Dois movimentos, duas formas de desfazimento: a escola sem partido, as ocupações secundaristas e o debate sobre o lugar da educação na atualidade

 

Two movements, two forms of undoing: the school without a party, secondary occupations and the debate about the place of education today

 

Dos movimientos, dos formas de deshacer: la escuela sin partido, las ocupaciones secundarias y el debate sobre el lugar de la educación hoy

 

Lucas de Oliveira Carvalho[1]

Dinamara Garcia Feldens[2]

Resumo

Este artigo tem o objetivo de discutir as transformações em torno da escola e de seus mecanismos e relações de poder a partir da emergência de dois movimentos políticos: um por um viés enrijecedor e de características autoritárias representado pela “Escola sem Partido” e outro por uma via da resistência criadora e da produção de singularidade representado pelas recentes ocupações secundaristas. Trata-se de uma abordagem teórica e qualitativa onde através do conceito de Deleuze de sociedade de controle buscamos levantar indícios sobre transformações no modelo de escola da modernidade ancorada até então em práticas de poder referentes ao que Foucault conceituou como sociedade disciplinar. Procuramos argumentar como esses movimentos políticos (“Escola sem partido”, ocupações secundaristas) são efeitos dessas transformações nas tecnologias de poder na sociedade e na escola no sentido de contribuir para o debate sobre os desafios e os rumos futuros da educação.

Palavras-chaves:  sociedade de controle, escola sem partido, ocupações secundaristas.

 

Abstract

This article aims to discuss the transformations surrounding the school and its mechanisms and power relations based on the emergence of two political movements: one through an rigid bias and with authoritarian characteristics represented by the “School without a Party” and the other by a via the creative resistance and the production of uniqueness represented by the recent secondary occupations. It is a theoretical and qualitative approach where, through Deleuze's concept of control society, we seek to raise evidence about changes in the model of modern school anchored until then in practices of power referring to what Foucault conceptualized as a disciplinary society. We seek to argue how these political movements (“School without a party”, secondary occupations) are effects of these transformations in the technologies of power in society and in the school in order to contribute to the debate on the challenges and future directions of education.

Keywords: control society, school without party, secondary occupations.

 

 

Resumen

Este artículo tiene como objetivo discutir las transformaciones en torno a la escuela y sus mecanismos y relaciones de poder a partir del surgimiento de dos movimientos políticos: uno por un sesgo rígido y con características autoritarias representado por la “Escuela sin Partido” y el otro por una vía del resistencia creativa y producción de unicidad representada por las ocupaciones secundarias recientes. Se trata de un abordaje teórico y cualitativo donde, a través del concepto de sociedad de control de Deleuze, buscamos levantar evidencia sobre transformaciones en el modelo de escuela moderna anclado hasta entonces en prácticas de poder referidas a lo que Foucault conceptualizó como sociedad disciplinaria. Buscamos argumentar cómo estos movimientos políticos (“Escuela sin partido”, ocupaciones secundarias) son efectos de estas transformaciones en las tecnologías del poder en la sociedad y en la escuela para contribuir al debate sobre los desafíos y direcciones futuras de la educación.

Palabras claves: sociedad de control, escuela sin partido, ocupaciones secundarias.

 

 Introdução

A discussão neste artigo é fruto de reflexões de pesquisa durante o mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (PPGED/UFS) onde, através de um percurso teórico, buscamos levantar indícios de como o modelo escolar da modernidade construído a partir da lógica de uma sociedade disciplinar (conceito foucaultiano) está sendo alterado por uma dinâmica típica do que Deleuze chamou de sociedade de controle.

Foucault (2014), em seus estudos sobre o poder e suas estratégias, observa na modernidade (mais especificamente no século XVIII) a emergência de uma nova tecnologia de poder que viria a ser central na composição e organização das instituições e da sociedade moderna: trata-se do poder disciplinar. Essa nova tecnologia de poder surgiu da necessidade de atualizar as formas de controle e de gerência da população tendo em vista uma série de transformações no campo político, social e econômico impulsionadas, por exemplo, pelas revoluções francesa e industrial e pela consolidação do sistema capitalista. Diante dessas transformações no amplo campo social, as práticas disciplinares se instauraram através da tomada e da organização do tempo, do espaço e do próprio corpo físico em posições fixas e bem demarcadas, possibilitando assim uma incidência mais direta, individual e correcional sobre os sujeitos. Nesse sentido, as instituições de confinamento como a prisão, o hospital e a própria escola refletem não somente um lugar de organização e de circulação, mas também de fabricação do próprio sujeito.

Na década de noventa (1990), Deleuze (2010) observará a existência de uma crise da sociedade disciplinar. O filósofo compreende que as mudanças sociais, políticas e econômicas deste tempo tem exigido uma velocidade, uma simultaneidade, uma fluidez que o modelo disciplinar ancorado nas instituições de confinamento não daria conta de suprir as necessidades atuais de gerência e de domínio da população. Deleuze (2010) observa, então, um processo de liberação e de dissolvimento das instituições de confinamento para a emergência de um outro modelo que funcionaria em modo aberto e contínuo. Ou seja, existiria agora uma dinâmica de poder que se articularia simultaneamente desprezando assim as fronteiras, os limites, os cortes, as interrupções e as especificidades individualizantes características do poder disciplinar. É isso que Deleuze conceituou como sociedade de controle, uma sociedade onde “nunca se termina nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma mesma modulação, como que um deformador universal” (DELEUZE,2010, p.326). Será na esteira dessas transformações nas tecnologias de poder (da disciplina para o controle) que este artigo trará indícios do impacto desse processo sobre escola a partir de dois movimentos políticos: a ‘Escola sem Partido” e as ocupações secundaristas. Compreendendo-os como frutos das tensões, disputas e da incidência dessa tecnologia de poder ligada a uma sociedade de controle sobre as instituições de confinamento como a escola.

O século XXI tem sido marcado por uma série de transformações que tem colocado as bases que sustentam a vida organizativa da sociedade em xeque ao mesmo tempo que é possível observar a emergência de novas formas de constituir-se, de produção do sujeito, novos regimes de poder, novas técnicas de controle. A presença de um radical aprofundamento sobre a gestão da vida; as transformações do capitalismo; a inserção de um modo de vida empreendedor, empresarial pautado na concorrência. São todos esses indícios que evidenciam o momento turbulento que estamos vivendo.

Recentemente, com a última crise financeira pela qual passamos em 2008 e onde seus efeitos ainda são refletidos pelo mundo, o Estado de bem-estar social foi à nocaute. A radicalização de uma pauta neoliberal tem transformado pelo mundo todos os direitos historicamente garantidos em serviços e produtos. Junto a isto toda uma concepção moderna do próprio Estado tem tomado uma forma empresarial bem como os políticos cada vez mais estão ajustados a imagem do grande gestor, do grande empresário. A democracia é trocada pela concorrência de mercado e nossos direitos são todos eles mercantilizados.  Nesse contexto, Marilena Chauí (2017) diz:

 

[...] o Estado se desobriga do “perigo” da distribuição de renda e poder resolver suas dificuldades privatizando os direitos sociais, transformados em serviços a serem adquiridos no mercado. Em outras palavras, não prevê apenas a saída do Estado do setor de produção para o mercado (isto é, a privatização das empresas públicas), mas também sua saída do setor de serviços públicos e, portanto, a privatização dos direitos sociais (CHAUÍ, 2017, p. 187).

 

Os períodos de crise, antes, entendidos como processos representativos de fins de ciclo, como momentos usados para reorientação de rotas, surgem, agora, como uma espécie de tática política de fazer avançar o capital sobre tudo aquilo que lhe impeça o crescimento. A crise, portanto, vista como uma tática de governar (AOS NOSSOS AMIGOS..., 2016). Por isso, não raro, vemos no noticiário manchetes sobre crise humanitária, crise econômica, crise da saúde, crise da educação, crise política, crise energética, crise ambiental, etc. A crise é a justificativa, o trator que abre caminho para que o mercado assuma as rédeas sobre o Estado garantindo assim a conservação dos seus interesses.

 

O capital, longe de temer as crises, esforça-se agora por produzi‑las experimentalmente. Da mesma forma que se desencadeiam avalanchas para garantir a escolha da sua hora e o domínio da sua amplitude. Da mesma forma que se incendeiam planícies para garantir que o incêndio que ameaça acabará morrendo ali, por falta de combustível. “Onde e quando” é uma questão de oportunidade ou de necessidade tática (AOS NOSSOS AMIGOS..., 2016, p.17).

 

Aqui no Brasil, mas também em toda América Latina, os sinais dessas turbulências já vêm sendo sentidos ao longo desses últimos anos. O golpe sofrido em 2016, as recentes vitórias eleitorais de grupos vinculados ao mercado, à setores fundamentalistas, conservadores e extremistas dão o tom do avanço dessas forças e do esforço de se destruir qualquer possibilidade de construção democrática e coletiva, pois a democracia, no sentido de garantir direitos mínimos que possibilitem uma vida digna, gera empecilhos para aqueles que estão preocupados com seus rendimentos e com o valor de suas ações nas bolsas de valores.

 Atrelado às questões econômicas, vemos o aparecimento, ou melhor, o fortalecimento de forças violentas e autoritárias. Forças estas que remetem ao que de mais repulsivo e doloroso nós temos marcados em nossa história como, por exemplo, nosso racismo crônico, nossa síndrome colonialista, nosso sadismo pelas celas, pela tortura, pelo aniquilamento da diferença. Evidencia-se, assim, outras linhas que compõem todo este cenário, consequentemente, pode se dizer que são pares da mesma dança e do mesmo drama. Bailando à beira do precipício, seguem levando-nos consigo.

A crise e a convulsão como modo de vida, a deterioração da estabilidade são alguns dos elementos que tem marcado a passagem de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controle. O curto circuito das instituições, nesse sentido, diz muito sobre esse momento na medida em que as fronteiras e os limites institucionais estão se esfacelando e tudo tem se exercido como uma força continua e simultânea. Daí vemos surgir coisas como decisões judiciais que também são discursos políticos, discurso político que também é sermão de missa de domingo, bíblia que também é cartilha comportamental e material pedagógico para as escolas, a ira ou a benevolência de Deus que também é decisão judicial, etc. E nós, como os cegos de José Saramago tropeçando uns sobre os outros pelas ruas[3], tentamos acompanhar, entender e se entender nesse processo, onde o controle se exerce pelo excesso, pela simultaneidade, por vezes pelo tumulto e pela confusão.

A quebra das fronteiras, a sensação de vazio que se instaura entre os lugares, entre as instituições – dentro de uma lógica de concorrência onde o inimigo desaparece ou se esconde – geram tensões e disputas por expansão e por domínio. Disputas que, dentro desse processo de transição que se dá da disciplina para o controle, tentam fazer crescer uma nova ordem, uma nova força que comande os processos organizativos e distributivos da nossa sociedade. É nesse meio que estas forças do mercado financeiro, estas forças reacionárias têm borbulhado e transbordado em movimentos como “A escola sem Partido”, por exemplo.

 Se estamos sendo levados bailando para o precipício, é preciso, então, arranhar os discos, desafinar os instrumentos, instaurar contratempos no próprio tempo da música. É preciso resistir construindo e por dentro dessa dança fazer uma outra dança, pois todos temos poder e é no exercício dessas relações que podemos subverter a ordem e a volatilidade das forças (FOUCAULT, 2017). Não é à toa que nos últimos dez anos, pelo menos, vimos e continuamos vendo insurreições estourando por todas as partes do mundo. Do Oriente Médio ao Brasil, do Brasil à Europa, fileiras e mais fileiras de descontentes fizeram explodir na cara do sistema não só a desilusão das promessas não cumpridas, mas a própria saturação de regimes, governos, partidos, modos de vida, etc.

 

Uma insurreição pode rebentar a qualquer momento, por qualquer motivo e em qualquer país; e levar a qualquer sítio. Os dirigentes cirandam pelo meio do turbilhão. Até as suas sombras parecem ameaçá-los. Qué se vayan todos! era um slogan. Tornou-se sabedoria popular, no rumor baixo e contínuo desta época, um murmúrio que vai de boca em boca até se elevar verticalmente, como um machado, no momento em que menos se espera (AOS NOSSOS AMIGOS..., 2016, p.09).

 

Impulsos, espasmos, tentativas de construção de experiências e de novas formas de existência brotam pelas ruas, pelas praças, pelo chão das escolas como foi o caso das ocupações dos secundaristas aqui no Brasil. Não se trata, exclusivamente, de denúncia ou de contestação, trata-se de uma resistência que tenta se colocar como inventiva. Portanto, foram, ou são, ainda, em seus desdobramentos, movimentos que se fizeram não somente por uma posição reativa, ou de defesa, mas eminentemente por uma ação criadora. E nesse sentido, há dentro desse processo de trepidação movimentos que se encerram, que arrefecem, há andadas que se perdem, há erros estratégicos, há derrotas, mas há, também, aquilo que dá cria, há movimentos que abrem janelas para que outras terras sejam povoadas. Difícil, nesse momento transitório, medir os efeitos de forma exata de todo esse emaranhado de linhas e de forças. Fato é que, para “além do bem e do mal”, da dança à beira do precipício, nada mais será como antes. Resta-nos, assumirmos os riscos e termos a coragem de criar e fazer resistir “na boca da noite um gosto de sol”[4].

 

 Escola sem partido: desfeituras pelo enrijecimento autoritário

 

Como viemos discutindo até aqui a partir das ideias de Foucault(2014) e de Deleuze (2010), os últimos tempos foram e continuam sendo marcados por processos de crises simultâneas que têm colocado em risco o modelo disciplinar das instituições modernas. O contexto brasileiro, como já discutido brevemente, é marcado pelas investidas do mercado financeiro que coloca seus interesses em justaposição com a ressurgência de toda um ideário reacionário que historicamente marcou os rumos do país. O golpe de 2016, dessa forma, abriu caminho para que uma articulação de setores de fundamentalistas religiosos, do mercado, de políticos neoliberais, conservadores e de extrema direita fosse erguida em meio à polarização e ao tumulto instaurado nos últimos anos (FRIGOTTO,2017).

 

Este é o solo estrutural do qual emana a ideologia do golpe que acaba de ser dado à democracia e a do Escola sem Partido. As forças e intelectuais que as promovem são a expressão política e ideológica do contexto atual, que assumem as relações sociais capitalistas no Brasil. Com efeito, a composição dominante do parlamento que, de forma arrogante, cínica e raivosa, legalizou o golpe e reza a cartilha do fundamentalismo religioso e do mercado (FRIGOTTO, 2017, p.25).

 

É nesse terreno, segundo Gaudêncio Frigotto (2017), que a “Escola sem Partido” ganha corpo. Embora o movimento exista desde o ano de 2004, é neste momento que ele adquire musculatura e se fortalece, pois ganha aderência de movimentos e de partidos políticos alinhados à direita e a extrema direita, de fundamentalistas religiosos, e de setores do mercado da educação interessados nas reformas e nos processos de privatização do ensino público. Apesar do movimento negar qualquer vinculação e aliança ideológica e política, a definição de suas frentes de ação deixa claro o porquê da adesão dos setores citados acima: 

 

Programa Escola sem Partido é um conjunto de medidas previsto num anteprojeto de lei elaborado pelo Movimento Escola sem Partido, que tem por objetivo inibir a prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula e a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a educação moral dos seus filhos (ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.).

 

Apesar de se identificarem como uma associação de pais e alunos preocupados com um dito avanço de atividades doutrinadoras na sala de aula e de não explicitarem na definição acima se haveria um foco específico sobre determinadas correntes ideológicas – um vídeo na página inicial do seu site (programaescolasempartido.org) explica o porquê do Partido dos Trabalhadores (PT) e dos sindicatos dos professores serem contra o projeto escola sem partido (ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.). Ainda na página inicial podemos ver uma aba que trata sobre as últimas eleições de 2018. Lá existe uma lista de candidatos à Deputado Estadual, Federal, Senador e Governador que estão afinados com as ideias da escola sem partido (ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.).[5] Fica evidente que o apartidarismo, a não vinculação ideológica não passa de uma estratégia, de uma forma de legitimar o direito de perseguir aqueles que pensam e agem politicamente e ideologicamente diferente.

A “Escola sem Partido” tenta através do espectro da doutrinação ideológica impor domínio sobre a própria escola, sobre os processos de aprendizagem, sobre as experiências com relação ao saber, sobre a produção de movimentos singulares que temem, esses setores, ser ameaçador para suas bases de funcionalidade. Em suma, eles temem a perda de controle sobre a produção de singularidades que pode tomar impulso e transbordar pelos muros das escolas.

Assim, é estratégico manter todos entretidos com o monstro da doutrinação ideológica, enquanto, em meio a essa névoa, todo um projeto educacional fundamentalista, conservador e mercadológico é concebido.  Dentro dessa perspectiva, Fernando de Araújo Penna (2017) faz uma reflexão sobre as intencionalidades da “Escola sem Partido” através da observação de quatro aspectos: “primeiro, uma concepção de escolarização; segundo, uma desqualificação do professor; terceiro estratégias discursivas fascistas; e, por último, a defesa do poder total dos pais sobre os seus filhos” (PENNA,2017, p.36).

Segundo o autor, a concepção de escolarização proposta por esse projeto estaria ligada a uma educação sem a transmissão de valores, com pontos de vista estritamente neutros onde o professor seria meramente um transmissor de conteúdo, cabendo à escola a função somente de instruir. Esse ponto nos leva ao segundo aspecto, a relação que se estabelece entre professor e aluno é equiparada a uma relação de consumo, ou seja, o aluno como cliente que paga por um serviço exige do professor a excelência dessa prestação segundo a sua vontade. O terceiro ponto, estritamente está ligado a uma forma de legitimar o denuncismo, o controle e a perseguição política nas instituições, nesse caso a escola (PENNA, 2017).

O estímulo para que alunos filmem ou gravem seus professores, para que pais façam denúncias nas redes sociais, ou aos órgãos de justiça como o Ministério Público reflete a expansão para dentro da escola do estado policialesco e judicializante instaurado em nosso país já após as eleições polarizadas de 2014 e agora mais fortalecido após as eleições de 2018. Já o controle exclusivo dos pais sobre seus filhos reflete como a escola e o conhecimento são colocados em disputa com outras instituições (no caso aqui a família). Nota-se, portando, uma radicalização da individualização na relação composta entre escola, professor e aluno. Perde-se aqui a ideia da escola como uma instituição com seus valores e práticas coletivas e ergue-se uma lógica pautada em suprir os interesses particulares e formacionais individualizados (PENNA, 2017).

Apresentada as intencionalidades e mecanismos que estão inseridos dentro do projeto “Escola sem Partido” parece claro que ele emerge desse momento de tensionamento e atrito entre as instituições. Nesse quesito, Deleuze (2010, p.224), ao falar do surgimento da sociedade de controle, já apontava para a deterioração das instituições disciplinares: “Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família”. A “Escola sem Partido” é fruto desse contexto de crise das instituições de confinamento e avança sobre a escola através de um discurso moral, mercadológico, individualizante e fundamentalista declarando explicitamente seu interesse em depor a instituição escolar de sua autonomia. Nesse processo de desarranjo por linhas rígidas e autoritárias: almejam fundar amplo terreno de disputa e concorrência.

A diluição das fronteiras disciplinares, como uma espécie de efeito colateral, pode colocar as instituições em disputa umas com as outras, disputas de protagonismo, de autoridade, disputas territoriais. No debate sobre a “Escola sem Partido” observa-se a presença de setores e de ideias tributárias à defesa da tradição familiar (ESCOLA SEM PARTIDO, n.p.). O avanço desses grupos e ideias sobre a autonomia da escola evidencia uma evolução no esgarçamento das fronteiras e da independência escolar na medida em que é reivindicada uma escola e um ensino que se enquadre especificamente aos anseios e expectativas de cada família (KATZ; MUTZ,2017).

Se por um lado isso demonstra uma reação desses setores à ameaça que acreditam ser a escola para sustentação de seus valores tradicionais fazendo, assim, aparecer uma via moralizadora da “Escola sem Partido” que pretende retomar protagonismo, mas também impor controle sobre a escola enquanto instituição. Como bem afirma Katz e Mutz (2017, pp. 201-201) sobre o fato de que a “Escola sem Partido” “parece indicar que a construção da cidadania e da liberdade dos estudantes deve se dar em outro plano e sem a ação direta do Estado, de modo que competiria à escola pública tão somente exercer o papel de informar.’’

Por outro lado, essa tentativa de restringir a escola e o professor a uma função voltada simplesmente para o treinamento e para instrução anuncia, também – dentro dessa dinâmica simultânea do controle – o avanço do setor empresarial que defende a privatização da educação. A educação como direito é tratada aqui como um serviço e como um serviço, cada vez mais, de quem pode pagar por ele. A escola como empresa e a educação como produto não podem estar fechadas em seus espaços de confinamentos, é preciso que estejam em constante atualização, formação e transformação acompanhando as tendências do mercado. A escola apenas como espaço de instrução como apontou Penna (2017) está articulada com todo aspecto reformador do ensino alinhado ao modelo empresarial de mercado.

 

É a partir, sobretudo, das últimas décadas do século XX, que se afirma um processo de desmanche do setor público e da escola pública, como se protagonizou pelos homens de negócio e suas instituições e organizações empresaria. Primeiramente, estimulando o mercado educacional, criando poderosos grupos que fazem do ensino um lucrativo negócio. Mas o desmanche deveria atingir a escola pública mediante a adoção dos critérios mercantis na sua gestão, na escolha das disciplinas que deveriam compor o currículo e na definição dos conteúdos e dos métodos de ensinar e avaliar (FRIGOTTO, 2017, p.28).

 

O avanço da “Escola sem Partido” sobre a escola, seja por uma via moral, ou seja, do ponto de vista mercadológico, fornece algumas pistas que evidenciam a existência de tensões e de trepidações nas instituições disciplinares dentro desse contexto de transição para uma lógica da sociedade de controle. Nesse transcurso, as técnicas usadas pelos propositores desse projeto de educação nos mostram uma outra forma de inserção desses mecanismos de controle. O estímulo para o denuncismo e a fiscalização de pais e de alunos perante os professores e sobre os temas tratados nas escolas apresentam bem esses refinamentos dessas técnicas de domínio tendo em vista que o poder de controle se constitui na emergência de um mundo tecnológico onde a simultaneidade e a multiplicação da informação permite um alcance e uma produção de seus efeitos de forma instantânea e muitas vezes imprevisível.

 

[...] o controle se exerce em curto prazo, além de ser contínuo e ilimitado. Por isto, a eficiência do controle produz efeitos mais rápidos, haja vista o desenvolvimento da informática que, por meio de uma linguagem binária, criou m recurso simples, a senha, capaz de identificar e de localizar as pessoas onde quer que estejam, e o que quer que estejam fazendo. Aliás, ninguém participa das experiências sociais e infocomunicativas nas redes digitais sem que possua uma conta de correio eletrônico e uma senha, elementos estes que funcionam como credenciais mínimas exigíveis para mobilidade no ciberespaço (FERREIRA, 2014, p.114).

 

A liberalidade e a facilitação de acesso a vários conteúdos está associada, também, a facilitação de controle e de gerência sobre a vida. No site da “Escola sem Partido”[6] há um espaço para que pais e alunos postem denúncias em formato de vídeo, de áudio, ou de forma escrita de possíveis atividades de cunho ideológico e doutrinador. Para além da simultaneidade e da velocidade das denúncias, essa tática de controle subverte as relações disciplinares da escola. A noção de autoridade, incorporada na imagem do professor, é deteriorada havendo, assim, uma dispersão do panoptismo. Além disso, toda uma relação de vigilância transcende o confinamento da escola e assume uma lógica modular e contínua. 

A “Escola sem Partido” e suas “linhas duras” de composição – por mais que tenha estes traços um aspecto rígido, conservador, anacrônico e por mais que a emergência desses movimentos pareça nos levar numa viajem de volta para o passado – tem nas técnicas e nos exercícios de suas táticas de ação uma relação afinada e refinada com as contemporâneas tecnologias de poder referentes a uma sociedade de controle.

 

 Ocupações secundaristas: desfeituras pela resistência criadora

Se estamos aqui analisando movimentos de desfazimento seja por uma via rígida autoritária ou por uma via resistente criadora, é porque entendemos que o poder não é estável, não possui forma, não possui dono, não é algo que pode ser adquirido ou usurpado. O poder se exercita e se exerce na relação com outra força ou com o outro e por isso é volátil (DELEUZE, 2005). Por isso está sujeito a viradas, a inversões, por isso suas tecnologias se transformam e se refinam.

Nesse sentido, as relações de poder não brotam de um ponto central. Elas transitam de um lugar a outro, torcem-se, entrelaçam-se, esticam-se, depois se encolhem e há o poder perpassando por todos esses campos. É na relação de poder, no ato do seu exercício que existe, portanto, a possibilidade de fazer resistência, mas não como algo em si somente. Falamos aqui de uma resistência que tem poder de afetar e de ser afetada, resistência sempre criadora, do campo do acontecimento, sempre fundando mundos novos e novas formas de existência. É por esse caminho, como resistência fundante, que compreendemos as ocupações secundaristas.

 

As forças resistentes, portanto, são sempre duplas: são combativas, uma vez que enfrentam e recusam determinadas relações de poder, mas sobretudo criativas, já que incessantemente propõem, de forma autônoma, a reorganização das relações sociais, não somente desafiando as normas instituídas, como também propondo novas formas do convívio, amor e de maquinação do comum (ALVIM; RODRIGUES, 2017, p.78).

 

Em meados de 2016, em São Paulo inicialmente, alunos secundaristas iniciaram uma jornada de lutas contra o governo Geraldo Alckmin (PSDB) devido ao indício de fechamento e remanejamento de alunos das escolas públicas estaduais imposto sem o mínimo de diálogo com a comunidade escolar. A ocupações se multiplicaram pelo Estado e se difundiram por outras regiões do país. Expandiram-se também as pautas de luta e de reivindicações como a posição contrária a PEC055 do teto de gastos que tinha como objetivo congelar por vinte anos os investimentos em áreas sensíveis como a educação; posição contrária à aprovação da reforma do ensino médio que previa uma restruturação curricular com aumento de carga horária e flexibilização de matérias como sociologia, filosofia, entre outras[7] e também contra ao avanço das pautas colocadas pela “Escola sem Partido” (FERREIRA, 2017).

A internet e as redes sociais foram de grande importância tática para a difusão e expansão das ações do movimento diante muitas vezes da coerção das normas da própria escola. A internet surge como um outro lugar, mas que ao mesmo tempo está dentro das instituições, como a escola, de uma forma imperceptível, silenciosa e de precipitações imprevisíveis. Anteriormente, tratamos da “  Escola sem Partido” e do uso da internet como mecanismos apropriados para o exercício de um poder de controle. Por dentro dessa mesma rede, os estudantes usaram a internet como forma organizativa e de escape dos mecanismos disciplinares da própria escola.  Se pela “Escola sem Partido” há um uso sectário da internet como forma de fazer ataques e perseguições. No caso dos estudantes, a internet é usada como possibilidade para se pensar e construir outros lugares, outras formas de existir e de pensar sobre a própria escola.

 

A emergência estudantil e as experiências educacionais das ocupações não podiam deixar de estar relacionadas à internet, na medida em que, diferentemente de outras tecnologias, ela rompe com o funcionamento padrão dos meios de comunicação de massa e permite uma comunicação sem mediações e centralização, marcada pela configuração dos sistemas distribuídos, em que todo elemento pode ter acesso a qualquer outro elemento da rede, permitindo que o processo comunicativo ocorra de “todos para todos” (QUEIROZ; BORTOLON; ROCHA, 2017, p.10).

 

 

Deleuze e Guattari (2012) quando tratam da construção de um corpo sem órgãos (CsO) o concebe não com um lugar, um território, mas como um plano de passagem, de fluxo, um plano de transmissão de intensidades e por isso eles mesmos o define como um limite, um nunca chegar. Dizem isso porque é sobre esse corpo sem órgãos, e não externamente a ele, que se produz estratificações, ou seja, é sobre esse plano de intensidades contínuas que se produz em sua lisura acumulações, arranhões, coagulações, fronteiras, organismos. É por isso que o CsO não se opõe aos órgãos e sim aos organismos, porque será o organismo que construirá sobre tudo que flui, ligações, funcionalidades, restrições, etc. O organismo breca a intensidade, condiciona e gere a multiplicidade e sobrecodifica na experiência e no próprio CsO uma função e um sentido de ser.

 

[...] é o CsO, é ele a realidade glacial sobre o qual vão se formar estes aluviões, sedimentações, coagulação, dobramentos e assentamentos que compõem um organismo —e uma significação e um sujeito. É sobre ele que pesa e se exerce o juízo de Deus, é ele quem o sofre. E nele que os órgãos entram nessas relações de composição que se chamam organismo. O CsO grita: fizeram-me um organismo! dobraram-me indevidamente! roubaram meu corpo! O juízo de Deus arranca-o de sua imanência, e lhe constrói um organismo, uma significação, um sujeito. É ele o estratificado (DELEUZE; GUATTARI, 2012, pp. 24-25).

 

Esse corpo sem órgãos, então, oscila entre os movimentos de freio, de ranhura, das estratificações e entre os movimentos de liberação, de desfazimento, de experimentação, entre, portanto, os movimentos de consistência. Por isso, que não se pode, ou melhor, não se deve suspender os estratos de forma abrupta e não estratégica (DELEUZE; GUATTARI, 2012), pois há risco de vida, risco de queda livre. É preciso cautela, é preciso ser meticuloso, estrategista, é preciso “instalar-se sobre um estrato, aproveitar as oportunidades que ele oferece” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p.27). E por dentro dele ensaiar movimentos de desterritorialização, rotas de fuga e assegurar “sempre um pedaço de terra nova” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p.27).

Nesse sentido, a escola, o sujeito aluno, sujeito professor, diretor, as segmentações de turmas, as normas são estratificações que arranham sobre o CsO traços de sua funcionalidade e de toda uma lógica de criação de significados e interpretações. A transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controle abre espaço, em meio ao sufocamento das tecnologias de poder, para ensaios de desfazimento. As ocupações estudantis não compõem um movimento contra algo que é exterior, não é uma luta de um fora contra um dentro, não é somente uma luta hierárquica, trata-se, sobretudo, de algo que se dá num plano de intensidades. Movimento, portanto, que tenta, ou ensaia, tirar as máscaras de ferro, as sobredocificações e estabelecer outros fluxos, buscar novas terras descolonizadas.

 

Dessa forma, as ocupações não são marcadas apenas por conquistas de “territórios” para demonstrar certo poder político frente ao governo do Estado, mas se constituem como espaços de empoderamento social, político e cognitivo, no qual se questiona o status quo do modelo educacional vigente e se experimenta uma nova vivência de ensino, mais horizontal e menos hierárquica, e que busca no poder da criatividade e da inovação um caráter transformador (QUEIROZ; BORTOLON; ROCHA, 2017, p.07).

 

As ocupações possibilitaram que processos de experimentação se rizomatizassem por toda rigidez do modelo disciplinar das escolas. As contestações contra as medidas sectárias do governo, as denúncias sobre as condições e o estado de precarizações em que se encontravam fizeram parte de todo esse contexto. Mas, toda uma rede de experimentação e de construção de novas formas de relação com o espaço escolar, com o conhecimento, com a construção do saber foram exercitadas dentro das ocupações. Não se tratou, portanto, de lutar unicamente pela garantia de direitos, mas, também, pela construção de uma outra escola. Ensaiou-se a deposição das hierarquias disciplinares, ensaiou-se viver, mesmo que provisoriamente, em um lugar outro.

Para além das lutas macroestruturais do poder e suas linhas duras, não que isto não fizesse parte, as ocupações fizeram instalações nesses estratos e estrategicamente se microscopizaram, fizeram do menor não algo desprezível, mas sim uma potência que como um vírus imperceptível é capaz de debilitar o corpo. E que nesse embate faz esse corpo febril suar e por seus poros faz emergir suas violências e suas mecânicas de funcionamento. As ocupações fizeram da escola um corpo febril que ao tremer, fez também tremer suas bases de sustentação e de operacionalidade ancoradas nas táticas de segmentação e de divisão do poder disciplinar.

 

Estamos vivenciando um processo de resistências, no sentido forte do termo. São movimentos contra as discriminações, as abordagens tendenciosas das mídias tradicionais, a centralização administrativa das escolas, a mercantilização da educação e a certas propostas de lei governamentais. Ao mesmo tempo são resistências inventivas, que delineiam um espaço de experimentação educacional e político, configurando uma alternativa real ao que está dado no campo da política representativa e das escolas disciplinares (ALVIM; RODRIGUES, 2017, p. 89).

 

As ocupações nos mostram que – em meio a essa passagem de um poder disciplinar para um poder de controle, a esse refinamento dessas tecnologias de poder, ao cansaço e ao pessimismo desses nossos tempos atuais – é possível criar formas inventivas e criadoras de resistência. Resistência criadora, potente, que faz do passado e do futuro um só presente; que faz do micro, do macro, do externo e do interno uma só coisa; que faz da fagulha de fogo uma grande explosão. Movimento provisório, é verdade, mas contínuo em sua provisoriedade e por isso imprevisível.

Silvio Gallo (2002) inspirado no conceito de uma literatura menor de Deleuze propõe a possibilidade da criação de uma educação menor. Seria ela pautada em instituir-se no presente, no fazer diário e cotidiano sobre o chão da escola. Não se trata, portanto, de uma educação que vise traçar os grandes projetos, os grandes planos, seguindo as cartilhas das diretrizes que condicionam e controlam o processo de aprendizagem. É justamente contra o que está instituído como regra, como norma, como o grande sistema diretivo que essa educação menor se rebela e por isso é também ela um ato, uma luta político. Mas uma luta política que não se exerce nos gabinetes e sim no presente, na realidade que diariamente transborda pela escola. Portanto, uma política menor é um exercício micropolítico, luta que emerge e se cria no fazer diário. Essa educação menor, também, aposta no coletivo, na multiplicidade, ou seja, aposta na produção da diferença e naquilo que é singular. Porque é através dessa produção que é possível se expandir, barrar os modelos, desterritorializar-se.

 

Uma educação menor é um ato de revolta e de resistência. Revolta contra os fluxos instituídos, resistência às políticas impostas; sala de aula como trincheira, como a toca do rato, o buraco do cão. Sala de aula como espaço a partir do qual traçamos nossas estratégias, estabelecemos nossa militância, produzindo um presente e um futuro aquém ou para além de qualquer política educacional. Uma educação menor é um ato de singularização e de militância (GALLO, 2002, p.173).

 

As ocupações secundaristas não foram um movimento isolado e desconexo. Como já dissemos anteriormente, elas estiveram conectadas com uma série de rebeliões que explodiram recentemente no mundo e em sua singularidade produziram movimentos, ramificações, desterritorializações. Em vez de nadar contra a correnteza do rio, por dentro dele ousou abrir afluentes, subafluentes, correntezas outras e por dentro e por fora da escola fez resistência. Resistência à ameaça de endurecimento pela onda autoritária que tem como projeto destituir a escola como lugar de possibilidade para a experiência, para a produção do que é singular em nome da moral ou do dinheiro. As ocupações fizeram experimentações de construção de uma educação menor, promoveram exercícios de deslocamentos para possibilitar que nasça por dentro dessa mesma escola uma escola outra.

 

 Conclusão

 

Ao buscar trazer indícios da sociedade de controle e seus efeitos sobre a escola, podemos perceber que este não é um processo pacífico. A reflexão em torno de dois movimentos tão distintos – de um lado a “Escola sem Partido” e de outro as ocupações secundaristas – nos evidenciam o campo de disputa política, de sentido e de poder aberto com o processo de dissolvimento das instituições de confinamento da sociedade disciplinar da modernidade.

Nesse sentido, o que nos chamou atenção é que a escola enquanto instituição fundamental da modernidade parece não dar conta da complexidades da sociedade atual atravessada mais e mais por uma dinâmica de poder ligada a uma sociedade de controle. Se é que poderíamos traçar um “ponto de contato” entre a “Escola sem Partido” e as ocupações secundaristas: seria o fato de que ambos os movimento em suas especificidades e distinções reivindicam um deslocamento, um outro lugar, uma outra funcionalidade diferente da escola da modernidade.

Não queremos com isso defender a extinção da escola, muito pelo contrário, tentamos aqui evidenciar como as alterações nos regimes de poder trazem consequências e novas demandas para o funcionamento da escola que não poderão ser “resolvidas” reafirmando um mesmo modelo que parece ter chegado ao seu esgotamento. Defender a escola nesse momento, portanto, significa afirmar que é possível criar outras práticas, outras formas, outros modos de conviver e de existir nesse espaço escolar, tem a ver com criação.

Como uma espécie de fala sem final, gostaríamos de dizer que é preciso abrir todos os olhos da pele para ver o que parece invisível e não é, o que nunca será e efetivamente é, o que pulula pelas extremidades, o que passa pelo micro em meio a esses tempos tortuosos de recrudescimento democrático, de guinadas protofascistas, de transformação veloz na sociedade, na ciência, no conhecimento e na mecânica de funcionamento das tecnologias de poder. É preciso abrir todos os olhos da pele para ver o canto que foge da gaiola e repousa nos ouvidos distraídos, o vento que rola pelas pedras ladeira abaixo esfriando o sol, é preciso ver as linhas de condições de possibilidade por dentro dos sonhos, debaixo da cama, na cegueira da noite, por dentro de todas as masmorras que habitam em nós. E, assim, murmurar, fazer ensaios, rabiscos, mesmo que precários, mas que possibilitem exercitarmos práticas de liberdade – senão sufocaremos.

 

 Referências bibliográficas

 

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Recebido em 11/03/2021

Aprovado em 03/05/2021

 

 

 



[1] Doutorando e Mestre (2020) pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED/UFS). Bolsista de Doutorado CAPES. Graduado em história pela Universidade Tiradentes (2010). ; Aracaju –SE; E-mail: lucas.historiando@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0826-4567

[2] Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Coordena o Grupo de Pesquisa Educação, Cultura e Subjetividade (GPECS/UFS/CNPq). É pesquisadora e professora da Universidade Federal de Sergipe e do Programa de Pós Graduação em Educação na linha de Pesquisa Conhecimento, cultura e educação. E-mail: dfeldens@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6471-3876; Aracaju – SE;

[3] Referência ao livro “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago (1995)

[4] Trecho referente a música: “Nada Será Como Antes”. De composição de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.

[5] Estas informações podem ser acessadas e visualizadas no site: << programaescolasempartido.org>>

[6] Estas informações podem ser acessadas e visualizadas no site: << programaescolasempartido.org>>

[7] A reforma foi aprovada ainda na data de 22/09/2016