
Arruda (2020), as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação já demandam
um suporte eletrônico, com um aplicativo ou um software, sem análogo material,
como uma apresentação em PowerPoint, um vídeo arquivado em um computador etc. Neste
trabalho, iremos optar pelo primeiro termo, entendendo que as TIC também podem
ser digitais. Pensando nesse contexto educacional, Kenski (2012) discute que as
Tecnologias de Informação e Comunicação
não são o objeto, nem a sua
substância, nem sua finalidade. Elas estão presentes em todos os momentos do
processo pedagógico, desde o planejamento das disciplinas, a elaboração da
proposta curricular até a certificação dos alunos que concluíram um curso. a
presença de determinada tecnologia pode induzir profundas mudanças na maneira
de organizar o ensino [...] A escolha de determinado tipo de tecnologia altera
profundamente a natureza do processo educacional e a comunicação entre os
participantes (KENSKI, 2012, p. 44-5).
Desta forma, as TIC, na área da
Educação, podem ser entendidas como recursos para dirimir o afastamento entre
os atores do processo de ensino-aprendizagem em atividades de ensino e
aprendizagem remotas. Elas permitem a utilização de multimídias e ferramentas
de interação à distância, possibilitando o acesso a um grande número de
informações, permitindo a interação e a colaboração entre pessoas distantes
geograficamente ou inseridas em contextos diferenciados. O diferencial de uma TIC para um quadro
negro, por exemplo, consiste na integração entre diferentes recursos
tecnológicos provenientes da informática, como os softwares. Desta forma, as
TIC podem ser vistas como um imperativo para a área da Educação, contudo
algumas considerações devem ser apresentadas, especialmente para os recursos
tecnológicos digitais que as integram.
A priori,
Vivanco e Gorostiaga (2017) apontam que as TIC e a área da Educação
correspondem a núcleos culturais distintos, o que obstaculiza diálogos entre
elas. Os autores destacam que a dificuldade de implementação dessas tecnologias
nas atividades de ensino e aprendizagem deve ser entendida a partir dessa
relação conflituosa, na qual há a “implantação” na Educação de elementos que
lhe são estranhos, “já que não surgem ou desenvolvem-se em seu meio” (VIVANCO,
GOROSTIAGA, 2017). Além disso, podemos destacar que as TIC no processo
formativo docente no ensino remoto suscitam a máxima de que o professor deve
ter habilidade em diversos softwares e programas, pois esse seria o “futuro da
Educação”. Nesse sentido, acreditamos que
[...] a formação docente não
significa adquirir um elenco de ‘destrezas’ necessárias à prática pedagógica
mais atual, mas sim propor experiências inovadoras de utilização de tecnologias
para a construção de conhecimentos. [...] O que significa conceber as
tecnologias como meio, linguagem, sem nos esquecermos de considerá-las objetos
de estudo e reflexão (ARAÚJO, SILVA, 2016, p. 74)
Desta forma, esperamos com este
trabalho, colocando as TIC como objetos de estudo, discutir o percurso de
atividades de formação inicial de dezesseis licenciandos em Química e dois
cursistas em Pedagogia em um conjunto de atividades de uma disciplina remota
envolvendo a integração entre Arte e Ciências, a partir da conservação e
restauração de bens culturais. É importante ressaltar que, inicialmente, essa
disciplina seria ofertada no formato presencial, alterado devido à pandemia.
Assim, procuramos discutir neste trabalho de que forma as TIC podem auxiliar na
transição das atividades de uma disciplina de formação inicial de professores
no ensino presencial para o formato remoto. Para isso, dispomos este trabalho
em seções nas quais destacamos o contexto da pesquisa e das políticas
educacionais propostas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) –
instituição onde ocorreu a oferta da disciplina -, os caminhos metodológicos
escolhidos e a utilização das TIC como ferramenta de um material didático e,
também, de construção de conhecimento com os licenciandos em encontros
síncronos.
Contexto
da pesquisa e o enfrentamento da pandemia de COVID-19 pela Universidade Federal
de Minas Gerais
Para discutir a forma como ocorreu a
transição do ensino presencial para o remoto, é importante, inicialmente,
deflagrar a maneira como as autoridades da Universidade Federal de Minas Gerais
lidaram com o impacto da pandemia, contextualizando, assim, este trabalho. Em
18 de março de 2020, houve a suspensão das atividades acadêmicas (ensino,
pesquisa e extensão) na UFMG, segundo a Portaria nº 1819. Essa suspensão foi
justificada pela ausência de acesso à internet, a equipamentos e/ou a um
letramento digital necessário que permitissem as atividades remotas tanto dos
estudantes quanto dos professores (ANDIFES, 2020), corroborando as medidas
sugeridas pelo Fórum de Dirigentes das Instituições Públicas de Ensino Superior
de Minas Gerais (Foripes-MG). Quatro meses após a publicação da Portaria nº
1819, em 09 de julho de 2020, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe)
da UFMG promulga a Resolução n° 02/2020 que “regulamenta o ensino remoto
emergencial para os cursos de graduação da UFMG durante período de pandemia da
doença COVID-19” (UFMG, 2020), considerando a Portaria do MEC nº 544 de 16 de
junho de 2020 – na qual sugere a substituição das aulas presenciais por aulas
em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia no novo coronavírus –
e a Medida Provisória n° 934, de 10 de abril de 2020 – que estabelece normas
excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior.
Segundo essa Resolução, o ensino
remoto emergencial (ERE) seria o formato temporário das atividades curriculares
de ensino e das ações pedagógicas da UFMG, no contexto pandêmico, com a
utilização das “tecnologias digitais de informação e comunicação,
possibilitando a interação estudante-docente-conhecimento” (UFMG, 2020). Além
disso, o documento discute as funções de cada órgão colegiado no ERE, cabendo às
Câmeras de Graduação definir
as diretrizes sobre estratégias de
ensino-aprendizagem, de uso de tecnologias digitais de informação e comunicação
e de ambientes virtuais de aprendizagem, de processos avaliativos e
acompanhamento, de distribuição de carga horária e de aferição de assiduidade
para a realização das atividades remotas (UFMG, 2020, p. 2).
O corpo docente da Universidade,
segundo o documento, deveria se adequar a esse formato, disponibilizando um
plano de ensino no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) – o Moodle - até a
primeira semana das aulas no formato remoto emergencial. Ademais, os
professores de graduação e pós-graduação deveriam priorizar as atividades
assíncronas nos mesmos horários da disciplina presencial e ofertar,
preferencialmente, uma atividade síncrona para cada 15 horas-aula com o uso da
plataforma Microsoft Teams.
A demanda pelo uso dessas
plataformas implicou algumas iniciativas de letramento digital dos estudantes e
professores, como a criação do programa “Integração Docente: Ações Formativas
para as Práticas Pedagógicas”, unindo diversos órgãos da UFMG. Criado em abril
de 2020 e oficialmente lançado em 10 de junho de 2020, com o objetivo de
discutir o planejamento do retorno às atividades letivas em tempos de pandemia,
foi oferecido aos docentes, na página do programa fóruns, oficinas, cursos,
webinars e outras ações virtuais de apoio no uso de tecnologias digitais no
ensino. Por exemplo, há tutoriais e guias sobre acessibilidade no ensino remoto
emergencial e sobre o uso do Microsoft Office 365 e Teams – serviços
disponíveis aos membros da comunidade por meio da plataforma minhaUFMG,
tutoriais sobre a produção e a publicação de videoaulas utilizando o PowerPoint
e sobre a utilização do Moodle. A partir dessas ações, o ensino remoto
emergencial teve início, na UFMG, em 03 de agosto de 2020, data correspondente
ao primeiro período letivo de 2020.
Procedimentos
metodológicos
Os dados deste trabalho foram
coletados na primeira quinzena de outubro de 2020 a partir da participação de
dezoito estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sendo
dezesseis deles cursando a licenciatura em Química e, os demais, o curso de
Pedagogia. Esses licenciandos estavam matriculados em uma disciplina optativa
de 30 horas denominada “Ateliê de Ciências” cujo planejamento preconizava o
contato dos estudantes com obras e técnicas artísticas como contextualização no
ensino de Ciências, especialmente a Química. Desta forma, este trabalho traz um
recorte dos dados coletados durante as atividades da disciplina, obtidos a
partir de atividades ofertadas no primeiro semestre de 2020, que, devido à
pandemia de Covid-19, ocorreu entre 05 de agosto e 27 de novembro. Essa
disciplina contou com encontros síncronos na plataforma Microsft Teams, que foram
registrados com o uso do software OBS Studio, e atividades assíncronas, as
quais foram desenvolvidas pelos licenciandos em suas casas, utilizando o Moodle.
O uso dessa plataforma assim como de outros softwares e programas está
apresentado e discutido na seção Resultados. Além disso, uma entrevista foi
realizada, em 03 de julho de 2020, com um membro docente da Universidade – o
professor Dr. João Cura D’Ars de Figueiredo Junior - para construir um material
didático para a disciplina. Todas as produções orais e escritas dos
licenciandos, assim como as imagens produzidas na entrevista, foram coletadas
mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos
participantes.
Consideramos este trabalho um relato
de experiências, visto que é uma forma narrativa de acontecimentos em diálogo
com informações teóricas. Acreditamos que a forma como cada Tecnologia de
Informação e Comunicação foi se integrando ao planejamento e ao desenvolvimento
das atividades da disciplina perfazem resultados deste relato.
A partir das informações
apresentadas anteriormente e cientes de que a maneira como uma pesquisa é
construída relaciona-se intimamente com os dados coletados e sua análise,
acreditamos que este trabalho se configura como uma pesquisa-ação. Essa
pesquisa pode ser definida como a investigação voltada para a “resolução de
problemáticas específicas do contexto da educação [...], concebendo condições
aos profissionais dessa área e, possibilidades de ampliação nos modos de fazer,
já existentes, ou criando novas formas, estratégias e inovações” (HETKOWSKI,
2018).
Resultados
e discussões
Transitando
das atividades presenciais para o ensino remoto emergencial
A princípio, iremos discutir a
maneira pela qual dois conjuntos de atividades da disciplina optativa foram
planejados em um contexto presencial. Logo após, apresentaremos sua transição
para o ensino remoto. É importante ressaltar que o planejamento presencial das
atividades contém possibilidades da abordagem de temas e do que era esperado nas
discussões em sala de aula.
A atividade presencial foi planejada a partir
da discussão de dois processos de deterioração de bens culturais: o craquelê ou
craquelure de pinturas a óleo e a corrosão de bens culturais em metais
expostos em ambientes abertos. O craquelê são fraturas na superfície da obra,
formadas a partir da fragilidade das camadas de tinta e pela movimentação do
suporte, geralmente em tecido, da tela (FIGUEIREDO JÚNIOR, 2012). Aos
licenciandos, seriam apresentadas fotografias de algumas pinturas, como a
Figura 1, como um percurso inicial para a investigação dos fenômenos que
poderiam ter levado à produção dos craquelês.
Figura
1: Detalhe de pintura a óleo com craquele.
Fonte:
Pascual, Patiño (2003, p. 36).
A partir da apresentação de imagens
dessas obras, os licenciandos, divididos em grupos, seriam convidados a
discutir e registrar as causas da deterioração. Essa deterioração integra as
reações de polimerização e o processo de secagem que o óleo da tinta sofre ao
longo do tempo. A oxidação das moléculas de óleo produz um polímero com pouca
liberdade de movimentação, tornando a superfície da pintura rígida e
quebradiça, formando então o craquelê (FIGUEIREDO JUNIOR, 2012). Os contínuos
movimentos do tecido da tela, assim como variações de temperatura, podem
agravar essa deterioração (PASCUAL, PATIÑO, 2003).
É importante ressaltar que os
licenciandos não teriam que construir uma “resposta correta” baseada nas
informações discutidas, mas, a partir dessa atividade, eles seriam instigados a
discutir em sala de aula sobre o material da obra e sua relação com os
conteúdos científicos. Desta forma, haveria o registro em vídeo dessas
discussões, a fim de perceber como os licenciandos investigariam o problema
proposto a partir dos conhecimentos de Química que já possuíam e que poderiam
ser pesquisados por eles em contraponto com o contexto da conservação e do
restauro.
As atividades sobre a corrosão de
bens culturais em metal seriam iniciadas a partir da visualização in loco,
pelos licenciandos, da obra de Leandro Gabriel[3]
(Figura 2), presente no jardim externo da Faculdade de Educação da UFMG, local
onde ocorreriam as aulas da disciplina.
Figura
2: Leandro Gabriel, Sem título, 2005.
Dos
autores (2021).
Aos licenciandos, seria sugerido
fotografar a escultura de Leandro Gabriel para que construíssem um conjunto de
imagens que embasassem suas investigações e discussões sobre os processos
químicos que promoveram o aspecto visual da obra. Os licenciandos poderiam
investigar a composição dos materiais da escultura, formada por aço corten[4]
e sucatas de metal, susceptíveis à corrosão. Assim, os estudantes seriam
convidados a citar os fatores ambientais que possibilitariam esse tipo de
deterioração, para proporem uma técnica para conservação e/ou restauração das
obras sob efeito da corrosão. Desta forma, esperava-se que o entendimento do
processo de corrosão – definido como “a deterioração de um material, geralmente
metálico, por ação química ou eletroquímica do meio ambiente associada ou não a
esforços mecânicos” (GENTIL, 2014, p. 01) – e sua associação com as obras
estudadas permitiriam soluções científicas para a perpetuação do patrimônio
cultural.
Essas atividades ocorreriam em dois
encontros presenciais de 1:40 hora cada, impossibilitados pelo fechamento das
unidades de ensino da UFMG em 18 de março de 2020. A partir disso, o formato
desses conjuntos de atividades foi reformulado, baseado no ensino remoto
emergencial e nas possibilidades das Tecnologias de Informação e Comunicação,
situadas, prioritariamente, na plataforma Moodle e no Microsoft Teams.
É importante ressaltar que as
atividades presenciais tinham um caráter investigativo, na qual os licenciandos
poderiam discutir alguns aspectos dos fenômenos que levariam à deterioração de
bens culturais em dois diferentes suportes – tela e metal. A Química e as
demais Ciências Naturais poderiam ser ferramentas para a restauração material
desses bens culturais, contudo deveria haver o entendimento, por parte dos
licenciandos, dessa relação. Pensando em como trazer essa proposta para o
ensino remoto, o Dr. João Cura D’Ars de Figueiredo Júnior, professor associado
do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da UFMG, foi
convidado para uma entrevista. A escolha deste professor é justificada pela sua
formação em Química – graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado - e a sua
atuação na pesquisa de conservação e restauração de bens culturais. A entrevista foi gravada a fim de produzir um
material para um conjunto de atividades envolvendo a conservação e a
restauração, que seria vista, posteriormente, pelos licenciandos. Esse material
seria, então, o ponto inicial das discussões, que ocorreram mediante as TIC,
visto que os estudantes não puderam visualizar a obra de Leandro Gabriel in
loco e nem serem reunidos em grupos presenciais para uma investigação em
sala de aula. Esperávamos possibilitar aos licenciandos uma experiência remota
tão rica quanto nos encontros presenciais, por isso houve a realização da
entrevista.
A entrevista ocorreu remotamente em
03 de julho de 2020, aproximando-se de um formato semiestruturado, no qual
havia um roteiro previamente definido com perguntas principais que foram
complementadas por questões inerentes às circunstâncias momentâneas da coleta
de informações (BONI, QUARESMA, 2005). Ressaltamos, aqui, a importância das TIC
e dos programas na realização dessa entrevista, visto que ela foi realizada na
plataforma do Google Meet e gravada utilizando o software Open Broadcaster
Software, também conhecido por OBS Studio.
O Google Meet é um serviço gratuito
lançado em 2017 que permite uma videochamada com tempo ilimitado entre diversas
pessoas. Esse serviço conta com a geração de um link que pode ser enviado
previamente aos participantes, direcionando-os a uma sala virtual. A interface
dessa sala é formada por uma tela principal, no qual é possível visualizar os
participantes da videochamada por meio de suas webcams, e um chat, onde é
possível compartilhar arquivos e digitar informações que podem ser lidas por
todos. Já o OBS Studio é um programa gratuito que pode ser obtido no site de
seu desenvolvedor (OBS Project) que possui, dentre diversos usos, a
funcionalidade de gravar a tela do computador e todas as ações que nela ocorre
com som, produzindo arquivos no formato MPEG-4 Part 14 (Mp4). Esse formato
permitiu a postagem da gravação da entrevista em uma plataforma de
compartilhamento de vídeos denominada YouTube. Essa estratégia foi utilizada
visto que os cinco arquivos da gravação da entrevista possuíam tamanhos acima
de 150 megabytes. Pensando em um contexto pandêmico, no qual os
licenciados devem possuir uma internet de qualidade durante suas experiências
de formação síncronas e assíncronas, seria mais conveniente que eles
assistissem ao vídeo em uma plataforma do que baixassem o arquivo, demandando
uma quantidade de dados considerável. Desta forma, pensar na forma de produção
de um material de formação docente envolve também considerar seu acesso e as
condições digitais dos estudantes.
Além disso, as TIC foram utilizadas
a fim de potencializar o contato dos licenciandos às integrações entre os
conhecimentos científicos e as áreas de conservação e restauração por meio da
entrevista realizada. Alguns trechos dessa entrevista serão reproduzidos nesse
trabalho, para embasar as discussões realizadas pelos licenciandos em um fórum
na plataforma Moodle (Figura 3).
Figura 3: Interface do fórum da plataforma Moodle.
Fonte:
Autores (2021).
O Moodle (Modular Object-Oriented
Dynamic Learning Environment) é um software de apoio a aprendizagem
constituído por um ambiente virtual e seus recursos. Uma desses recursos são os
Fóruns, nos quais os envolvidos em uma discussão podem postar suas
contribuições em links, conforme representado na Figura 3. Todos os participantes
com acesso a esse fórum podem ler e responder às contribuições dos demais,
oportunizando uma interação assíncrona.
Nesse fórum, foi solicitado aos
estudantes que, no período de primeiro de outubro a 07 de outubro de 2020, após
assistirem 30 minutos da entrevista postada no YouTube, apontassem aspectos que
eles teriam considerado mais relevante na integração entre Química/Ciências e a
conservação e o restauro do patrimônio material. No último dia do prazo para a
participação no fórum, ocorreria um encontro síncrono na plataforma Microsoft
Teams para discussão dos tópicos levantados no fórum. A visualização de uma das
telas dessa plataforma está representada na Figura 4.
Figura 4: Interface da tela da plataforma Microsoft Teams.
Fonte:
Autores (2021).
O Microsoft Teams foi a plataforma
escolhida pela UFMG para permitir a comunicação síncrona e assíncrona entre
estudantes e professores por meio de videoconferência, chat (lado direito da
Figura 4) e armazenamento de arquivos. Neste trabalho, essa plataforma foi
utilizada apenas como software para encontros síncronos, onde os licenciandos
participavam falando com o uso de microfone ou escrevendo suas contribuições no
chat, de maneira análoga ao funcionamento do Google Meet. Foram selecionadas
algumas falas e escritas que foram transcritas para este trabalho para
discutirmos a percepção desses licenciandos sobre a integração entre Arte e
Ciências pelas áreas da conservação e restauração.
Participação
dos licenciandos no fórum
Inicialmente, trazemos nessa seção
os trechos transcritos da entrevista com o professor Dr. João Cura que
embasaram as participações dos licenciandos no fórum. Como não é um dos
objetivos desse trabalho a transcrição integral da entrevista, optamos por
selecionar seus pontos mais importantes, baseados nas discussões realizadas
pelos estudantes. A transcrição dos trechos presentes no Quadro 1 foi feita sem
o auxílio de programas, apenas visualizando a gravação da entrevista e passando
as informações para a linguagem escrita. Para este trabalho, optamos por
reformular algumas partes da transcrição de modo a aproximá-las da norma padrão
da língua, sem, contudo, alterar seu conteúdo ou o encadeamento de ideias.
Quadro
1: Trechos
da entrevista com o professor Dr. João Cura D’Ars de Figueiredo Junior
Entrevistador
-
Primeiramente, eu gostaria que o senhor falasse um pouco sobre quais são as
diferenças entre as áreas de conservação e restauração e o que cada uma
estuda. O objeto de estudo delas é o mesmo ou não? Prof.
Dr. João – Bom, a conservação e a restauração
trabalham com a obra de arte. A diferença entre elas principalmente vai ser
em como cada uma vai abordar a obra de arte. A gente fala que a restauração é
todo procedimento que interfere diretamente na obra de arte. [...] A conservação
interfere no entorno da obra de arte. [...] Então a gente pode falar, a
grosso modo: o restaurador interfere diretamente na obra de arte, o
conservador interfere no ambiente em torno da obra de arte para que ela não
sofra reações de deterioração. Contudo, é difícil você simplesmente só
conservar ou você só restaurar, porque não adianta você restaurar uma obra e,
por exemplo, você levar para uma igreja e ela ter uma alta umidade lá dentro.
Quer dizer, assim que você termina de restaurar a obra, ela vai começar a
sofrer danos com essa umidade alta, então normalmente o profissional se forma
nos dois campos: se forma tanto restaurador quanto conservador. Entrevistador
-
Dentro do percurso formativo desse profissional, tem alguma relação com os
conteúdos da Química? Eu gostaria que o senhor falasse se existe Química e,
se sim, onde que ela auxilia. Quais
são os fundamentos da Química e da Ciência que ajudariam esse profissional da
conservação e da restauração? Prof.
Dr. João - Tem um teórico da restauração que se
chama Cesare Brandi[5]
que estudou a obra por vários aspectos. Então, ele fala que haveria três
aspectos principais para a obra de arte: o primeiro seria o aspecto estético,
que seria a beleza da obra, como você enxerga essa obra, se ela te agrada ou
não; teria o aspecto histórico, então se a gente for observar, por exemplo,
uma escultura do Barroco, podemos compreender muito sobre daquele período
histórico por ela. Se a gente pega um prédio que foi construído na Idade
Média ele vai também trazer muita informação, sobre temas relacionados com um
período histórico específico. Assim, a estética é o primeiro aspecto,
histórico é o segundo e o terceiro é a questão do material, por que queira ou
não, toda obra de arte possui. Toda obra não, mas na maioria, como pintura,
escultura, elas vão ser formadas por um material. Por exemplo, uma escultura
feita em mármore, uma pintura que vai usar uma tinta que tem o pigmento e o
aglutinante orgânico. Então, quando o Brandi fala que na área de restauração
você tem que olhar a estética e a história, você não pode esquecer também que
tem uma parte material ali presente. O restaurador tem que entender que
quando for usar algum material específico numa obra de arte, ele tem que
conhecer a Química daquele material. Um exemplo simples: se você pegar uma
escultura em madeira, vamos imaginar que a escultura cai e o braço quebra e
você tem que colocar um adesivo nela. Você tem que pensar o seguinte: “olha,
posso usar o epóxi porque ele é uma cola muito forte e vai manter essa
madeira no lugar”. Mas dependendo do epóxi que você utilizar, o que que vai
acontecer? Esse epóxi vai ser muito rígido e a madeira tem um movimento
natural de absorver umidade do ar: ela incha, depois ela perde umidade para o
ar, contraindo-se, então está em movimentação. Só que a epóxi não vai
acompanhar esse movimento. Então chega um momento que a cola de epóxi vai
criar uma tensão e a madeira vai quebrar de novo em volta dela. Nesse caso,
você tem que pensar “vou usar uma cola baseada em uma cola proteica ou
baseada em amido, que é um carboidrato, porque essas colas teriam essa
movimentação adequada”. Cada momento que o restaurador vai usar um material
diferente em uma obra de arte, ele tem que entender quais são as propriedades
materiais dela. E quem melhor que a Química, não é? Para poder saber isso.
[...] E a Química viria um pouco mais como uma Ciência central. Então todas
as outras áreas vão “beber” da Química para aprender alguma coisa sobre ela.
[...] O restaurador precisa ter aquele conhecimento básico pra interferir na
obra de arte, mas ele não precisa ter um conhecimento total da Química. [...]
Então, vai chegar momentos que talvez ele vai precisar de um químico quando a
situação for um pouco além do alcance dele. Mas o interessante é que ele deve
saber alguma coisa de Química porque se ele utilizar materiais inadequados,
ele vai acabar causando um dano na obra. |
Fonte: Entrevista
organizada pelos autores (2021).
Trazemos agora, cinco contribuições
de diferentes licenciandos de Química no fórum do Moodle sobre a entrevista anterior.
É importante ressaltar que selecionamos essas participações baseando-nos em sua
representatividade. Assim, a partir da leitura de todas no fórum, percebemos
alguns temas recorrentes tratados pelos estudantes. Esses cinco relatos
transcritos a seguir representam esses temas mais recorrentes, visto que a
opinião dos licenciandos sobre eles foi muito próxima, não havendo ideias
discordantes.
Contribuição
1 - Ao assistir a entrevista, foi possível observar
vários aspectos relevantes na integração entre a conservação/restauro do
patrimônio e a Química/Ciência e, na minha opinião, um dos que mais me chamaram
atenção foi a importância de se entender o material de cada obra de arte, já
que o mesmo influencia não só na aparência das estruturas, mas também no seu
processo de conservação e na ação do meio.
Contribuição
2 - A Química é uma ciência central, que se faz presente o
tempo todo em nossas vidas. E é muito interessante perceber o quanto ela é
fundamental para outros campos do conhecimento. Nós, alunos do curso de
Química, raramente contextualizamos os conceitos que aprendemos com a Arte.
[...] A maior parte das pessoas não imaginam a proximidade existente entre
Química e Arte. e perceber a aplicação dos conhecimentos químicos para a
restauração e conservação é bastante cativante e curioso.
Contribuição
3 - Um ponto muito importante para mim foi compreender a
diferença entre conservação e restauração. Outro ponto foi entender que a Arte
vai além da estética e da história, mesmo sendo uma estudante do curso de
Química, eu nunca apreciei a Arte pensando nos materiais e na química deles. Ao
ver a entrevista, comecei a olhar por um outro ângulo: os materiais são
essenciais para a construção da obra de arte e que a escolha errada pode
destruí-la.
Contribuição
4 - Algo que me chamou bastante a atenção logo de inicio
foi a formação em Química do entrevistado. Eu pensei que restauração e
conservação não era um espaço tão atuante dos químicos, no máximo algum artista
que precisou se especializar para trabalhar nisso.
Contribuição
5 - Tenho por mim que levar o contexto artístico e
relacionar com o material seja o ponto mais importante da entrevista. Me chamou
mais ainda a atenção em saber que um simples material na pintura pode retratar
o contexto histórico envolvido em uma época em que a obra foi feita. Por fim,
penso que a abordagem desses temas dentro de uma sala de aula pode ser o
“gancho” perfeito para a interdisciplinaridade.
A partir dos
relatos, percebemos que os licenciandos além de desconhecer as áreas da
conservação e da restauração, ainda não sabiam de suas peculiaridades e
aproximações. Além disso, eles destacam a possibilidade de integrá-las aos
conteúdos científicos, por meio da materialidade de cada obra. Salientamos a
Contribuição 5, na qual o(a) licenciando(a) relacionou a entrevista com um
contexto de sala de aula, mostrando uma possível integração entre diferentes
áreas do conhecimento. Essa integração também foi apontada na Contribuição 4,
cujo(a) autor(a) ressalta a formação do entrevistado e sua área de atuação,
além da Contribuição 2 que denuncia a ausência de contextualizações dos
conceitos da Química a partir da Arte. As discussões sobre os temas da
entrevista continuaram em um encontro síncrono na plataforma Microsoft Teams e
serão discutidos na seção a seguir.
As
discussões do encontro síncrono
No encontro síncrono, ocorrido em 07
de outubro de 2020, foi proposta uma discussão
de que conservar e restaurar a obra são ações complexas e distintas que envolvem
diversas áreas do conhecimento e podem ir de encontro aos processos artísticos.
Para exemplificar essa situação, os professores da disciplina compartilharam
uma apresentação em Power Point com os estudantes com as imagens presentes
nessa seção, como a Figura 5 que mostra a utilização de materiais biológicos
como frutas, seguido por um poema no qual a autora relaciona a imagem a algumas
palavras. Nesse caso, a deterioração proporciona a experiência de sentidos
desejada pela artista. Desta forma, a atuação do profissional da Química na
área do patrimônio cultural é uma intervenção ponderada por diversos fatores,
dentre eles os aspectos históricos e artísticos da obra.
|
contágio = contagem |
Figura 5: Obra da artista brasileira Edith Derdyk[6].
Fonte: retirado de
https://www.instagram.com/edithderdyk/?hl=pt-br. Acesso em 23 de setembro de
2020.
No encontro, também foi apresentado o caso da obra Neither,
da artista Doris Salcedo[7] (Figura 6), presente no
Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico Inhotim, situado na cidade de
Brumadinho-MG, a 60 quilômetros da capital do estado. Formada por gesso e aço,
que são materiais considerados quimicamente incompatíveis, visto que o gesso
absorve água e oxida o ferro, mudando a cor do metal pelo processo de corrosão,
a obra está exposta em uma galeria com controle de umidade e temperatura. Como
não era o intuito da artista a alteração de coloração do ferro, a Química viria,
atrelada à conservação e à restauração, impedir o aumento da corrosão
(conservação) e retirar as áreas já deterioradas (restauração), retornando a
obra ao seu estado original.
Figura 6: Neither. Doris Salcedo,
placas de gesso e aço, 494 x 740 x 1500 cm, 2004.
Fonte:
retirado de
https://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/neither/. Acesso em
08 de dezembro de 2020.
Uma das licenciandas que já tinha ido ao Instituto
Inhotim, relata sua experiência associando-a à entrevista do professor Dr. João
Cura, conforme a transcrição a seguir.
Relato - Eu fui ao Inhotim umas duas vezes e ainda não
cheguei a ver nem a metade. Mas vendo essa entrevista eu comecei a ver por uma
outra perspectiva, principalmente em relação aos materiais que ele citou. Eu
fiquei até assustada comigo mesma porque a gente que está estudando Química, a
gente costuma enxergar as coisas, sabe? Em tudo, você vê Química. E quando eu
fui lá, eu via só o aspecto histórico ou estético. Eu não parei para pensar
muito nessa questão dos materiais. Vendo a entrevista, eu lembrei das vezes que
eu fui lá e eu comecei a lembrar daqueles blocos da Tropicália [Figura 7] que
ficam do lado de fora. Eu pensei que teve um esforço para fazer aqueles blocos,
deixarem eles expostos. Depois da entrevista, eu comecei a enxergar por um
outro ângulo.
Figura 7: Invenção da Cor – Penetrável – MagicSquare #5 –
De Luxe. Hélio Oiticica[8], obra in situ,
1977.
Retirado
de https://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/invencao-da-cor-penetravel-magic-square-5-de-luxe/.
Acesso em 08 de dezembro de 2020.
A
partir do relato da aluna, foi destacado que a experiência artística está mais
próxima de nós do que pensamos, podendo ser encontrada fora dos museus e
galerias, mencionando a escultura do Leandro Gabriel na FaE (Faculdade de
Educação) em aço corten e outros metais (Figura 2). Ampliando a discussão sobre
os materiais das obras artísticas, foi explicado que o material selecionado
pelo artista vai oxidando com o tempo e ficando com a coloração de ferrugem. A
seleção dos materiais pelo artista dialoga com sua proposta estética/criativa e
pode levar em conta os possíveis processos de deterioração e a forma de
exibição. Por exemplo, o aço corten oxida apenas sua camada de fora,
conservando por dentro sua estrutura metálica, mantendo a integridade material
da obra. Esse material, denominado aço patinável, já foi utilizado
anteriormente por outros artistas, como o mineiro Amilcar de Castro[9]
(Figura 8), citado na entrevista com o Dr. João Cura, cujas obras metálicas
ficam expostas em áreas externas assim como a escultura de Leandro Gabriel.
Figura 8: Amilcar de Castro. A Porta, Museu de Arte da
Pampulha. Aço SAC.
Retirado
de https://www.eba.ufmg.br/pos/sepoga/index.php/sepoga/sepoga15/paper/viewFile/11/1o.
Acesso em 23 de setembro de 2020.
Foi
apresentado, então, o trabalho de Amilcar de Castro, em cujas obras, havia a
utilização do material metálico “que tem a peculiaridade de enferrujar até um
determinado ponto, a partir do qual sua oxidação cessa” (NAVES, 2011, p. 239).
Para exemplificar o processo de escolha do material pelo artista, foi lido para
os estudantes o seguinte trecho do livro “A forma difícil: ensaios sobre a arte
brasileira”, de Rodrigo Naves:
Amilcar
de Castro costuma repetir que ‘alumínio não tem caráter’ e que por isso não o
utiliza. Sua maleabilidade realmente torna-o disponível às mais variadas
modulações. Falta-lhe uma tenacidade específica, que o conduzisse a ceder
apenas a determinados arqueamentos e flexões, capazes de vergá-lo no ponto
certo. Diferentemente do ferro, o alumínio – bem como muitos outros materiais –
parece não sentir a passagem do tempo, e com isso repele os sedimentos que a
idade acumula e que dão às coisas uma feição própria. Um presente contínuo
acentua aquela disponibilidade absoluta, pois tudo está para acontecer pela
primeira vez... e o caráter não se forma (NAVES, 2011, p.238-239).
A
partir desse processo de deterioração das obras em metais, um aluno se lembrou
de uma escultura presente no Instituto Inhotim, conforme o relato a seguir.
Relato:
“Tem uma obra da queda de viga [Figura 9]. Eles fizeram um buraco, aí
colocou o cimento. Quando o cimento estava molinho, eles jogaram com... tipo um
guindaste, não sei, as vigas de metal. Essas vigas iam caindo no buraco e
batendo, saía até fogo porque batia um metal no outro. O cimento secou e do
jeito que o metal caiu, ele ficou e está exposto lá no Inhotim, foi feita em
2008. Tem até um vídeo no YouTube mostrando como ela foi feita. Ela está se
deteriorando, então o artista que fez essa obra deve ter a intenção de
deteriorar”.
Figura 9: Chris Burden[10] “Beam Drop
Inhotim 2008” - Foto: Eduardo Eckenfels.
Retirado
de https://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/beam-drop-inhotim-2008/.
Acesso em 23 de setembro de 2020.
Foi
explicado que cada obra tem especificidades e não foi feita, propriamente, para
deteriorar. Por exemplo, o caso de Beam Drop Inhotim 2008 (Figura 9) trata-se
de uma obra classificada como site-specific, ou seja, foi criada e
planejada em um local específico, alterando-o e estabelecendo com ele uma
relação intrínseca e interdependente (CASTILLO, 2008). Beam Drop Inhotim
2008 foi construída pelo artista estadunidense Chris Burden que
utilizou 71 vigas de ferro
selecionadas em ferros velhos próximos ao Instituto. A performance, que durou
cerca de 12 horas, foi realizada com um guindaste e uma grande equipe que
seguia as orientações de Burden sobre como lançar as vigas de uma altura de 45
metros sobre uma piscina de cimento fresco. Aquilo que está diante de nossos
olhos é o registro da performance de Burden (DIAS, 2016, p. 34).
Foi
explicado aos estudantes que a obra presente no Inhotim se tratava, então, de o
resultado de uma performance, por isso o registro em vídeo citado pelo aluno. A
performance seria uma manifestação artística que destaca o fazer artístico no
momento, como uma apresentação. É importante ressaltar que essa definição foi
trazida apenas como uma forma de introdução dos alunos às diversas poéticas e
expressões artísticas, sendo que “nenhuma outra forma de expressão artística
tem um programa tão ilimitado [quanto à performance], uma vez que cada
performer cria sua própria definição ao longo de seu processo e modo de
execução” (GOLDBERG, 2006, p. IX). Desta forma, o que estava em foco ali não
eram apenas as vigas metálicas ou o cimento – a materialidade da obra - mas
também o processo criativo no momento de queda das vigas metálicas.
Esses
exemplos suscitados pelos estudantes colaboraram para o contato com as variadas
formas de expressão artísticas, problematizando que nem sempre a
conservação/restauração é o caminho, mas sim a compreensão dos processos
criativos e da materialidade da obra. Destacou-se que o suporte da arte além de
variado, pode inexistir, sendo imprescindível a responsabilidade da Química em
dialogar com outras áreas. Os exemplos trazidos pelos estudantes em seus
relatos comprovam seu interesse em investigar os fatores materiais das obras a
partir de sua relevância patrimonial. Além disso, os processos de conservação e
restauração são responsáveis apenas pela perpetuação da integridade material
das produções, que foram elaboradas em um contexto cultural e histórico
específico, que deve ser respeitado e analisado, assim como o processo criativo
do artista.
Considerações finais
A partir das experiências apresentadas
neste trabalho, percebemos que com a utilização das TIC foi alterado o modo
como o conhecimento foi apresentado e discutido com os licenciandos no conjunto
de atividades apresentado. Isso pode ser observado a partir das mudanças em seu
planejamento presencial e remoto, o primeiro com a visita a algumas obras que
faziam parte do cotidiano dos estudantes e o segundo a partir de uma
entrevista, realizada com a utilização de softwares de coleta e gravação de
imagens.
Notamos que as TIC possibilitaram a
dinamicidade dos encontros síncronos, levando os estudantes a opinarem sobre as
obras de arte, sua materialidade e suas experiências estéticas. Nesse sentido,
destacamos que as percepções dos licenciandos foram permeadas tanto pelos
fatores artísticos das obras quanto pelas percepções científicas, por exemplo,
quando relatam a deterioração por corrosão da obra Beam Drop Inhotim 2018
(Figura 9). A partir desse encontro de saberes na fala dos licenciandos,
observamos que eles relacionaram essas áreas do conhecimento.
Nas discussões síncronas, as TIC
foram ferramentas que aproximaram os licenciandos das obras citadas nos relatos.
A partir do momento que as imagens das produções artísticas foram compartilhadas
pelo Microsoft Teams, o estudante não só pôde contextualizar o que era
discutido pela turma, como também teve contato com a materialidade da obra, tão
importante nos tópicos sobre conservação e restauração abordados.
Percebemos que a introdução das TIC
no planejamento, assim como a transposição das atividades do formato presencial
para o remoto, fez com que a atividade perdesse seu caráter investigativo.
Presencialmente, os licenciandos, in loco, poderiam coletar imagens da
obra do artista Leandro Gabriel para a investigação dos fenômenos de
deterioração dos metais. A partir dessas discussões, haveria a introdução dos
conhecimentos científicos atrelados à conservação e à restauração. No
planejamento remoto, contudo, os estudantes foram convidados a verem uma
entrevista, a qual já abordava o diálogo entre a Química e as Ciências do
Patrimônio. Podemos apontar, então, que o planejamento remoto não conservou a
perspectiva investigativa, mas foi dinamizado pelas TIC nos encontros
síncronos. Apontamos, então, a potencialidade de estudos sobre a construção de
perspectivas investigativas com a utilização integral de TIC, com foco no
ensino remoto e à distância.
É importante ressaltar as diferentes
TIC discutidas neste trabalho, selecionadas levando em conta suas
potencialidades e visando uma maior acessibilidade dos licenciandos às
informações e discussões. Destacamos o fórum do Moodle como um recurso de
coleta de percepções dos estudantes sobre a conservação e a restauração de bens
culturais, o Microsoft Teams como um “palco” de discussões e o OBS Studio como
uma ferramenta de registro e produção de materiais. Em suma, destacamos que o
potencial de cada TIC pôde ser discutido neste trabalho.
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Acesso em 20 de julho de 2021.
Recebido
em: 26/06/21
Aprovado
em: 19/07/21
[1] Mestre em Educação,
PROMESTRE – Mestrado Profissional em Educação e Docência, Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
matheuscastroqui@gmail.com. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1524304388085935. E-mail: matheuscastroqui@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4256-6320
[2] Doutora em Educação, Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino,
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
Minas Gerais, Brasil. penhadss@gmail.com. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8502422679229022. E-mail: penhadss@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5737-9566
[3] Leandro
Gabriel (1970 – hoje) é um artista mineiro, formado em Educação Artística pela
Escola Grignard e desenvolve atualmente trabalhos com transformação da sucata
de ferro e outros materiais metálicos.
[4] O aço corten é um tipo de material metálico com
coloração marrom-avermelhada, muito utilizado na construção civil e nas obras
artísticas expostas em ambientes abertos, sob o efeito da umidade e luz solar.
[5] Cesare
Brandi (1906-1988) é um restaurador e professor universitário italiano, cujas
produções são associadas à história da arte, à estética e aos estudos do
patrimônio. Um dos responsáveis pela fundação do Istituto Centrale del Restauro
em Roma no final da década de 1930, Brandi também é autor da obra “Teoria da
Restauração”, editado no Brasil pela Ateliê Editorial.
[6] Edith
Derdyk (1955 – hoje) é uma pintora desenhista, designer gráfico e escritora,
formada pela Fundação Alvares Penteado (FAAP), cujas produções podem ser
acompanhadas por seu perfil no Instagram.
[7] Doris
Salcedo (1958 – hoje) é uma artista colombiana contemporânea cujas instalações
são produzidas a partir de objetos cotidianos e retratam a relação da
humanidade com a perda, o luto e a violência.
[8] Hélio
Oiticica (1937 – 1980) foi um artista plástico e performático brasileiro
integrante da arte concreta, conhecido por seus penetráveis, espaços onde o
público poderia interagir diretamente com a obra e passar por experiências
sensoriais.
[9] Amilcar de Castro (1920-2002) foi
um artista plástico e designer mineiro integrante do Movimento Neoconcreto,
propondo esculturas com cortes e dobraduras em materiais rígidos, como o aço
corten e SAC.
[10] Chris
Burden (1946-2015) foi um artista americano que trabalhou na performance e
instalação, sendo um dos expoentes do movimento body art.